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Começar a correr é muito fácil. Vamos lá? – dez/2006

Marco Albuquerque – dezembro 2006

 

Começar a correr sem orientação pode fazer mal? Sim, pode. Mas isso não quer dizer que você só deve começar a correr se tiver um treinador ao seu lado. Entenda o “fazer mal” como qualquer circunstância relacionada à corrida que de alguma forma provoque algum desconforto, de pé torcido a infarto.

Antes que você desista de continuar lendo e pense em procurar outro esporte, é bom lembrar que qualquer atividade física, de jogar xadrez a saltar de pára-quedas, pode fazer algum mal. Na verdade, comparativamente, a corrida é uma atividade de baixo nível de lesões, mas que ainda assim requer alguns cuidados, principalmente por parte de quem está iniciando.

Mas esta matéria não é só para quem está começando. Se você já é um corredor experiente, antigo leitor da Contra-Relógio, aproveite e reveja algumas dicas importantes. Então, vamos lá.

 

A corrida é uma atividade simples e prazerosa. Esse prazer, é bem verdade, pode não acontecer logo nas primeiras voltas.

Tenho um amigo que não corria há anos. Sempre que tentava voltar a correr era um sofrimento. Boca seca, peito ardendo e uma “vozinha”, lá dentro, reclamando o tempo todo do cansaço. E assim ele tentava correr e em menos de cinco minutos já estava caminhando, cansado, e voltava para casa desgostoso, até que uma vez um amigo dele o acompanhou. Para não fazer feio, ele resolveu ignorar a “vozinha” insistente. Quanto mais ele a ignorava, mais ela insistia. De repente, ele estava correndo tranqüilo. Aquela sensação desagradável tinha passado.

Expliquei para ele que aquele DESCONFORTO DO INÍCIO DA CORRIDA é normal. Antes de começar a correr, nosso organismo está trabalhando em um ritmo lento. Quando começamos a correr, esse ritmo é acelerado, mas esse aumento de ritmo não é automático e só consegue atender as necessidades do corpo após alguns minutos. É justamente essa demora em se adaptar ao novo ritmo que provoca o mal-estar no início da corrida.

Com o tempo de treino, essa resposta passa a ser mais rápida e o desconforto no início da corrida, além de ser mais curto, é mais suave.

Você não precisa passar por esse desconforto toda vez que for correr. Uma forma de amenizar esse desconforto inicial é começar a corrida com uma caminhada. O que, na verdade, nada mais é do que aquecer o organismo.

Todos os corredores devem AQUECER ANTES DE COMEÇAR A CORRER. Para os que têm mais tempo de corrida basta um trote leve. Já quem está começando pode optar por uma caminhada. Dá no mesmo.

Além de acelerar a “máquina”, o aquecimento prepara a musculatura e todas as demais estruturas que são solicitadas na corrida para a atividade mais intensa. Aquecer é fundamental. Não aquecer, por outro lado, além de aumentar o desconforto do início, é um atalho e tanto para lesões.

Aquecer é acelerar o organismo aos poucos, assim, nada de começar o aquecimento com movimentos bruscos ou amplos. Inicie devagar e aumente o ritmo gradualmente. Cinco minutos nessa rotina já são suficientes. Mais de dez é exagero.

E quanto ao ALONGAMENTO? Pode ser que você esteja se perguntando. Vou deixar uma coisa bem clara. Aquecer é aquecer, alongar é alongar. Não são sinônimos e não se complementam. O aquecimento é isso o que você leu aí em cima. O alongamento, por sua vez, é aquilo de “abrir” as pernas, tentar encostar a testa nos joelhos e por aí vai. Tem muita gente boa que antes das corridas faz verdadeiros “contorcionismos”. Não adianta. Pode encostar a testa no pé que não corre mais rápido. E o pior: há pesquisas que dizem que, além de não ajudar a correr mais rápido, também não diminui as chances de lesão. O que ajuda é o aquecimento. Este é que não pode ser ignorado.

Como visto, o aquecimento é um ótimo recurso para evitar lesão, mas a lesão mais séria pela qual pode passar um corredor não é evitada com aquecimento, mas com prevenção. Este é o ponto principal da matéria e o que está relacionado diretamente à pergunta do título.

A principal preocupação de todos os que desejam iniciar uma atividade física deve ser saber como está o seu organismo. A avaliação médica é uma regra de ouro que não pode ser deixada para depois. Corridas, só depois de saber do médico se está tudo em ordem. Repetindo: sem saber, sem correr.

