Nem todo dia é perfeito para correr. Por mais que a pessoa seja experiente em provas e procure antever todos os fatores que podem jogar por água abaixo aquele dia especial, não faltam situações que fogem do controle e que muitas vezes transformam aquele momento que era para ser perfeito numa verdadeira "tragédia", que algumas vezes rendem muitas risadas depois do acontecido. Juntamos aqui histórias engraçadas acontecidas com três corredores, sem contar a do editor da CR, em Londres.
ESTREIA FRUSTRADA NOS 42 KM. A paulista Vivian Garcia decidiu estrear nos 42 km na Maratona de Porto Alegre 2010. Levou o treino a sério e sentia-se bem preparada para encarar a distância. "Percebi que realmente estava gostando do volume, mas, nos treinos finais, mais longos, o psicológico me boicotava", lembra Vivian, que resolveu driblar esse problema comprando um iPod para acompanhá-la na corrida. "Usei apenas uma vez e fui para a prova." Até o km 22, tudo aconteceu da forma como deveria, mas, perto do km 23, a corredora se distraiu com a música e não enxergou as marcações da prova. "Vi que as quilometragens ficaram estranhas. Não apareciam mais de forma ordenada e crescente", diz Vivian. Seu Garmin já mostrava 26 km e as coisas começaram a ficar cada vez mais confusas para a corredora.
A pergunta que pairava na sua cabeça era: "Cadê o Estádio do Inter?" Mesmo assim, ela continuou correndo. Num certo momento, percebeu que as pessoas da organização a olhavam de modo estranho. "Elas falavam de mim quando eu passava. E a vergonha começou a crescer quando vi os mesmos postos de hidratação. Meu Deus! Eu estava correndo em círculos, no circuito de 6 km, da prova de revezamento", conta Vivian, que teve sua situação ainda mais agravada quando passou mais em frente ao pódio e avistou seu treinador, Adriano Bastos, levantando seu troféu e com cara de que não estava entendendo nada porque ela estava passando por ali seguidas vezes.
"Errei! A vontade que tinha era de colocar um saco na cabeça. Travei uma discussão comigo mesma: ‘paro ou continuo'? ‘Pego a medalha ou não. Eram 34 km percorridos e isso não é maratona. Pensei: ‘as pessoas vão rir de mim'. Comecei a chorar. Foi então que decidi: ‘Eu vim aqui fazer a maratona então é isso que farei' Assim, terminei os 42 km no meu Garmin, feliz e cheia de lágrimas, mesmo sabendo que estava desclassificada, pois não tinha passado pelo tapete do km 26." Hoje, com três maratonas no currículo, contando também essa não oficial, a lição que Vivian tira desse episódio é uma só: "Experimente as coisas novas nos treinos, para não se surpreender na prova".
"TRAPALHADA" ITALIANA. Outro que já viveu histórias trágicas em maratonas, mas que depois renderam boas risadas, foi o também paulista Marcelo Jacoto, que já correu inúmeras maratonas pelo mundo a fora. A principal delas aconteceu na Maratona de Roma 2007. Desde que soube que a corrida largava e chegava em frente ao histórico Coliseu, Marcelo passou a "namorar' essa prova.
"Uma semana antes do embarque para a Itália tomei um susto: a agência responsável pelo pacote de viagem informou, subitamente, que o hotel escolhido havia sido substituído por estar em reforma. Eu havia sido transferido para um hotel distante do centro de Roma. A vantagem, segundo a agência, é que o novo hotel tinha uma estrela a mais e um serviço de traslado à disposição durante o dia inteiro, em todos os dias da semana", conta Marcelo.
Já em Roma, Marcelo e um colega fizeram um "teste" na véspera da prova com o metrô da cidade para saber direitinho em quanto tempo e como conseguiriam chegar ao local de largada. Apesar de tudo parecer perfeito e de sair do hotel com quase 2 horas de antecedência, no dia da maratona o trem passou bem mais tarde do que no dia testado e os dois acabaram chegando atrasados para a largada, que acontecia às 9h.
"Ao chegarmos à estação Colosseo, o relógio já indicava 9 horas. A estação estava lotada por conta das inúmeras famílias que iriam participar de uma caminhada festiva de 4 km, com largada no mesmo local. Eu e meu colega procuramos localizar o guarda-volumes e o tapete em que deveríamos validar o chip antes de largar. Já tínhamos 15 minutos de atraso quando o pessoal da caminhada tomava conta do pórtico da largada. Encontramos alguns ‘vermelhinhos' da organização, mas a dificuldade de comunicação era enorme: ‘Onde fica a largada? Left? Derecha? Destra?".
"Largamos com os caminhantes, tentando abrir lugar no meio da confusão. Alguns mais animados até trotavam, empolgados em correr os 4 km da caminhada. Olhava para o lado, não via maratonistas atrasados, apenas caminhantes sem chip", conta Marcelo, que, após o 2º km, percebeu que o Coliseu voltava a ficar cada vez mais próximo e não longe, como deveria. Os dois descobriram (apenas no km 3!) que aquele não era o percurso da maratona.
