Já é mais do que sabido que a força é uma capacidade motora fundamental para o desenvolvimento e aperfeiçoamento da condição física e atlética do corredor de fundo.

Em outros artigos na CR, pude descrever vários meios e metodologias de como se treinar a força, assim como outros consultores da revista manifestaram-se a respeito do tema e contribuíram com informações valiosas e muito úteis aos corredores. Desta vez, vamos falar das possibilidades de treinar a força, aproveitando-se de situações que a natureza pode nos oferecer.

Para se treinar a força, o corredor deve ser capaz de distinguir quais objetivos ele pretende alcançar com este ou aquele meio de treinamento. Sim, pois um mesmo treinamento poderá servir para objetivos variados. Um exemplo: ao treinar com pesos, na sala de musculação, o exercício de agachamento realizado em três repetições e com uma carga muito elevada produzirá efeitos na força máxima do corredor, mobilizando suas reservas anaeróbicas; o mesmo agachamento realizado em 40 repetições e com uma carga leve produzirá efeitos na resistência muscular, mobilizando suas reservas aeróbicas.

Dessa forma, o corredor deve se preocupar primeiro com o objetivo que quer alcançar na sessão de treinamento e, posteriormente, escolher qual ou quais os meios disponíveis pela natureza que servirão aos seus propósitos.

OS MEIOS NATURAIS PARA SE TREINAR A FORÇA. É certo que existem inúmeros meios e metodologias para se treinar a força em corredores de fundo. Desde os mais sofisticados e modernos, que apenas uma ínfima parcela de corredores de elite tem o privilégio de se submeter, até os mais simples e, nem por isso, menos eficientes, representando uma variedade de treinamento para desenvolver a força.

Porém, nesse artigo tratarei apenas dos meios de treinamento que podem ser encontrados na própria natureza e, portanto, disponibilizados gratuitamente aos corredores. São simples, de fácil aplicação e de muita eficiência! Basta encontrar o local e as condições necessárias para a sua realização.

Os meios naturais para se treinar a força e que vou propor aos corredores estão relacionados a duas condições básicas: terreno e clima. Vamos às devidas considerações e exemplos práticos.

1) CONDIÇÕES DO TERRENO. O terreno costuma ser o principal aliado natural que o corredor dispõe para o treino da força. De um modo geral, qualquer tipo de terreno que o corredor encontre e que o obrigue a executar mais força do que exerceria normalmente em sua corrida terá servido ao propósito em questão.

O terreno pode oferecer um número variável de situações que, se exploradas com cuidado em relação ao objetivo a ser alcançado, será sempre de utilidade ao corredor.

Contudo, quais as características que o terreno deve apresentar para que o corredor tire proveito dessa natureza e pratique o treinamento adequado para desenvolver a força? São elas:

a) Inclinação: esta é a característica mais explorada pelos corredores, que pode ser traduzida pelo jargão da corrida como "treinamento em rampas". A corrida "morro acima" é o modo mais natural e, talvez, eficiente de se desenvolver a habilidade muscular em exercer força durante a corrida. Trata-se de um meio específico de treinamento da força para corredores de todos os níveis de condicionamento e rendimento esportivo. Conforme o percentual de inclinação, a distância a ser percorrida, o número de repetições e a velocidade, o treino terá uma tendência para a mobilização anaeróbica ou aeróbica. Exemplo destas especificações pode ser observado no quadro A. No caso contrário, ou seja, a corrida em declive ou "morro abaixo", muita cautela! Os músculos posteriores da coxa são fortemente exigidos em sua extensibilidade e força, e o efeito de frenagem provoca transferências negativas sobre a técnica de corrida. Além disso, o risco de lesões é maior e todo cuidado ainda será pouco.

b) Superfície de contato: água, grama, areia e lama. É isso mesmo! Esses tipos de superfícies dificultam o deslocamento do corredor e exigem mais da habilidade muscular em produzir força, se compararmos ao asfalto, por exemplo. O corredor poderá se aproveitar das condições da superfície do terreno para treinar a força de um modo muito natural e eficiente. Algumas dessas possibilidades podem ser observadas no quadro B. Sobre a questão da superfície, o corredor teve estar atento aos treinos realizados na praia. São treinos proveitosos, tanto na areia mais fofa quanto na mais dura, porém, as inclinações laterais devem ser evitadas, já que causam desequilíbrios articulares e musculares, pois o peso do corpo acaba tendendo para o lado da perna mais próxima da água, gerando sobrecarga, estresse e uma possível lesão. De preferência, o corredor poderá executar o treino na areia com os pés descalços, o que favorece o fortalecimento de toda a sua musculatura e estimula o ciclo de alongamento-encurtamento (sistema de produção de energia que é característico da passada do corredor).

2) CLIMA. O aspecto mais importante do clima é o vento, que pode ser utilizado pelo corredor de modo muito útil aos seus propósitos.

Tanto contra quanto a favor da direção da corrida, o treino com vento produzirá ganhos interessantes na força, na economia de corrida e na transferência positiva da força (condições facilitadas de deslocamento).

Um modo de treinar com o vento contrário é por meio do treino intervalado. O corredor deverá fazer os "tiros" contra o vento, o que exigirá maior aplicação de força para "romper" a massa de ar.

Próximo às competições, caso tenha a oportunidade, um treino intervalado a favor do vento (condições facilitadas de deslocamento) trará benefícios ao corredor em relação à eficiência mecânica e economia de corrida. Neste caso, ele será ajudado pelo vento.

Alternar os "tiros" com vento contra e a favor irá beneficiar tanto a produção da força (resistência muscular) quanto a sua transferência positiva (eficiência mecânica / economia de corrida).

CONSIDERAÇÕES FINAIS.  Como observamos, treinar a força não é algo que necessite de tecnologias modernas ou aparatos mercadológicos complexos de última geração. Bastam criatividade e conhecimento sobre o que a natureza tem a oferecer e quais objetivos querem ser alcançados pelo treinamento.