Esse assunto traz à tona uma situação recorrente que tem despertado preocupação no meio desportivo: a MORTE SÚBITA.

Antes de qualquer coisa, é interessante salientar que a atividade física, mesmo a corrida, não confere certificado de imunidade a quem quer que seja. Já ficou comum jogador de futebol profissional sofrer ataque cardíaco durante o treino ou jogo. Também não é raro acontecer entre maratonistas. Muito se tem escrito a esse respeito. Como a idéia aqui é observar pontos mais gerais, não vou me aprofundar nesse tópico. De importante, contudo, cabe frisar que as vítimas de morte súbita já eram portadores de alguma complicação cardíaca antes da atividade. Daí, portanto, a recomendação de visitar o médico antes de começar a treinar.

Ainda com relação a essa preocupação e, apesar de a Agência Nacional de Vigilância Sanitária ainda não ter se pronunciado oficialmente sobre o assunto (até a data da edição desta matéria), entendo que é importante deixar registrado que foi publicado recentemente que o diclofenaco, um dos antiinflamatórios mais receitados no mundo e princípio ativo de marcas conhecidas como o Cataflan e o Voltaren, aumenta em até 40% a possibilidade de ataques cardíacos e morte súbita. Vale a pena se precaver.

Dado o recado mais importante, podemos tratar de outros aspectos que vão ajudá-lo a ter boas corridas.

 

PERGUNTAS COMUNS

Correr ou caminhar?

Essa pergunta ganhou notoriedade quando o Dr. Cooper disse que a caminhada era melhor do que a corrida. Só para refrescar a memória, o Dr. Cooper foi aquele que, nos anos 70 / 80, com seus estudos sobre capacidade aeróbia, foi o responsável pelo “boom” das corrida nos EUA, Europa e por aqui, época em que ficou comum o pessoal se referir à corrida dizendo que ia “fazer um Cooper”. Lendo as palavras e a vida do Dr. Cooper, o que ele quis dizer é que a caminhada é melhor do que a corrida para aquelas pessoas com alguma limitação, como peso muito acima do indicado, hipertensão, cardiopatia e por aí vai. Caso contrário, não há razão para dizer que um é melhor do que o outro. Passa a ser uma questão de gosto e objetivos.

 

Quantas vezes por semana?

Essa pergunta é mais bem respondida do avesso. Quanto por semana é prejudicial? Uma vez por semana ou mais de cinco vezes por semana não é bom. Friso que a matéria é para quem está começando a correr. Há muitos atletas que correm mais do que cinco vezes por semana e isso não representa problema para eles. Voltando a quem está começando, uma rotina apropriada é a de três dias de treino na semana. Como sugestão: duas vezes no meio da semana e o terceiro dia no sábado ou domingo. Entre dois dias de treino, deve haver um dia de descanso.

Uma vez por semana não é bom porque o organismo não se adapta. Em outras palavras, isso quer dizer que você não ganha condicionamento com um só treino por semana. O treinamento é composto por um ciclo de três fases: treino, descanso e adaptação. A adaptação só ocorre se o treino for adequado e houver descanso, mas esse descanso corresponde a um, dois dias, quando outra carga de treino deve acontecer. A sucessão de treinos e descansos é que provoca a adaptação. Treinar uma vez por semana corresponde a um descanso de seis dias. Treinos de corrida assim simplesmente não funcionam.

Por outro lado, treinar cinco vezes por semana para quem está começando também não é bom porque, nesse caso, haverá um excesso de sobrecarga em um organismo que está começando a se adaptar às novas exigências. Forçar assim vai lesionar.

Aproveito o ensejo para puxar a orelha dos atletas de final de semana. Quem não conhece alguém cujo único esporte é o futebol de sábado. Já foi demonstrado que não existe caminho mais curto para lesões. Para esses, sugiro, além do futebol, um trote de vinte a trinta minutos, duas vezes por semana.

 

Qual o volume / intensidade?

Isto é, quanto tempo por treino e em que velocidade devo correr?

No início o mais importante é por quanto tempo se deve correr. A velocidade é conseqüência natural. Corra a uma velocidade que seja confortável e que lhe permita completar o tempo de corrida desejado. Evite variar a velocidade nesse início. Para começar, algo em torno de dez a quinze minutos de trote é o suficiente – não se esqueça de aquecer antes. Se for preciso, intercale o trote com a caminhada e lembre-se de que o objetivo é ter prazer com a atividade.

Em algumas semanas você vai se sentir em condições de aumentar esse tempo. Antes de três meses, com essa rotina de corrida – três vezes por semana –, você estará correndo mais de trinta minutos sem esforço.

