Fibras musculares são as células que compõem nossa musculatura. Dentro de um mesmo músculo existem diversos pequenos grupos de fibras musculares que são inervados por motoneurônios diferentes (uma extensão nervosa saindo da coluna). Cada vez que nos movimentamos, um estímulo elétrico parte das áreas motoras do cérebro e viaja, através dos motoneurônios, até os músculos desejados. Esse "choque" elétrico que eles recebem faz com que uma série de reações ocorram, resultando na contração das fibras musculares e no movimento.
O calibre, ou grossura, desses motoneurônios é que irá definir o tipo da fibra muscular. Um motoneurônio mais grosso permite que uma quantidade maior de impulsos passe numa mesma quantidade de tempo e vice-versa. De acordo com o neurônio que lhe inerva, as fibras irão apresentar tipos diferentes de proteínas contráteis, que são as partes do músculo que efetivamente "se mexem" durante uma contração. Atualmente se consideram três tipos de fibras: as do tipo I, tipo IIa e tipo IIx; ou fibras lentas, intermediárias e rápidas respectivamente.
Cada um dos três tipos de fibras possui capacidades diferentes, de forma que as fibras se "equipam" com substâncias diferentes para poder trabalhar melhor. As fibras lentas, inervadas por motoneurônios de menor calibre, possuem maior irrigação sanguínea e maior quantidade de mioglobina (o equivalente aos glóbulos vermelhos do sangue, só que no músculo) e glicogênio, para poder carregar mais facilmente oxigênio e realizar trabalhos de longa duração. As fibras rápidas, inervadas por motoneurônios mais grossos, por sua vez estão equipadas para realizar trabalhos de maior potência e força, porém perdem sua capacidade de trabalho em pouco tempo.
COXA ESCURA, PEITO BRANCO. Essa diferença no conteúdo das fibras musculares explica a diferença de cor entre a coxa e o peito de frango, por exemplo: a carne das coxas é mais escura, enquanto o peito tem carne branca. Isso porque no frango o tipo de fibras das musculaturas da perna e do peito são diferentes. Uma galinha passa o dia no chão, e realiza apenas breves vôos. Seus músculos das pernas são adaptados para realizar trabalho durante longos períodos, em baixa intensidade, enquanto o peito está adaptado para breves e fortes contrações das asas. Aves que voam com mais frequência apresentam uma carne mais escura no peito e nas asas. A cor da musculatura é na verdade o resultado final do processo: o tipo de inervação que uma fibra muscular recebe irá determinar o tipo de trabalho que ela está mais apta a realizar, e o trabalho que ela realiza irá determinar o conteúdo da fibra muscular, podendo alterar sua coloração.
Diversos estudos foram realizados tentando explicar diferenças em níveis de força e velocidade de pessoas a partir dos seus tipos de fibra. Alguns músculos parecem ser bastante estáveis quanto a sua composição. Os eretores da coluna, por exemplo, possuem uma grande predominância de fibras tipo I (lentas), e isso se justifica pelo seu uso constante como músculos posturais. Já as musculaturas dos membros inferiores e superiores apresentam uma variação maior entre pessoas, porém longe do esperado para explicar diferenças em performance de forma satisfatória. A grande maioria das pessoas apresenta uma distribuição parecida de tipos de fibras nos músculos das pernas, por exemplo, com uma variação talvez de 10% para mais ou menos que a média, ou seja, nada que crie uma relação inabalável entre tipos de fibra muscular e desempenho em diferentes distâncias.
Mas vamos deixar a fisiologia quieta por algum tempo e pensar na corrida, para que fique mais claro. Algumas pessoas são mais velozes do que outras, isso é fato, e é quase prontamente atribuído à distribuição dos tipos de fibra em nossos músculos, o que não é necessariamente correto. O problema aqui são os nossos parâmetros de comparação: digamos que você corra os 100 m rasos em 14 segundos, e seu companheiro de treinos, de mesma idade e tempo de treino etc, não consegue baixar dos 16 segundos. Vocês resolvem, então, começar a treinar para melhorar suas marcas nos 100 m, e após algum tempo a sua marca baixou quase um segundo inteiro, e a de seu amigo apenas dois ou três décimos. A explicação virá rápido: o problema é que seu amigo possivelmente possui mais fibras lentas que você, é um fundista por definição, enquanto você possui mais fibras rápidas, que lhe proporcionam breves períodos de potentes contrações musculares. Tudo muito bem, tudo explicado. O problema é que você provavelmente também ganha do seu amigo em todas as provas de distâncias maiores, até a maratona. É aí que a teoria da distribuição de fibras começa a perder as asas.
