Desde minha infância, sempre fui fascinado em explorar lugares exóticos e inóspitos, mas foi através do esporte que tive a oportunidade de conhecer locais até então por mim inimagináveis. Afinal, em 10 anos de corridas, distribuídas em maratonas, ultras, ironman, travessias aquáticas e extenuantes provas de ciclismo, tive a oportunidade de conhecer nove países, além de metade dos estados do nosso Brasil, mas confesso que nada foi tão desafiador, sofrido e principalmente emocionante como a ultramaratona Atacama Crossing, em outubro do ano passado.
Nesta prova, a pessoa precisa completar 250 km em estágios, durante 7 dias no deserto, sem receber apoio algum da organização, exceto atendimento médico e 2 litros de água a cada 10 km, além de uma tenda no final do dia para ser compartilhada entre 10 participantes. A seguir, como foram as etapas, iniciadas no dia 8 de outubro.
1º dia – 38 km
Largamos em 3.500 metros de altitude e enfrentamos algumas subidas com muitas pedras soltas logo no início. Como carregava todos os suprimentos e equipamentos para sobreviver no deserto por 7 dias (minha mochila pesava 13 quilos e todo este peso nas costas, além do calor que aumentava bastante), resolvi iniciar a prova da forma mais cautelosa possível, andando, sendo que somente após o km 18, quando entramos em um estreito porém extenso cânion, pude trotar um pouco para terminar o dia o menos cansado possível.
2º dia – 44 km
Largamos descendo várias montanhas até chegarmos a um riacho com água de degelo das montanhas. Por aproximadamente 6 km fomos serpenteando em uma trilha pelo riacho, e molhávamos os pés a todo instante, o que futuramente me causaria alguns problemas.
Após o riacho, cheguei a pensar em trocar as meias para evitar bolhas, mas devido à congelante temperatura da água, não sentia mais os dedos, então achei melhor seguir em frente o mais rápido possível, com o intuito de manter a circulação sanguínea. Em seguida, subimos uma montanha com 1.100 metros o que levou algumas horas de uma mista sensação de esgotamento e admiração ao local.
Com o termômetro marcando 44°, mas com sensação térmica muito maior, terminamos a subida e começamos a descer enormes dunas, e independente de estar usando polainas sobre os tênis, muita areia entrou nos mesmos, o que resultou na primeira bolha em meu pé direito.
3º dia – 38 km
Passamos por um trecho com muitas subidas em rochas e pedras pontiagudas, providas de erupções vulcânicas, sendo que do km 19 em diante entramos em um trecho com muitas dunas com incontáveis subidas e descidas. Minhas polainas já não funcionavam mais como deveriam, prejudicando bastante meus pés, mas a dificuldade maior sem dúvida era o implacável calor do deserto.
Nos 6 km finais, percorremos por um trajeto com areia que afundava até a altura da canela, dificultando até mesmo o simples ato de caminhar e nos últimos 400 metros subimos uma duna com inclinação tamanha que exigiu o auxilio de minhas mãos para vencê-la e completar.
4º dia – 45 km
No briefing da organização antes desta etapa, eles foram claros em dizer que seria uma etapa duríssima, e aconselharam aos que não estavam em boas condições a desistir.
Largamos em uma estrada de terra e em seguida entramos em um deserto de areia, onde podíamos enxergar algumas árvores muito distantes.
Como estava correndo sozinho, este vazio no horizonte fez com que eu começasse a sentir uma depressão repentina, sensação nunca vista em minha vida antes, mas continuei em frente, vagarosamente e no km 14 entramos em um novo ambiente extremamente vasto, mas desta vez o solo era composto por grossas cascas de sal.
O calor extremo e a fadiga acumulada pelos dias anteriores fizeram com que a depressão aumentasse; foi então que acabei parando, disposto a abandonar a prova temendo o pior, pois não suportava mais tamanho sofrimento.
Ao abrir minha mochila, peguei umas fotos que minha esposa tinha colocado, e para minha surpresa em uma delas tinha a imagem do ultrassom de minha filha de 6 meses. Não aguentei e desabei a chorar por uns 10 minutos. A partir daí, tinha que completar a prova para ela, e nem mesmo o trecho a seguir, considerado por todos o mais difícil dos 250 km de prova, um pântano de 12 km com crostas de sal e plantações que afundavam até o joelho, foi capaz de impedir meu objetivo.
