20 de setembro de 2024

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Sem categoria admin 3 de novembro de 2014 (0) (791)

Começar a correr, depois dos 50 anos

Diz o ditado que a vida começa aos 40, porém, quando o assunto é corrida, o ideal é que ela comece antes. A verdade é que nunca é tarde para começar. Que o diga o advogado e professor de História Walquer Fi¬gueiredo, hoje com 60 anos. Ele aca¬ba de lançar o livro "Sonho possível: da obesidade à maratona", que nar¬ra sua vida desde 2004, então com 51 anos e mais de 140 quilos, até 2010, quando realizou o sonho de correr e completar a Maratona de Nova York, com 57 anos e 87 quilos.
"Efetivamente, comecei a perder peso em setembro de 2007, num pro¬cesso no qual a caminhada passou a fazer parte da minha vida. Onze me¬ses depois, com 54 anos, completei mi¬nha primeira prova de 5 km", conta Walquer, que hoje integra a Equipe Filhos do Vento e mantém com dis¬ciplina a rotina de treinos e corridas. Mas confessa que não é fácil.
"Entre 31 de agosto de 2008 e 7 de novembro de 2010, quando encarei a minha primeira maratona, em Nova York, passaram-se 2 anos e 2 meses. Não é fácil conciliar o trabalho de advogado corporativo autônomo com os treinos em vários locais do Rio e de Brasília, de manhã ou à noite. A alimentação é outra luta diária, já que faço refeições a cada três horas, com ausência de açúcares e carnes", diz o corredor.
Ricardo Sartorato, sócio e treinador da Filhos do Vento, comenta que "nor¬malmente as maiores dificuldades que um sedentário encontra para vi¬rar um corredor é a falta de vontade, o excesso de expectativa e a preguiça. Desorganização nos horários e difi¬culdade na priorização dos exercícios também influem negativamente, mas quando a pessoa quer, quase sempre ela consegue".
Ele lembra que Walquer chegou à equipe muito obeso e tinha até mes¬mo dificuldade para caminhar. "Sua mecânica não era a mais adequada, já que sua estrutura anatômica tinha alterações importantes. Além disso, pessoas que querem emagrecer cor¬rendo não costumam ficar na equipe, já que correr é mais que um exercício, é um estilo de vida. Walquer desco¬briu que podia tentar e, pacientemen¬te, evoluiu. Seguiu as orientações, lutou contra muitas dificuldades, não desistiu. Nunca teve uma genética que o favorecesse a ser rápido, mas ainda assim remou contra a maré. Fe¬lizmente nunca teve uma lesão séria e foi um aluno nota 10, desses que fa¬zem todo o dever de casa com louvor."

MAIORES RISCOS. Mas quais os cuidados devem ter as pessoas que começam a correr com mais idade? Na opinião do médico João Felipe Franca, membro da Sociedade Bra¬sileira de Medicina do Exercício e do Esporte, aos 50 anos de idade o pe¬rigo estimado de haver algum grau de obstrução nas artérias coronárias é de 10% em homens assintomáticos. Não é ameaça de infarto, segundo ele, mas é considerado alto e que pode ser diminuído, quanto maior o nível de condição aeróbica.4

