A ruptura do ligamento cruzado anterior é uma das lesões mais frequentes nos esportes e mesmo na dança. A cirurgia de reconstrução é o tratamento em geral indicado e exige longa recuperação. Apesar dos prognósticos desfavoráveis, atletas amadores se esforçam e voltam à ativa, numa prova de superação incomum.
Nirley Noronha Braz, 46 anos, educador físico e bancário, era atleta de corrida e salto em distância quando, em 1993, resolveu participar de um torneio de futebol. Como não era seu esporte frequente, acabou rompendo o ligamento cruzado anterior e danificando ainda o menisco medial. "Lembro de ouvir um estalo e logo não consegui mais ficar em pé. No hospital, passei pela cirurgia do ligamento cruzado anterior e cauterização do menisco. Retiraram um pedaço do tendão patelar e implantaram parafusos no joelho por videocirurgia", relembra.
Diagnosticada a lesão, o médico foi taxativo: Nirley jamais poderia saltar ou correr novamente. Isso incluía jogar tênis, vôlei, futebol e as provas do atletismo. A ele só restava a natação. "A sensação de impotência é horrível. Já me imaginava com bengalas quando mais idoso, com dores frequentes e um medo constante de me machucar", relata. Se quisesse manter um mínimo de atividade física, teria que fazer um reforço muscular constante, porém nada de atividades intensas.
Feita a cirurgia, Nirley manteve a perna imobilizada por 15 dias e iniciou a fisioterapia. O fato de correr anteriormente e praticar outras atividades contribuiu para que a perda muscular não fosse tão acentuada, o que poderia agravar o dano ao joelho. "Com 30 dias já estava na hidroterapia e conseguia apoiar o pé no chão. Sentir o chão foi uma alegria imensa. Poder dar os primeiros passos, começar a fazer exercícios de propriocepção. Tive que reaprender a andar, pois sempre caminhava mancando para proteger o joelho lesionado", recorda.
VONTADE DE CORRER – Contra todos os prognósticos, seis meses depois da cirurgia, Nirley já estava correndo e se preparando para uma prova de 400 metros, que exige uma grande amplitude de passada e muita força no movimento. No entanto, o esforço o fez desistir das provas de pista e da corrida. "Fiquei um bom tempo somente nadando, e quando tentava nadar peito, por exemplo, lá vinham as dores. Mas jamais perdi a vontade de correr. Então resolvi testar a corrida em distâncias que permitem ritmo mais leve, como os 5 km. A partir daí, as distâncias aumentaram e com o tempo me aventurei novamente nos saltos utilizando a perna esquerda", conta. O resultado foi que Nirley obteve sua primeira medalha de ouro nos Jogos Fenae 2004, o maior evento esportivo entre os bancários de todo o Brasil.
Entre a cirurgia e o retorno triunfal lá se foram quase 10 anos de muitas tentativas de recuperação e superação. Nirley segue correndo e conquistando pódios. Já foi top 100 na Golden Four Asics de Belo Horizonte, completou o Desafio do Pateta, foi campeão na categoria Dupla Economiários na ultramaratona A Volta do Lago Caixa, em Brasília e já fez o Desafrio Ubirici de 52 km.
O segredo de Nirley foi seu amor incondicional ao esporte. Ele salta, joga vôlei e tênis, nada, arrisca no futebol com cautela, mas, e principalmente, corre. "Corro com a alegria de uma criança, sejam 100 metros ou uma ultramaratona em montanha. Acredito que hoje sou bem mais ativo fisicamente do que antes da cirurgia", garante.
Quem vê o desempenho de Nirley ao longo dos anos após uma lesão tão limitadora se pergunta quais foram as reais consequências da cirurgia. Segundo ele, a lesão limitou em alguns graus a flexão da perna, o que o impede de ter uma tonificação adequada dos músculos. "A perna afetada tem uma circunferência um pouco menor, mas isso em nada atrapalha as competições. Claro que depois de mais de 15 anos de cirurgia apareceram as lesões do envelhecimento articular, como a condromalácia, tratada com reforço muscular e suplementação adequada. Para as provas, tive que aprender a correr diferente, usar mais a flexão dos pés para minimizar o impacto nos joelhos, o que fez as panturrilhas ficarem mais tonificadas. De vez em quando surgem lesões na perna esquerda por sobrecarga, pois, mesmo depois de tanto tempo, ainda tento proteger o joelho direito", conta.
