Já de largada, então, temos um primeiro divisor de águas. Um diário eficiente não é aquele em que você escreve num caderninho ou agenda, enche de figurinhas e recortes de jornal e inicia cada nova sessão de treinos com "Querido diário…". Nada contra este gênero. É divertido guardá-lo numa gaveta por anos para um dia dar de cara com seus treinos antigos e provas, reler sobre suas emoções etc.
Porém, o que estamos tentando montar aqui é uma ferramenta que auxilie o corredor em seus treinos, não um livro de memórias. Por isso, o melhor a fazer é tentar armazenar as informações importantes de seu treinamento sob forma numérica e armazená-las numa planilha eletrônica, por exemplo, para que depois se faça qualquer análise necessária. O uso do computador não é obrigatório. Papel, caneta e calculadora fazem o mesmo trabalho.
REGISTRO DE VOLUME. O maior erro nessa hora é simplesmente guardar as planilhas de treino recebidas ou criadas, acreditando que isso seja um diário de treinos. Seria, caso os corredores fizessem todas as sessões da planilha e se sentissem bem durante todos os treinos. Esse caso é muito mais uma exceção do que a regra entre os corredores. Imagine a seguinte cena: você começa a treinar numa assessoria esportiva, para sua segunda maratona. Seu futuro técnico pergunta se você já tem alguma experiência com corrida. Você diz que já correu uma maratona no ano passado e que possui todos os seus registros de treinos bem como a planificação.
Seu treinador irá olhar as planilhas, olhar a planificação e criar um treino baseado nelas. Se você tiver continuado a treinar após aquela prova, é bem provável que seu novo ciclo de treinos tenha um volume talvez 10 ou 15% maior do que no ano passado. Porém, você esqueceu de avisar seu novo treinador que, daquelas planilhas que você entregou para ele, você costumava fazer três ou quatro dos cinco treinos semanais e que no total fez apenas 60-70% do volume proposto. Pronto, seu registro de treinos do ano passado acaba de sabotar sua performance deste ano.
Registro de treinos serve para registrar o que você fez, não o que deveria ter feito. Por isso, guardar apenas as planilhas é de pouca utilidade, e a longo prazo tende a ser prejudicial para o corredor. O mesmo acontece se você simplesmente fizer uma pequena anotação ao lado do treino proposto, dizendo fiz / não fiz e coisas do tipo. Isso porque quem ler a planilha irá focar na informação mais fácil de extrair. Não tenha muita esperança de que outra pessoa que não você irá parar para contar quantos treinos da planilha você não fez, descontar as séries que não foram realizadas numa sessão para calcular o volume efetivamente alcançado, a despeito do proposto.
Temos então dois pontos iniciais para seu registro de treino: volume de corrida proposto e volume de corrida realizado. É importante manter um registro dos dois porque isso possibilita ver, no longo prazo, o quanto você adere a suas propostas de treinamento.
Treinamento não é uma ciência exata, e por consequência sempre se trabalha com faixas em que se julga que um dado resultado irá ocorrer. Saber o quanto um corredor costuma realizar de um plano permite jogar com mais segurança dentro destas margens. Trocando em miúdos, se seu treinador sabe que você não irá fazer tudo, provavelmente pedirá um pouco a mais, para que você acabe fazendo o mínimo necessário.
Um diário mais completo pode acrescentar informações de volume em horas de treino. Esta variável será extremamente útil para pessoas que treinam outras modalidades junto com a corrida e ainda para aquelas num período em que sua velocidade de treino muda muito. Por exemplo, acrescentar horas de treino permite acomodar modalidades como Pilates, musculação, natação, entre outras, no seu registro de treinos de corrida. Outro exemplo: uma pessoa que inicie seu treino com caminhadas percorrendo apenas 5 km, daqui a algum tempo poderá estar correndo 10 km na mesma uma hora. Ou seja, apesar de ter dobrado o volume de treino, o tempo dedicado não aumentou.
REGISTRO DE INTENSIDADE. O item mais delicado e trabalhoso quando se faz um diário de treinos é com certeza o registro de intensidades. Na corrida, a intensidade geralmente irá se confundir com velocidade, mesmo que ela seja relativa a um dado fisiológico, como frequência cardíaca ou consumo máximo de oxigênio. Existem diversos métodos, cada um com suas vantagens e desvantagens, então talvez o melhor a fazer seja utilizar mais de um ao mesmo tempo. O registro de intensidades deve sempre ser feito como um percentual do volume total de treino (proposto e realizado). Como existe uma infinidade de velocidades e intensidades diferentes na corrida, se utilizam faixas para este critério. Você pode fazer isso utilizando velocidades / intensidades absolutas ou relativas.
Utilizar velocidades absolutas oferece uma informação pura sobre o que você fez. Para não complicar o processo de registrar cada velocidade em que você corre, faixas de intensidade podem ser criadas, por exemplo a cada 2 km/h ou 30 seg por quilômetro. Assim você saberá que uma parte de seu volume foi feita entre 10 e 12 km/h, outra entre 12 e 14 km/h e assim por diante. O problema é que somente esta informação não dirá a dificuldade, ou o seu esforço, em cada faixa de velocidade.
