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Café: ele pode mudar suas corridas – jan/2007

Tudo em cima – Márcio Dederich – janeiro 2007

Tem corredor que acorda, amarra o cadarço do tênis, abre a porta e… vupt! Sai para correr. Outros só conseguem dar as primeiras passadas depois de cumprir determinados rituais. Precisam beber água, ir ao banheiro, ler jornal, comer uma fruta, um pedaço de pão. A grande maioria não sai sem antes ter tomado uma boa xícara de café. Olhando bem, a largada dessa história toda vem de muito longe…

Remonta na verdade ao século 17. Na época, envolta nos inebriantes vapores do álcool – cerveja, vinho e destilados eram usados como alternativa (e desculpa, claro) para escapar da contaminação das águas – a Europa viu crescer o consumo de uma bebida não apenas segura, mas capaz de oferecer energia e perspicácia jamais oferecidas por qualquer outro alimento.

Feito com água fervida e a partir de grãos importados do Oriente Médio, o café, uma bebida escura e aromática, foi adotado por toda sorte de gente. De cientistas a pensadores, de escritores a burocratas foi justamente o poder de acuidade que transformou a nova bebida em símbolo gastronômico e pano de fundo do Iluminismo, movimento na metade do século 18, que defendia ser a razão e não a fé capaz de explicar as coisas do universo. O nome Iluminismo surgiu porque seus filósofos acreditavam estar iluminando as mentes das pessoas.

“Líquido grave e saudável que faz o gênio mais rápido, ajuda a memória, reanima o triste e anima os espíritos sem trazer loucura”, assim era descrito, em parte de um poema inglês anônimo publicado em 1674, o café. De lá para cá essas suas propriedades só fizeram ser reconhecidas.

Café, cafeína & cia

A inspiração para a descoberta da cafeína também teve veias poéticas. Desafiado pelo poeta Wolfgang von Goethe, foi em 1820 que o químico alemão Ferdinand Runge encontrou a substância ativa do café, um alcalóide branco e amargo, que em razão de seu alto poder estimulante mereceu a atenção dos estudiosos por mais de um século. O cenário hoje é um tanto diferente.

Atualmente, médicos, cientistas e pesquisadores têm procurado se dedicar cada vez mais ao estudo dos outros elementos presentes no café. Como são quase mil substâncias diferentes, além de não lhes faltar trabalho, os resultados entusiasmam. Já comprovaram, por exemplo, que a quantidade de antioxidantes existente num simples cafezinho é maior que a encontrada em alimentos como banana, maçã, abacate, vinho tinto, chá verde e nozes (veja quadro nesta matéria). Consumido em larga escala, o café é hoje a principal fonte de antioxidantes na dieta de muita gente, inclusive esportistas.

Cruzando dados de nove trabalhos científicos envolvendo 200 mil pessoas, pesquisadores da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, concluíram que o consumo dosado e regular de café é capaz de prevenir a maioria dos casos do diabetes tipo 2. Conquanto nesse caso ainda não se saiba a forma exata como a bebida atua, a conclusão foi recentemente avalizada por cientistas da Universidade da Califórnia.

Embora as evidências apresentadas levem muitos pesquisadores a cogitar tratá-lo como um alimento funcional, do ponto de vista da química do sangue o café ainda não pode ser considerado uma unanimidade absoluta. Sendo a cafeína um poderoso estimulante, evidentemente que não é o caso de se sair tomando café como se fosse água: é consenso entre especialistas que o consumo diário máximo não deve passar de meio litro (o equivalente a quatro xícaras grandes), de preferência diluídos ao longo do dia.

Cafeína e exercícios

A cafeína talvez seja o estimulante mais usado no mundo. Rapidamente absorvida pelo organismo, atinge seu ponto máximo no sangue entre uma e duas horas depois de ingerida. Como consegue alcançar a maioria dos tecidos, tem potencial para afetar todos os sistemas do corpo. Após o uso, a cafeína remanescente é decomposta no fígado e os subprodutos são eliminados pela urina.

Estudos laboratoriais nos anos 70 sugeriam que a cafeína melhorava o desempenho nos exercícios, aumentando a liberação de adrenalina no sangue e reduzindo dessa forma a necessidade de usar carboidratos. Pesquisas mais recentes, divulgadas pelo American College of Sport Medicine (julho de 99), dão conta que a ingestão de 3 a 9 miligramas de cafeína por quilo de peso do atleta uma hora antes do exercício aumenta a performance tanto na corrida como no ciclismo de longa duração.

Já no caso das atividades de curta duração, embora sugiram que a ingestão de cafeína melhora o desempenho durante um exercício que dure aproximadamente 5 minutos, especificamente em relação às corridas as mesmas pesquisas não são conclusivas. Estabelecem que a ingestão de cafeína não parece melhorar o desempenho em corridas, mas julgam necessários novos testes para confirmar tal parecer.

Nutricionista, fitoterapeuta e colaboradora da Associação Paulista de Nutrição, a Dra. Vanderli Marchiori reforça as duas teses: “Separando os corredores em fundistas e velocistas, os efeitos da cafeína são mais benéficos para os que fazem provas longas, mas dependendo da quantidade consumida podem levar à desidratação celular e isso pode potencializar a perda de eletrólito, já comum desta atividade. Em relação ao grupo dos velocistas pode haver aumento na vontade de urinar, atrapalhando a concentração e comprometendo o rendimento”.