PINOS E MARATONAS – O engenheiro Luis Giovanni Faria, de 52 anos, já sabe a diferença que uma cirurgia no joelho pode fazer na vida. Há 10 anos fez uma osteotomia na perna direita para reparar um problema de joelho varo. Foi necessário mudar o ângulo da perna em cinco graus para evitar as repetidas lesões que vinha sofrendo no menisco e evitar uma possível prótese no futuro. Após seis meses de muletas, mais seis meses para reaprender a andar, só voltou a correr após dois anos da cirurgia. "Foi uma recuperação lenta e dolorosa devido à mudança na mecânica e postura corporal", explica.
A cirurgia o motivou a ingressar no mundo da corrida com afinco, até como forma de se proteger de uma imobilidade no futuro. Depois de provas de curta distância, Giovanni realizou mais de uma dúzia de maratonas e ultras, como o Cruce de Los Andes, além de cinco meio Ironman e três Iron.
Após uma década de sucesso no esporte, o atleta se viu novamente com uma lesão grave, desta vez no joelho esquerdo. Em um jogo de futebol, rompeu o ligamento cruzado anterior, que se somou a danos no menisco e na cartilagem. "Além dos procedimentos mais usuais de reparação do ligamento e do menisco, foi feito também um procedimento de microfraturas para recuperação da região danificada da cartilagem. Por conta desta intervenção, seguiu-se um período de dois meses sem colocar o pé no chão, e depois mais alguns meses de muletas", relembra.
Com a dolorosa experiência anterior, Giovanni não tinha mais expectativas de voltar a correr. No mínimo teria que reduzir drasticamente a atividade, para não comprometer a qualidade de vida no futuro. No entanto, após um ano de recuperação, ele completou o Ironman de Copenhague, na Dinamarca, apesar de ter que andar por vários quilômetros na maratona. O segredo para o feito? "Persistência, paciência e prazer. Ter essas três qualidades demonstradas pelo Giovanni e sempre em mente que nunca podemos colocar o esporte à frente da saúde". A explicação é de seu treinador, Diego Lopez, de São Paulo.
RECUPERAÇÃO ATIVA – Segundo Giovanni, a recuperação em cada uma das cirurgias foi totalmente distinta. "Ainda que tivessem diagnósticos e intervenções diferentes, a ausência de mobilidade foi idêntica, com uso de muletas e limitação de esforço e impacto. Mas na primeira vez tive uma recuperação muito mais passiva, com fisioterapia, o que dificultou em muito meu retorno. Na mais recente, fiz uma recuperação ativa, com o escalonamento de estímulos e quase sem perda da capacidade aeróbica, sempre seguindo recomendações médicas", relata.
Já nos primeiros meses voltou a fazer musculação para os membros superiores. Assim que largou as muletas, começou as sessões de deep running (exercícios em piscina). Este trabalho foi chave para retomar o exercício aeróbico e reverter a perda de massa muscular. "Com seis meses voltei a nadar, e com nove meses a pedalar, inicialmente na ergométrica, passando em seguida para o rolo e só depois no asfalto. Neste meio tempo comecei a fazer exercícios no elíptico e após 14 meses voltei a trotar na esteira. Posterguei o quanto pude a volta ao asfalto e só quando já tinha muita confiança na musculatura voltei a correr na rua e, mesmo assim, com muito cuidado", sublinha.
Giovanni sabe que reduzir o impacto no joelho é fundamental para não comprometer sua mobilidade no futuro. "Infelizmente o esporte que mais gosto tem este inconveniente. Sei que não poderei mais encher minha agenda com provas de corrida, os tempos serão maiores e as distâncias menores, mas o esporte fará sempre parte da minha vida", afirma.