Sem categoria admin 7 de setembro de 2016 (0) (150)

Até quando você vai correr?

No Brasil, chegar aos 70 anos participando de provas e subindo em pódios pode parecer um sonho impossível, quando se é jovem e cheio de vitalidade. Afinal, o imaginário ainda é de nossos avós sedentários e sem muita atividade física, além da caminhada. Pois esse cenário está mudando tão rápido que nossos "velhinhos" estão correndo maratonas mundo afora com muito sucesso. Mas qual o segredo para tanta energia? A reposta é mais simples do que pensamos.
Aos 71 anos, o policial aposentado Fernando Freire Dias corre maratonas em pouco mais de 3h40. Só em 2015 foram cinco, sem contar várias meias. Sua história na corrida teve início em 1989 de forma inusitada. Aos 40 anos, ele começou a desenvolver uma lesão na coluna que foi lhe deixando sem movimentos na perna esquerda. Em três anos estava praticamente imobilizado. A aposentadoria precoce e a cadeira de rodas eram o prognóstico mais favorável para uma suposta hérnia de disco.
Mas foi aí que Fernando começou a mudar o destino de sua vida. "Nunca aceitei limites. Quando o médico disse que ia me operar, mas não sabia direito o que era, fui a um centro espírita. Lá eles me indicaram fazer exercício físico com a perna. Depois de seis meses eu já estava melhorando. Em um ano e meio fiz minha primeira prova: a Corrida de Reis aqui em Brasília. Quando cheguei, até o palanque já tinha sido desmontado", recorda rindo dessa primeira experiência.
O resultado desastroso não o abateu; continuou correndo mesmo sem sucesso. Só após 15 anos, em 2007, quando operou o tendão de Aquiles, inesperadamente Fernando começou a conquistar pódios. A primeira maratona foi disputada em Boston, em 1996. Desde então, são entre cinco e seis provas de 42 km disputadas a cada ano, sem planos de reduzir o ritmo. Um dos segredos para o sucesso, segundo Freire, foi o uso de planilhas da CR. "Quando decidi voltar às provas de 42 km, optei por seguir os treinamentos da revista, da qual sou assinante há muitos anos, e as utilizo até hoje." Apenas seus treinos, que sempre foram diários, passaram a se restringir a 3 ou 4 por semana, para evitar lesões.

TREINO DIFERENTE – Do futebol, onde era ruim de bola, mas corria "feito um animal", para as provas de corrida de rua lá se vão 32 anos e muitas conquistas, entre elas oito maratonas, oito São Silvestres, oito Meias do Rio e centenas de provas menores. A história do garçom Cícero Custódio de Souza, de 75 anos, começou com o convite do vizinho para uma corrida de 15 km. De cara foi terceiro colocado na categoria acima dos 30 anos. "Gostei da brincadeira. Então, meu treino era ir do Paranoá (cidade satélite distante 28 km de Brasília) à rodoviária do Plano Piloto e voltar de ônibus", conta Cícero.
"Eu corria demais, todo mundo ficava abismado. Treinava na pista de atletismo do Paranoá", recorda. O melhor tempo foi conquistado na maratona de 1996 em Brasília, que concluiu em 3h30.
Foi campeão vários anos seguidos na década de 90 da famosa Corrida do Garçom, na qual os corredores corriam com uma bandeja cheia de copos. Hoje, Custódio capricha nas provas de 10 km todos os finais de semana. "Correr não tem segredo. É só fazer alimentação adequada. Não tenho doença, não tomo remédio controlado, a pressão é normal. Vou correr até quando Deus quiser", garante.

VOLTA AO MUNDO – Nem só os "os coroas" estão dando um baile na corrida. Elas também não ficam atrás. Que o digam as corredoras Neide Maria de Amorim, 77 anos, e Severina Lupercino de Moraes, de 66. Neide começou a correr há apenas 10 anos, quando ficou viúva, e hoje faz duas meias maratonas por ano. "Não tenho noção de quantas provas participei. Só sei que já viajei meio mundo correndo", afirma.
Seu dia começa às 4h40 da manhã para correr quatro vezes por semana e fazer fortalecimento muscular na academia. Tudo começou com o ócio advindo da viuvez. "Não tinha o que fazer. Então entrei na academia e um dia me chamaram pra correr uma prova de revezamento. Eu disse que não dava conta, mas aceitei. E não é que fui bem? Adorei! Agora a corrida é tudo na minha vida".
Disposta e bem condicionada, Neide faz provas de 10 km praticamente todos os finais de semana e sempre abaixo dos 50 minutos. Já correu nos Estados Unidos, em vários países da Europa, na América do Sul (só no Chile já fez três provas), na Patagônia, além de dezenas Brasil afora. "Não tenho lesões porque corro dentro dos meus limites. A corrida é um investimento; é o meu plano de saúde. Cuido da alimentação, mas não deixo de tomar minha cerveja de vez em quando. Sou muito disciplinada, sigo a planilha religiosamente. Não tem erro", assegura. Sobre os planos para o futuro, Neide suspira: "Nunca pensei que chegaria a tanto. Deu tudo muito certo. Espero que Deus continue me dando saúde para correr em 2017".