O EXEMPLO DOS PROFISSIONAIS. Nada melhor do que atletas profissionais para ilustrar esse ponto. O queniano Samuel Wanjiru, campeão da maratona no jogos olímpicos de Beijing e recordista mundial da meia-maratona, até tempos atrás era campeão mundial júnior em provas como 5.000 m e mesmo provas como os 800 m. Peter Coe, pai e treinador de Sebastian Coe, dizia que se os meio-fundistas subissem de prova com o passar do tempo eles iriam dominar todos os eventos até a maratona, e isso tem se confirmado com atletas como Wanjiru e tantos outros.
Esse tipo de domínio em provas de duração tão diferentes começa a ser um problema para o "argumento das fibras", mas ainda resta uma esperança: o atleta vai mudando de prova ao longo do tempo, então é possível que seu tipo de fibras mude com o tempo e isso explique que ele se dê bem em todas, certo? Não tanto. A capacidade de mudança das fibras, até onde sabemos, é limitada. O neurônio conectado à fibra não muda, e é ele quem determina o tipo da fibra. No entanto, aquelas fibras intermediárias, as do tipo IIa, parecem ser bem propensas a "trocar" seu conteúdo interno, dependendo do treino realizado, de forma que fiquem mais parecidas com fibras lentas ou com as rápidas. As duas, aliás, também podem adaptar seus conteúdos, porém em menor escala.
Olhando a questão por outro ângulo, pense no seguinte: Wanjiru é o campeão olímpico da maratona e recordista da meia, pela teoria um corredor cheio de fibras lentas. Porém, durante sua meia maratona em ritmo de recorde mundial ele corre cada parcial de 100 m para uma média aproximada de 16 segundos! Ou seja, o mesmo ritmo de seu colega de treino quando faz um 100 m rasos. Agora imagine Wanjiru correndo os 5.000 m, os 1.500 m e daí por diante. Corredores fundistas de elite também são excelentes velocistas, tendo marcas em 100 m melhores que muitos velocistas amadores, possivelmente na casa dos 11segundos baixos ou mesmo 10 segundos altos.
VELOCIDADE É A CHAVE. O importante dessa discussão é que seu tipo de fibras possivelmente não determina sua performance, mas independente disso, a velocidade é a chave para o sucesso em qualquer distância, e deve ser treinada para promover as melhoras necessárias. Um corredor capaz de correr os 100 m em 15 segundos possivelmente estará muito mais à vontade e coordenado correndo no ritmo de 25 segundos/100 m, durante um 10 km, do que um corredor que tenha um 100 m de 19 segundos e tente fazer o mesmo (ele não vai conseguir).
Se aceitarmos que a velocidade é definida pelo seu tipo de fibras, por sua vez definido pela inervação, esta última "imutável", só nos resta aposentar os tênis e comprar um jogo de xadrez. Desvincular a velocidade do tipo de fibras nos permite partir para outros paradigmas em que a velocidade pode ser trabalhada com uma margem maior de sucesso.
Alguns outros fatores, além do tipo de fibras, costumam estar implicados com nossa velocidade máxima de corrida, alguns dos quais permitem que tenhamos alguma influência e outros não. Entre os que não podemos mexer estão coisas como o tamanho de nossos segmentos corporais e os locais em que nossos músculos se ligam aos ossos, o que pode gerar forças de alavanca maiores ou menores. Nas coisas mais "interessantes", ou seja, aquelas com as quais podemos tentar trabalhar, estão a força da passada, a pré-ativação muscular no momento em que os pés tocam o chão, a sincronização da ativação da musculatura, além de nossa técnica de corrida, todos os quatro inter-relacionados.
Alguns estudos já mostraram que corredores mais velozes o são não em função de trocarem as pernas de lugar mais velozmente, mas sim por terem uma maior força (e comprimento de passada, por tabela) a cada passo. Essa aplicação de força se alia a pré-ativação da musculatura no instante em que o pé toca o solo. Aparentemente corredores que já tocam o solo com a musculatura mais ativada disperdiçam menos energia elástica, por ter uma alavanca mais firme, o que lhes dá um pouco a mais de força a cada passo.
Estes dois fatores, junto com a sincronização da musculatura, permitindo que as diversas fibras de um músculo se contraiam de forma a maximizar a capacidade de força, resultam em uma técnica de corrida mais eficiente. Os meios de se treinar isso são basicamente a execução de sprints curtos, treino de força, e principalmente exercícios explosivos e pliometria.
Quanto mais jovem, maior o potencial para trabalhar a velocidade, até mesmo pelo impacto e stress físico que o treino demanda. No entanto, todos os corredores podem se beneficiar ao montarem seus planos, e quem sabe podar alguns segundos de seus 100 m para economizar alguns minutos na maratona.