5º/6º dia – 78 km
Como era previsto, o dia anterior foi marcado por muitas desistências, lesões e principalmente problemas nos pés dos atletas. Ao longo do restante do dia, uma fila se formou na tenda médica para tratamento de bolhas e unhas.
Conhecida como "A Longa Marcha", esta etapa era muito desgastante, devido à longa distância, aliada ao cansaço extenuante dos participantes.
Iniciamos o dia no deserto correndo/andando sobre as incômodas crostas de sal, e após 2 horas chegamos a uma estrada de terra, com muita poeira seca que se levantava conforme pisávamos, dificultando a respiração. Seguimos por longas estradas de terra, o que animou um pouco, afinal podíamos até correr, mas no 21° km, entramos novamente no deserto de areia e todas as dificuldades voltaram.
Ao alcançarmos no posto de controle do km 28, isso já com quase 5 horas de prova, recebemos o único presente da organização, uma lata de Pepsi; confesso que não bebo refrigerante, mas neste caso tomei tudo em apenas 2 goladas. Como estava em um ritmo constante, com dois americanos e um mexicano, resolvi não descansar e seguir em frente com eles.
Em seguida, chegamos a um local vasto e montanhoso, onde ficamos por 3 horas subindo e descendo. Como aprecio subidas, consegui deixar os três para trás e seguir em frente, até encontrar o pior trecho do dia. Começou uma tempestade de vento, prejudicando até mesmo o simples ato de andar, devido às fortes rajadas e neste local tínhamos que subir uma duna extremamente alta. Sofri muito para subir aquela duna, e devido ao esforço comecei a passar mal do estômago, sentindo fortes dores e diarréia, talvez pelo fato de comer comida liofilizada por tantos dias.
Tínhamos largado às 8h e por volta das 17h cheguei ao posto do km 50, onde a organização sugeria aos atletas em más condições que acampassem lá com a organização para completar os outros 28 km no dia seguinte, pois à noite enfrentaríamos temperaturas beirando 0°.
Estava com problemas estomacais e também muito fraco. Por mais que tivesse dificuldades em ingerir qualquer coisa, peguei água quente e fiz um risoto com frango para comer, prevendo problemas pela frente devido à falta de alimentação.
Segui vagarosamente, temendo a escuridão que chegaria em breve, e após mais 6 km no deserto, saímos e chegamos em uma extensa estrada de terra, o que fez com que me empolgasse um pouco e, independente de tantas dores, consegui correr um pouquinho, até chegar no posto de controle do km 60 totalmente debilitado. Neste ponto o sol estava se pondo, coloquei minha calça e as duas blusas que tinha, além de gorro e luvas, pois já estava bastante frio ao chegar da escuridão.
Faltando 8 km para o fim, caminhei o restante da etapa ao lado de um amigo mexicano, e não tínhamos força sequer para conversar um com outro, seguimos curtindo o frio e a escuridão do deserto até chegarmos ao final da etapa às 21h30 e comemorarmos à beça.
7° dia – 8 km
A última etapa consistia em apenas 8 km, até chegarmos na cidade de San Pedro de Atacama. Acordei cheio de dores, mas bastante animado pelo final da jornada, pois estava desesperado para tomar um banho, comer comida de verdade e voltar para casa.
Com o intuito de conseguir melhorar minha posição, além de uma aposta com meu amigo mexicano, resolvi me esforçar, e independente do cansaço extenuante, além da mochila que ainda pesava uns 7 quilos fechei os 8 km em minutos.
Ao cruzar o pórtico de chegada, peguei uma pequena bandeira do Brasil, e pela primeira vez na minha vida chorei ao concluir uma prova, tamanha era minha emoção. Fechei a prova com um tempo acumulado de 43h12, conquistando a 32° colocação geral entre 158° participantes, sendo o 1° latino americano.
Independente de todo o sofrimento, além da perda de 6 quilos nestes 7 dias, confesso que esta foi uma experiência épica em minha vida, sendo uma jornada de autoconhecimento, superação, novas amizades, exploração e principalmente um grande encontro com Deus.
Quando cheguei ao Brasil, uma pessoa me perguntou se eu faria tudo isto novamente. Não precisei pensar para responder que em 2016 irei tentar fazer a Gobi March 250 km. Desta vez no deserto de Gobi na China, o mais ventoso do planeta.
Nota da redação: Apesar do pouco que a organização parece oferecer durante os 7 dias, as inscrições custam 3.600 dólares, sem contar passagem aérea e hospedagem antes/depois da prova, situação aliás comum em outras provas do gênero, como a revista já noticiou. Mais informações em www.4deserts.com