"O risco de morte durante a prática de corrida é muito baixo, menor que 0,75%, de acordo com estatísticas recentes. A avaliação médica para o iniciante deve ser muito mais no sen¬tido de orientar o exercício do que o de excluir doenças. Exceto para aqueles que tenham algum sintoma durante a atividade física, como dor torácica du¬rante o esforço, pressão no peito, pal¬pitação, tonteira, desmaios, dormên¬cia nos braços, dor de cabeça e falta de ar, que devem ser valorizados e investigados por um médico especia¬lista em medicina do exercício. Nes¬sas condições, o exercício físico pode apresentar perigos à saúde", alerta João Felipe.
Ele explica que a avaliação médica pode diminuir riscos do exercício físi¬co para a saúde, especialmente se o indivíduo tiver algum sintoma ou já for portador de alguma doença que aumente a possibilidade de morte. Esta avaliação também pode otimizar os benefícios à saúde que o exercício físico bem orientado proporciona. "Tanto para quem está começando, quanto para os que já praticam a cor¬rida desde mais jovens, a avaliação médica servirá não só para excluir doenças, como também para orien¬tar melhor o treinamento e avaliar a evolução do nível de condicionamen¬to. Além da avaliação médica inicial, uma orientação nutricional adequada e educadores físicos especialistas em corrida para orientar o treinamento podem beneficiar ainda mais a saúde e ajudar a alcançar as metas deseja¬das."
Segundo pesquisas e dados da Me¬dicina do Exercício e do Esporte, espera-se que homens e mulheres saudáveis tenham plenas condições aeróbicas para realizar corridas até os 60 anos de idade. Mas variáveis como genética, hábitos alimentares e treinamento ao longo da vida podem modificar essa realidade, para melhor ou para pior.
"O problema cresce quanto maior fo¬rem os fatores de risco para a saúde de cada indivíduo. Dentre eles estão: história familiar de doença do cora¬ção, tabagismo, etilismo, diabetes, pressão alta, sedentarismo, estresse, obesidade, doenças metabólicas em geral, doenças pulmonares/respirató¬rias, doenças cardíacas, uso de drogas ou medicamentos. Riscos ortopédicos são muito baixos se houver orientação para a técnica de corrida e para o cal¬çado", conta João Felipe.

MUITAS MARATONAS. Mas até onde pode chegar um indivíduo que come¬çou a correr depois dos 50? Ir além dos 10 km e chegar a uma marato¬na, como fez Walquer Figueiredo. E sonhar com uma ultramaratona? Claudionor Xavier, hoje com 78 anos, fez a primeira de suas 21 maratonas aos 50, depois de três anos realizan¬do distâncias curtas. A base, segun¬do ele, vem dos muitos anos jogando futebol.
"Joguei futebol até meus 47 anos,
quando descobri a corrida de rua. Es¬tou até hoje correndo. Faço meias-ma¬ratonas e provas menores para man¬ter o condicionamento físico, fazer amigos e viver com alegria. Até agora não recebi nenhum sinal para parar. Encontrei algumas dificuldades nos treinos para as longas distâncias por conta do meu trabalho, mas realizei as 21 maratonas com garra e deter¬minação. Faço uma modesta muscu¬lação em casa; nunca fui a academias. Não tenho alimentação específica nem uma poção mágica, apenas não sou muito carnívoro. Gosto muito de frutas e legumes. Não faço uso diário de bebidas alcoólicas e nunca fumei. Sou disciplinado e treino dia sim dia não 14 km, tenha ou não uma prova em vista", conta Nonô.
O médico João Felipe explica que ca¬sos como o de Walquer e Nonô Xavier, como é conhecido, não chegam a ser exceção e que, em tese, não havendo qualquer limitador, tudo é possível para um corredor tardio. Mas é pre¬ciso ficar atento à forma e ao tempo em que seus objetivos serão alcança¬dos. "As metas desejadas devem ser gradativamente aumentadas para diminuir riscos à saúde. Na literatura médica, ainda não foi mencionado um limite máximo de duração do exercício físico por humanos. Aliás, nenhuma outra espécie se exercita tanto conti¬nuadamente como o ser humano."

