A ultramaratona Badwater (www.badwater.com) é considerada uma das provas mais difíceis de ser completada, pois envolve uma distância de 135 milhas (217 km), com tempo-limite para terminar de 60 horas. Ela se realiza no Death Valley – Califórnia, um deserto com temperaturas de até 60 graus e umidade do ar chegando a no máximo 4%. Para piorar, a prova é realizada durante o verão americano, no mês de julho.
A primeira grande dificuldade é conseguir a inscrição. São mais de 3 mil inscritos para uma seleção de 90 vagas. Currículo e outros documentos exigidos são enviados pelo correio. É preciso ficar aguardando para receber a comunicação de ser aceito ou não.
No começo deste ano, em fevereiro, recebi o e-mail da confirmação, já considerado por mim uma grande vitória! Aí vieram as normas da corrida que exigiam a taxa de inscrição no valor de 495 dólares, um ou dois carros de apoio e também a equipe, que deveria contar com no mínimo duas pessoas e seis no máximo. Montei a equipe com dois carros de apoio e quatro pessoas – minha esposa Zoé e o médico Mario Lacerda, e dois americanos – Cindy Yankee e Peter Musgrove.
Treinamento diferente. Além dos treinos de corridas, com muitos longos, (sem contar minha experiência de dezenas de maratonas completadas), comecei a fazer 40 minutos diários de musculação e três vezes por semana treino em sauna, numa temperatura de 80 graus, onde procurava ficar uma hora, sem sair, ingerindo muito líquido. A finalidade desse treinamento era forçar o máximo o estômago para ver a reação de sentir enjôos, vômitos etc. E também testar minha força física e mental de resistir ao calor.
Embarcamos para os Estados Unidos dia 8 de julho (a corrida foi dia 14). Já ao sairmos do aeroporto em Las Vegas, pudemos sentir o calor do deserto: 45 graus, às 5 da tarde! Alugamos uma minivan e abastecidos com alimentos, bebidas, gasolina etc, seguimos para o Death Valley, distante 140 milhas de Vas Vegas.
No caminho pudemos visitar Zabriskie Point, um ponto turístico famoso onde se pode apreciar as rochas coloridas. Chegamos em Furnace Creek (local da prova) à tarde. No hotel em Furnace, somente conseguimos ficar com ar condicionado, pois fora o calor era insuportável e à noite ventos muito fortes com areia. Precisamos de muita hidratação, caminhadas, para se acostumar a respirar naquela temperatura de 55 graus.
O restante da equipe chegou no dia 12, em tempo para participarmos do congresso técnico, obrigatório para todos. Muitas fotos com os ídolos americanos Dean Karnazes, Pamela Read e outros famosos.
Às 6 da manhã do dia 14, com temperatura de 39 graus, foi dada a primeira largada (a 2ª às 8 e a 3ª às 10h) no local mais baixo do deserto – 86 metros abaixo do nível do mar (um verdadeiro caldeirão), chamado de Badwater Basin, onde há milhares de anos foi mar e hoje é um imenso lago de sal – Salt Flats.
Com um colar de gelo. Comecei "correndo" numa média de 7:30/km. Passei o primeiro check-point em Furnace Creek nesse ritmo. O calor aumentando, perto do meio-dia o termômetro marcava 46 graus, me hidratava muito (a cada milha consumia 300 ml de água ou outro líquido). Corri com um colar de gelo no pescoço, protegendo a veia jugular. À medida que o gelo ia derretendo umedecia a minha roupa. De tempos em tempos meu pessoal me borrifava água, o que ajudava a refrescar um pouco.
Até Stovepipe foram mais 17 milhas alternando nível do mar e abaixo dele.Um dos piores trechos é a reta das dunas, venta e vem areia nos olhos. No check-point em Stovepipe, médicos examinaram meus pés, temperatura, pressão arterial e me pesaram novamente!
Dr. Mário me fez massagens com gelo, descansei 1 hora e parti para continuar a prova. Saindo de Stovepipe comecei a subir a primeira montanha – subida de 17 milhas – praticamente andei o tempo todo, pois o calor beirava 58 graus às 17 h. Vistas maravilhosas, região de canions. Eram 23 h quando terminei de subir! Tinha completado quase 60 milhas em 17 horas. Dormi um pouco dentro do carro e reiniciei o trajeto a 1 h da manhã do dia 15. Equipado com lanterna na cabeça e outra na mão, comecei uma longa descida, também andando, com medo de tropeçar e cair.
Cheguei em Panamint Springs às 6 h – outro check-point, dormi uma hora, tomei café reforçado e parti para subir a segunda montanha. A temperatura se elevando; quando cheguei no topo, quase 50 graus. Me alimentava com melancia, banana, frutas secas, biscoitos e cereais.
Nesse trajeto existe uma reta de 16 km e passa por um imenso lago seco – Owens Lake. Para surpresa nossa, na noite anterior havia caído uma chuva forte, mas rápida, o que ocasionou lama na estrada em vários pontos e foi retirada com trator!
No próximo check-point (milha 90), já estava correndo novamente. Até Lone Pine seriam mais 32 milhas, e o sol estava minando todas as minhas forças. Protetor solar já não ajudava muito, minha força mental estava declinando, dores nas pernas etc.
Em menos de 48 horas. Quando alcancei Lone Pine (milha 122) eram 18 h e eu estava literalmente "acabado". Aí ainda faltavam 13 milhas (meia maratona!) de pura subida. Descansei uma hora tentando comer alguma coisa (só conseguí tomar duas bolas de sorvete!). Dr. Mario ainda me fez massagem com gelo nos meus coitados pés.
Esta última etapa é a única que é obrigatória ser acompanhado por um "pacer" ao seu lado. Até então, tinha corrido sozinho todo o percurso.
Iniciamos o ataque ao Mount Whitney às 19 h, eu e o Dr. Mario Lacerda, passo a passo. Subindo, ele contava longas histórias para me distrair, e eu fisicamente e mentalmente "esgotado", estava visivelmente irritado.
Quando passamos pela milha 131 ele deu "vivas": "Parabéns João, você acaba de completar 5 maratonas!" E eu não estava nem aí! Queria acabar a Badwater Ultramarathon e mais nada.
Finalmente apareceu o portal da chegada; cruzei a linha à 00h52 do dia 16. Aí então a emoção tomou conta de mim e da minha equipe, pois completara a prova em 42:42:14. Recebi como premiação, além da medalha, uma camiseta e um cinturão que é considerado o maior prêmio da Badwater, por ter feito a prova em menos de 48 horas.
A festa de encerramento ocorreu com a participação da maioria dos atletas, com muito discurso, pizza, bebidas etc. Uma bela confraternização.A organização da Badwater Ultramarathon foi impecável em todo o evento.
Finalizando, quero agradecer a todo meu pessoal de apoio: Zoé minha companheira, Dr. Mario meu orientador e pacer, Peter e Elise que se revezavam para que eu não passasse sede nem fome. Sem eles eu não teria conseguido atingir meu objetivo: completar a prova!
João Sacks Prestes é assinante de Curitiba