 

Respirar pela boca ou pelo nariz?

Ao contrário do ar que passa pela boca, o ar que passa pelo nariz chega aos pulmões filtrado e devidamente umidificado. Seria, então, sedutor responder que o correto durante a corrida é respirar somente pelo nariz. Ocorre que isso é muito difícil depois de certa velocidade. Durante a corrida, algumas necessidades do corpo são ajustadas automaticamente, sem que precisemos pensar nelas. O ajuste da respiração é assim, automático. À medida que a velocidade de corrida aumenta, passamos a respirar tanto pelo nariz quanto pela boca, e não há mal nisso.

 

Largura da passada?

A largura da passada é outro exemplo de ajuste automático do organismo. Se você parar para ver, há corredores com passadas mais largas e outros com passadas mais curtas. Ao longo da corrida, mesmo corredores com mais tempo de corrida tendem a uma pequena oscilação entre essas variáveis. A tendência natural é um encurtamento da passada quando o cansaço começa a tomar conta.

Passadas curtas ou largas? Não se preocupe com essa questão. Corra em um ritmo confortável e suas passadas vão se ajustar naturalmente às suas necessidades.

 

Posição do corpo?

Não é incomum observarmos corredores curvados para frente enquanto correm. Essa é uma forma incorreta de correr. A postura correta acontece quando se olha para frente de forma que a cabeça, os ombros e a cintura fiquem alinhados na vertical. Dito assim, parece simples. Mas a questão é que quem corre inclinado para frente, não corre deste modo porque quer, mas porque não percebe que está correndo assim. Peça para alguém observar sua corrida e verificar se sua postura está correta. A postura correta não é apenas uma questão estética, mas de qualidade de corrida e de prevenção de lesão.

 

Dores do dia seguinte?

Após os primeiros treinos, pode acontecer o que é conhecido como dores do dia seguinte. Essas dores já foram associadas ao acúmulo de ácido lático durante a atividade. Essa idéia já foi superada. O que se sabe hoje é que a dor ocorre como resposta à inflamação decorrente do rompimento de pequenas fibras musculares. Mas não se preocupe, elas somem entre dois e três dias. Se persistirem, convém diminuir a carga da atividade. O gelo ajuda a amenizar as dores e lembre-se, não use antiinflamatório nesses casos.

 

Tênis e acessórios?

Tênis para corrida deve ser macio e leve. Imagino que isso já não seja mais novidade. A novidade fica por conta de uma nova geração de tênis para corrida que parece andar na contramão da tendência dos últimos anos. Essa nova geração é composta por tênis com menor amortecimento. Após anos ouvindo dos fabricantes as qualidades de tanto amortecimento, o mercado é agora invadido por uma nova proposta, a de que esse tipo de tênis fortalece a musculatura dos pés, o que contribuiria para diminuir o número de lesões. A proposta é bacana. Já escrevi sobre correr descalço na Contra-Relógio e sou da opinião que a moda do tênis com menor amortecimento vai pegar. De qualquer forma, isso é moda para quem já está acostumado a correr e, mesmo entre esses, há que se fazer algumas ressalvas. No caso de quem está começando, o que vale mesmo é o bom e já tradicional tênis com amortecimento específico para corrida.

Para quando você for comprar seu tênis, vale uma dica: compre o tênis um número acima do que você calça e, de preferência, compre-o à tarde, quando o pé já está mais “largo”. Outra dica: não se envergonhe de calçar o tênis na loja e dar umas voltas com ele. Corredor faz assim. Compre pelo conforto e leveza e não pelas cores somente.

Quanto à roupa, dê preferência a tecidos leves e sintéticos. O algodão encharca. Fuja das cores escuras. Elas lhe escondem no trânsito e absorvem calor em excesso. Nunca é demais, use filtro solar e proteja o rosto com boné e óculos escuros, a menos, que você corra à noite.

 

Prazer, antes de tudo – É sempre bom lembrar que a corrida deve ser encarada como uma atividade prazerosa. Mesmo que o treino seja duro, deve ficar uma sensação boa. Aqueça antes de correr, corra em lugares seguros e evite disputar o asfalto com os carros.

Espero ter deixado claro que bastam apenas alguns cuidados para que a corrida seja fonte de prazer e de saúde. Quero, por fim, reforçar a orientação que chamei de regra de ouro da corrida: procure um médico antes de começar a correr.

 

Marco Albuquerque é mestre em fisiologia do exercício

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