200 MEDALHAS – Há 12 anos como corredora, a aposentada Severina Lupercino tem 66 anos e a cada aniversário inventa uma forma inusitada de comemorar a data, fazendo o que mais ama: correndo. O resultado são 29 maratonas, quatro ultras, sendo duas provas de 24 horas, além de centenas de outras menores. "Tenho mais de 200 medalhas", informa.
Tudo teve início com um apagão de memória ocorrido numa noite de 2004. Severina conta que levantou de madrugada e vestiu-se para sair como uma sonâmbula. Sem reconhecer ninguém, foi levada ao hospital, onde o diagnóstico foi stress. Mesmo sem lembrar de nada, ela decidiu procurar uma atividade. Tentou dança e trabalhos manuais, mas foi num grupo de caminhada que ela se encontrou. Animada, logo a turma começou a trotar. A corrida foi a evolução natural. Estava formada a equipe Os Seminovos, com quem até hoje Severina viaja o mundo correndo.
Da infância pobre no interior de Pernambuco ela herdou a resistência para as caminhadas. Como não tinha carro, cavalo ou jegue, a família fazia tudo a pé. "Com oito anos eu visitava minha avó em outra cidade, caminhando 30 km. Até hoje faço quase tudo a pé", comenta. A vida no esporte inclui três dias de corridas, dois de hidroginástica e treino funcional. Os longões, aos domingos, são sempre de 25 a 28 km.
Também fã das planilhas da CR, Severina é sempre pódio. Em 2015, fez três maratonas, sendo uma em primeiro lugar, e uma prova de 24 horas, na qual obteve a 2ª colocação, na faixa etária. Feliz da vida, ela não economiza corrida para comemorar os aniversários.
Nos 60 anos, fez uma prova de 60 km. Já para comemorar os 65 anos, em 2014, foram 65 corridas, sendo que a de nº 65 foi no dia do seu aniversário, organizada pela família, com direito a pódio, kit e medalha. Mas para dar conta de 65 corridas durante um ano, com 52 domingos, Severina teve que correr aos sábados e feriados. A comemoração envolveu 12 estados, três países (EUA com o Desafio do Pateta, Colômbia e Brasil), 10 corridas noturnas e 13 corridas cross. No total, foram 98 horas de corrida com 869 km.
Imagina quando Severina completar 70 anos? Ela diz já ter algumas ideias para festejar. Haja imaginação, pois ela garante que vai correr até os 100 anos. "A vida do idoso, em geral, sem os filhos em casa, vai ficando muito chata. Nada melhor do que correr, pois o mundo da corrida é muito social. Dispensa médico e psicólogo", sublinha. Aos jovens que pretendem seguir correndo até a velhice, ela sugere: "Não tenha preguiça, enfrente o frio, o calor e a chuva, mas não passe dos limites e nunca pense em parar".

 

Exemplo motivador
Por que não entrar na terceira idade correndo maratonas e subindo em pódios? Mesmo que este não seja seu objetivo, o esporte traz inegáveis benefícios, como prevenção de diabetes, enfermidades cardíacas e respiratórias, além da osteoporose nas mulheres. É claro que não estamos falando de jovens cuja recuperação se dá de um dia para o outro, então vale a pena seguir algumas orientações para que a corrida siga presente em sua vida, sem lesões ou contusões.

O treinador Nirley Braz, da Equipe X de Brasília, enfatiza a avaliação física e cardiológica como fundamental, sem desmerecer testes nutricionais e bioquímicos. "É natural a perda de massa magra (sarcopenia) ao envelhecermos e, consequentemente, a perda da forca muscular. E ainda temos o desgaste das articulações", afirma.
Nutrição adequada, especialmente no pós-treino; plano de treinamento que inclua a musculação e o treino funcional para evitar a perda de massa magra; atenção à biomecânica do movimento (quanto mais tempo correndo, mais se altera a biomecânica na corrida, com postura inadequada); e incluir os treinos intervalados, para ganhar ritmo e musculatura. São as principais orientações do treinador.
Mas o aspecto mais importante da corrida na terceira idade, segundo Nirley, é a socialização do idoso. "Principalmente nos grupos de corrida, os mais velhos são vistos como exemplos, como os dotados de experiência. Eles passam uma imagem motivadora de que viver é estar em movimento", garante.

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