Efeitos diuréticos da cafeína

Café e cafeína são freqüentemente tidos como diuréticos, sugerindo que a ingestão de grandes quantidades possa levar a uma condição pobre de hidratação antes e durante os exercícios. Pesquisas atuais, contudo, demonstram que não só esse efeito é insignificante, como também provam que o corte dessas substâncias acaba por ser mais prejudicial ao esportista.

“Enquanto a administração aguda de cafeína causa um aumento apenas modesto na produção de urina, o consumo crônico não possui qualquer efeito nesse sentido”, afirma o Dr. Darcy Roberto Lima, médico e professor do Instituto de Neurologia da UFRJ.

Para a Dra. Vanderli Marchiori, mesmo tendo ação diurética, a grande vantagem da cafeína como estimulante nas corridas está no fato dela ser adrenérgica: “Ela aumenta o ‘pique’ de quem consome. Além disso, há um estudo comprovando que um café curto 30 minutos antes e 30 depois da atividade física potencializa a redução de massa gorda, o que pode ajudar o atleta”.

Cafeína e osteoporose

Denúncias iniciais levantaram a suspeita de que o consumo de cafeína pudesse ser responsável por uma maior incidência de osteoporose e fraturas em idosos. Diversas pesquisas modernas parecem ter esclarecido essa dúvida. Na visão do Dr. Darcy, “o risco de fratura do quadril apresenta uma modesta relação com o consumo de doses elevadas de cafeína, superiores a 5 xícaras diárias (acima de 700 ml/dia) em alguns estudos, enquanto outros concluem que não existe relação entre consumo de cálcio, leite, fósforo, proteínas, vitamina C e cafeína e fraturas do quadril”.

Ainda não há consenso sobre o assunto. Alguns estudos do Nurse’s Healthy Study, da Universidade de Harvard, sugerem que mais de 4 xícaras (grandes) por dia podem de fato contribuir para a perda de massa óssea e para as fraturas de quadril. Outros trabalhos feitos com mulheres sadias que tomam quantidades menores da bebida, porém, não fazem tal associação.

Na opinião da Dra. Vandeli, “o excesso de cafeína pode acelerar o processo de osteoporose e favorecer as fraturas ósseas espontâneas, mais freqüentes nas atividades de alto impacto, principalmente quando estiver associado a uma dieta rica em carnes vermelhas e pobre em fontes de cálcio”.

Dosagem de cafeína

A cafeína é uma substância controlada pelo Comitê Olímpico Internacional (COI). Concentrações superiores a 12 microgramas por mililitro de urina são consideradas ilegais. É um limite relativamente alto, permitindo que os atletas tomem quantidades normais de cafeína antes das competições. A probabilidade de atingir o limite através da ingestão normal de cafeína é mínima. Para alcançar níveis ilegais é preciso que o atleta recorra a expedientes como comprimidos ou supositórios (ou a baldes de café).

A dose adequada para potencializar o desempenho no exercício é de 3 a 6 mg /kg, onde efeitos colaterais são minimizados e os níveis na urina são legais. Enquanto os efeitos colaterais associados com doses de até 9mg /kg não parecem ser perigosos, a ingestão de doses maiores de cafeína (10-15 mg/kg) não é nada recomendada.

Café e coração

Segundo estudos da Associação Americana do Coração, a cafeína pode acelerar o batimento cardíaco, mas essa alteração é discreta, passageira e sentida principalmente por quem não tem o hábito de tomar café. Em relação à pressão arterial, embora uma xícara de café possa elevá-la temporariamente, não há estudos provando que o hábito da bebida leve à hipertensão.

Novas descobertas a caminho

Embora reconheça que muito já foi pesquisado e descoberto a respeito, o próprio meio científico admite que o assunto café está longe de se esgotar. Tecnologias modernas, instrumentos sofisticados e técnicas apuradas têm permitido novos e sistemáticos avanços. Maior produtor e segundo maior consumidor mundial da bebida, o Brasil tem inúmeras pesquisas em processo.

No ano passado, por exemplo, a Unidade de Estudos Café e Coração da Fundação Zerbini, ligada ao Instituto do Coração de São Paulo (Incor), começou um trabalho de pesquisa, em parceria com a Associação Brasileira da Indústria do Café (ABIC), sobre os efeitos da bebida em pessoas com doenças nas artérias. O estudo continua nos próximos anos em pacientes da Região Sudeste que tomam café.

Em outra pesquisa, trabalhando em parceria com a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), o Incor (SP) e os Institutos de Neurologia e de Química da UFRJ, o professor Darcy Roberto Lima e sua equipe tentam comprovar em corredores a hipótese de que sob ação dos quinídeos, substâncias derivadas dos ácidos clorogênicos presentes em grande quantidade no café, o cérebro liberaria mais endorfinas (leia matéria a seguir), fazendo com que o maratonista, sob determinadas condições, possa render mais. Isso sem qualquer tipo de doping.

Além dos dois citados, vários outros estudos estão em andamento mundo afora. A essa altura, o desejo de todo corredor é que nunca falte aos pesquisadores uma xícara de café bem forte. Afinal de contas, trabalhando nos laboratórios eles os estão ajudando a baixar os tempos nas corridas.

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