Digamos que você tenha dois registros anteriores de planejamentos feitos para provas de 10 km. No registro mais recente havia muito mais volume de corrida entre 12 e 14 km/h do que no primeiro, onde a maioria do treino era entre 10 e 12 km/h. Será que este treino mais recente foi mais intenso para você ou simplesmente você estava mais preparado e o aumento de velocidade absoluta não refletiu em um aumento de esforço da sua parte?
É preciso saber se na medida em que você evolui na corrida seu treino fica mais difícil de ser realizado ou não, e olhando somente os registros de velocidade absoluta não se consegue esta resposta. Este é justamente o motivo pelo qual se utilizam as intensidades relativas. Ou seja, um percentual do seu máximo ou algum outro parâmetro, como limiar de lactato.
Essa informação permite saber o que a outra escondia, que é a dificuldade subjetiva de cada diferente faixa de velocidade. Por outro lado, guardar apenas a intensidade relativa irá esconder a velocidade real. Imagine sua progressão de treinos durante alguns anos. Lá no início, correr a 70% da frequência cardíaca máxima era correr a 10 km/h (6 min/km). Hoje estes mesmos 70% podem significar correr a 15 km/h (4 min/km). A intensidade relativa pode ser a mesma, mas vá explicar isso para suas juntas. Apesar de nossa capacidade de suportar cargas aumentar com o treinamento, uma velocidade mais alta sempre terá um efeito maior sobre nossas articulações do que uma mais baixa no mesmo instante.
Com isso, o melhor a fazer é mesclar as duas informações. Quando se utilizam as intensidades relativas, é importante que seu parâmetro de relativização, ou seja, o que você utilizou para estipular como 100% (frequência cardíaca, limiar de lactato ou ritmo de 10 km) seja reavaliado cada vez que sua performance mude para melhor ou pior, para manter a carga relativa sempre apropriada ao seu estado atual. De nada adianta ter uma carga relativa correspondente a seu melhor 10 km de 5 anos atrás, se hoje seu melhor 10 km é 5 minutos mais rápido.
PONTOS DE CONTROLE. Existem ou-tras informações para acrescentar em seu registro de treinos. As mais óbvias são seus resultados em provas e avaliações. Estas informações devem estar à parte, de forma que possam ser facilmente analisadas. Uma página separada em seu registro com data, distância da prova, tipo de percurso, condições climáticas e tempo são mais do que suficientes.
Uma informação que muitas vezes é esquecida é o controle de tênis. Uma página especial aqui também vai bem. Inclua a data de compra e o modelo. Esta informação faz sentido para pessoas que utilizam um tênis por vez. Se você faz um rodízio de vários modelos, perde um pouco de importância, pois a principal função deste controle é tentar ver possíveis associações entre tênis novos e lesões.
Não há muita concordância sobre se é melhor usar um tênis por vez ou um rodízio de diversos. O argumento dos primeiros é que seu corpo se acostuma com um determinado modelo, e partir disso ajusta sua biomecânica, o que é impossível se você está sempre trocando de modelo. O argumento dos outros é que fazendo um rodízio você permite que a sola "descanse" entre uma corrida e outra, aumentando a durabilidade e qualidade da absorção de impacto. Minha opinião: se você puder, compre dois pares do mesmo modelo e faça todo mundo feliz.
Outro ponto de controle interessante são séries constantes. A idéia é acompanhar alguma variável fisiológica numa mesma série, corrida sempre da mesma forma. É possível, por exemplo, acompanhar sua frequên-cia cardíaca durante 4 km corridos em exatos 20 minutos e durante os primeiros 5 minutos de recuperação. Este tipo de informação pode ser retirado de qualquer série padrão que você queira, e permite analisar seu status de treino atual (quanto menor sua resposta durante a série e mais rápida sua recuperação, melhor seu status e vice-versa).
REGISTRO DE LONGO PRAZO. Fazer um registro com todas estas informações pode ser chato, e à primeira vista parecer desimportante. Porém, é preciso lembrar que grande parte do treinamento acontece num sistema de tentativa e erro. Portanto, quanto mais informações se puder obter sobre o seu passado, maiores serão as chances de não errar no futuro, tornando o treinamento cada vez mais ideal dentro de sua realidade e possibilidades.
Inicie com um registro simples de volume proposto e volume realizado. Com o tempo, vá adicionando informações sobre velocidades, testes, tempos etc. Cada pessoa encontra uma maneira diferente de armazenar essas informações de uma maneira lógica proveitosa para seus próximos planos.
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Existem vários sites que fazem isso hoje também. O Linha de Chegada.com é um deles, e cresce bastante como rede social de corredores e ferramenta de registro e acompanhamento de treinos!!