EXERCÍCIOS FUNCIONAIS. Antônio Carlos Ferreira, que está no mundo do pedestrianismo há 30 anos e hoje dirige o Mitokondria Clube de Corri¬da, diz que é difícil saber até onde os atletas tardios podem chegar e lem¬bra que os de elite levam cerca de oito anos para alcançar seus melho¬res resultados. "Apenas vendo a ida¬de, em termos estatísticos, podemos prever algum tipo de performance, mas na prática não temos como fazer uma previsão exata. Em termos de distância percorrida, fica ainda mais difícil, já que resistência se adquire. Por essa razão vemos pessoal mais velhos correndo ultramaratonas", diz o treinador.
Os exercícios funcionais e a mus¬culação também ganham importân¬cia nessa fase da vida esportiva. E é preciso atenção redobrada quanto à intensidade dos exercícios de cor¬rida, como os treinos intervalados e fartleks. "A musculação e os exercí¬cios funcionais diminuem muito os riscos ortopédicos do esporte. Eles estimulam a musculatura e auxi¬liam na estabilidade das articula¬ções para suportar a intensidade do esforço a da progressão dos trei¬nos. Já os intervalados oferecem maior ameaça de lesões ortopédicas e de ocorrências clínicas, nos casos de atletas com histórico de doença cardiológica", comenta João Felipe, lembrando que só depende do corre¬dor atingir suas metas.
"O tempo que isso vai levar é mui¬to relativo e depende de mudanças no estilo de vida, envolvendo hábitos alimentares, sono e treino. Mas é pre¬ciso orientação de técnica de corrida, progressão de intensidade de treinos, motivação para atingir as metas dese¬jadas e progressivamente mais desa¬fiadoras. Não havendo limitações clí¬nicas ou ortopédicas, tudo é possível", conclui o médico.

MENOS FORÇA, MAIS RESISTÊN¬CIA. O treinador Antonio Carlos também ressalta a importância de certos exercícios e considera como fundamental algumas adaptações. "Cada esporte exige condições físicas específicas da pessoa e dos grupos musculares. Os exercícios funcionais e a musculação vão facilitar a exe¬cução da corrida. Mas em um indi¬víduo sedentário e com mais idade, quanto maior a intensidade, maior a probabilidade de contusões. No atle¬ta, essa diferença é menor, embora ainda exista. Por outro lado, quem está começando se beneficia dos exercícios fracionados, que seriam os intervalados com uma intensidade bem menor. Não evito qualquer trei¬no específico. Uma pessoa de 50 anos pode fazer, na prática, exercícios que uma de 20 não faz e vice-versa. A for¬ça de fato é menor, mas a resistência maior, logo, desde que adaptado, não vejo por que restringir algo", conta Antonio, lembrando que nunca é tar-de para começar a correr, mesmo que os resultados não sejam os mesmos de alguém que pratica a modalidade desde os 20 anos.
"Todos, em qualquer idade, terão be¬nefícios com os exercícios e a corrida. E é possível chegar a um bom nível de performance. Apenas como exem¬plo, a pessoa mais velha a fazer uma maratona sub 3h, o fez com 73 anos."
Nonô Xavier, do alto dos seus 78 anos que o diga. "Se eu tivesse come¬çado a correr mais cedo, não teria me divertido tanto jogando futebol até meus 47 anos! Acho que comecei na hora certa!"

 

Dicas aos iniciantes tardios

• Pessoas sedentárias que querem se iniciar na corrida, após os 50 anos, devem começar com caminhadas diárias em ritmos confortáveis, priorizando inicialmente a duração (pelo menos 30 minutos) e posteriormente a intensidade. O passo seguinte é alternar trotes leves com caminhadas rápidas e, a partir daí, as caminhadas podem ser cada vez menos necessárias para recuperação do fôlego.
• O uso de monitor de frequência cardíaca facilita bastante essa evolução inicial da progressão da intensidade do exercício. Os resultados de um teste cardiopulmonar de exercício otimizam ainda mais essa parte. O uso da esteira rolante também pode facilitar o início da progressão de intensidade entre a caminhada e a corrida.
• Com mais idade, as questões ortopédicas podem ser um obstáculo importante a ser vencido. Para isso, é importante ter orientação específica sobre a técnica mais adequada na modalidade com um profissional de educação física e usar calçado apropriado. Hoje em dia há assessorias esportivas especializadas em corridas de rua, notadamente nas grandes e médias cidades, que dão bom suporte aos atletas iniciantes. (por João Felipe Franca)

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