"Tivemos que voltar ao Coliseu. Perguntei a uma menina da organização: ‘E a maratona?' ‘Já largou faz tempo', ela devolveu. ‘Eu sei, mas qual é o percurso?'" Ela indicou o mesmo caminho que dava acesso ao relógio da largada, agora já com quase 50 minutos de prova. "Zerei o meu cronômetro, respirei fundo. Naquele momento, o tempo de conclusão planejado e treinado por dois meses a fio tinha ido pro espaço. Importava apenas ter garra para terminar a prova."
Para sorte da dupla, o tempo-limite para término da prova era 7h30, o que dava aos dois folga para terminar os 42 km e garantir a medalha. Mas o que aconteceu então? Os percursos da maratona e da caminhada se separavam 500 metros após o tapete da largada e os dois seguiram o rastro dos copinhos d'água, esponjas úmidas e fita zebrada. "Na altura do 3º km, avistamos corredores do outro lado da pista: eram retardatários chegando ao 9º km. Sentia a sensação única de ser o último colocado. Fomos encontrar os retardatários apenas no 10º km. Uma ambulância seguia duas senhoras, que caminhavam lentamente. Mais à frente, um esforçado atleta de muletas. Naquele instante, deixávamos de ser os últimos da Maratona de Roma, mas sempre com a diferença de 50 minutos entre o tempo bruto e o tempo líquido." Após 5h34 no relógio oficial e 4h44 no tempo do chip, a dupla finalmente terminou essa aventura única, novamente em frente ao Coliseu. "A Maratona de Roma me deu duas valiosas lições: ‘não desanime jamais diante de qualquer adversidade. E escolha sempre um hotel próximo à largada da prova, independentemente do conforto."
PAQUETÁ E LISBOA. A carioca Denise Amaral é outra maratonista que tem também muitas engraçadas para contar. Um delas aconteceu anos atrás, quando resolveu ir com sua mãe, que também é corredora, para a Ilha de Paquetá para participar de uma prova. "Pegamos uma barca para chegar ao local e vi pouquíssimos corredores, o que achei estranho. Minha mãe, sempre animada, apenas respondeu: ‘melhor assim, pois teremos menos concorrentes na faixa etária'", lembra Denise, que chegou ao Iate Clube de Paquetá, local da largada, e não viu mais do que 10 pessoas zanzando no local, também com ares de indagação. Denise resolveu perguntar sobre a corrida para o porteiro do Iate, que respondeu com indagação: "A corrida? Foi ontem".
Além dessa situação surreal, Denise lembra de outra, vivida em terras portuguesas anos atrás. Junto com uma amiga, Gilda Pessoa, Denise foi para Portugal para correr a Meia de Lisboa, a convite da atleta portuguesa e técnica de corrida Rita Borralho, que lhe garantiria ao final o acesso à área vip do evento. "Levamos uma bolsa enorme, que tinha até secador de cabelos. Na largada da prova, na famosa Ponte 25 de Abril, começamos a procurar o guarda-volumes. Já desesperadas e faltando minutos para largada, perguntei a um corredor lusitano onde poderia encontrar o guarda-volumes. ‘Guarda-volumes?', ele indagou, surpreso. Bem, talvez o nome por lá fosse outro e tentei a tradução: ‘onde podemos guardar as nossas bolsas' Ele perguntou ainda mais intrigado: ‘Guardar as bolsas?' Já estava quase perguntando em inglês, já que nada fazia o gajo me indicar o caminho. Tentando o recurso final da mímica, balançando desesperadamente as bolsas em sua direção. Quando finalmente ele entendeu, respondeu: ‘na sua casa'."
Em outro país, em cima de uma ponte e apenas a minutos da largada, a solução foi improvisar. "Desesperada comecei a olhar para todos os lados, quando vi um único ônibus estacionado. Fui correndo até lá e perguntei ao motorista: ‘o senhor vai até a chegada da prova?' Ele responde: ‘vou'. Estava salva. Neste exato momento, o locutor anunciou: 1 minuto para largada. Rapidamente perguntei: ‘onde o senhor estacionará o ônibus?' Calmamente, como bom português, ele respondeu: ‘estacionar o ônibus? No estacionamento. Meu Deus!' Tinha poucos segundos para perguntar: ‘certo, então qual o nome da rua onde o senhor estacionará o ônibus?' ‘Em frente ao Mosteiro dos Jerônimos, na Praça do Império', respondeu o motorista, no exato momento do tiro de largada", conta Denise, que lembra que só deu tempo de dizer: "Senhor, sei que deveria guardar a minha bolsa na minha casa, mas ela fica no Brasil. Por favor, leve estas bolsas até a chegada. Nós nos encontramos no estacionamento." A amiga não acreditava e correu os 21 km perguntando: "E as malas?" Na chegada, elas estariam exatamente lá: no estacionamento.