Releitura Redação 2 de setembro de 2018 (0) (156)

As novidades nas ciências do esporte

Veja o que foi apresentado de interessante no encontro anual do Colégio Europeu de Ciências do Esporte

Os congressos anuais do Colégio Europeu de Ciências do Esporte são o segundo maior evento do gênero no mundo, atrás apenas daqueles realizados pelo similar norte-americano. Neste ano, o evento realizado em Dublin (Irlanda) contou com cerca de 2.900 pesquisadores de 71 países, ao longo de quatro dias de palestras, discussões e apresentações. A CR esteve lá para conferir os temas e achados mais importantes para os corredores, apresentados a seguir.

 

Próteses nas corridas

Passada a polêmica de Oscar Pistorius, o “Blade Runner” sul-africano, o debate sobre a inclusão de atletas amputados nas olimpíadas “normais” continua. O que se discute hoje quase não é mais se as próteses conferem alguma performance, mas como elas podem ser otimizadas para melhorar o rendimento ao máximo. Por exemplo, o formato e rigidez das próteses vêm mudando nos últimos anos, e as para amputação bilateral na tíbia estão passando de um formato de “C” para algo mais parecido com um “J” invertido lateralmente.

Se a diferença entre os 100 m rasos olímpicos e paralímpicos para amputados era de cerca de 4 segundos em 1976, hoje este número caiu para apenas 1 . Evidente que isso representa ainda uma enorme distância, mas essa aproximação traz uma série de questões não apenas sobre a possível inclusão dos amputados nas olimpíadas, mas eventualmente sobre a exclusão dos atletas sem próteses destes eventos. Neste sentido, o auge da polêmica é sobre o quanto esta aproximação de resultados se deve à tecnologia ou à qualidade dos atletas em si.

Após análise da progressão dos recordes mundiais nos 100 m rasos masculinos, uma autoridade japonesa no assunto estimou 2068 como sendo o ano em que, pelas taxas históricas, os amputados se tornarão mais velozes.

 

Loteria genética

Já se sabia há algum tempo que boa parte da resposta ao treinamento físico é determinada pela nossa genética. Algumas pessoas simplesmente respondem melhor e mais rápido a um mesmo estímulo de treino do que outras, em função da maneira como seu organismo foi programado para o estresse de treino. No entanto, acredita-se que diferentes tipos de treinamento possuem mecanismos de respostas diferentes, o que oferece a possibilidade de não ser naturalmente “bom” em um determinado esporte, mas se sair melhor em outro.

Estudo realizado por pesquisadores norte-americanos e australianos questiona esta possibilidade. Nele um grupo de roedores foi treinado em esteira por oito semanas, e depois foram separados entre os melhores e piores com relação à performance. Ilustrando a diferença, os roedores “treináveis” melhoraram sua distância percorrida por treino em 57%, enquanto a variação média dos menos-treináveis ficou em -3%.

Após o treino de resistência, os dois grupos foram submetidos a um protocolo para induzir hipertrofia muscular, em um paralelo ao treino de academia para ganho de massa. Ao contrário do que se poderia esperar, os roedores com boa resposta ao treino de endurance também foram novamente superiores. É possível então que exista um genótipo (perfil genético) específico, ainda não descoberto, que determine a capacidade de resposta da musculatura ao treinamento de uma forma muito mais ampla do que se pensava anteriormente, a chamada plasticidade muscular. Descobrir a tal chave e como interferir no seu funcionamento pode ser o próximo grande passo para auxiliar aqueles que possuem dificuldades de resposta ao treino, seja qual for o tipo.

 

Otimizando o treinamento

Três trabalhos foram apresentados focando em como otimizar sessões de treino para obter o máximo de resposta. Um dos estudos buscou expor os participantes a um ambiente com oxigênio adicional para propiciar um aumento de carga nas sessões de treino, ao longo de algumas semanas. Os outros exploraram de forma aguda como maximizar as respostas cardiovasculares de uma sessão de treino intervalado.

Realizado por suecos, o estudo dos efeitos da hiperóxia (oxigênio em excesso daquele encontrado no ar ambiente) testou o oposto do tradicional treinamento em altitude. Ao invés de expor os atletas a um ambiente com pouco oxigênio, durante o treino eram utilizadas máscaras ligadas a tanques com oxigênio acima dos níveis normais. A lógica foi a seguinte: é sabido que o organismo consegue utilizar o oxigênio extra, quando este é provido, de forma que a musculatura trabalhe de forma mais intensa, o que poderia levar a um maior grau de adaptação e consequente melhora de performance.

O que se viu, no entanto, é que nem a capacidade oxidativa da musculatura (responsável pelo processo de síntese de energia com a utilização de oxigênio) nem a performance do grupo que treinou com oxigênio extra aumentaram de forma superior ao grupo controle. Por ora, ainda não há motivos para acreditar que intervenções visando aumentar a oferta de oxigênio no ar inspirado durante as sessões de treino sejam benéficas.

Outros dois trabalhos, ambos de autores brasileiros ligados a grupos europeus (um deles realizado por este colaborador da CR) chegaram a um resultado muito semelhante por caminhos diferentes. O objetivo das propostas era o de aumentar o estresse fisiológico de uma sessão, partindo da ideia de que esse fato dá início aos processos adaptativos de forma proporcional.

Para tal, os dois estudos testaram protocolos que tinham a primeira parte realizada de forma mais intensa, comparados com sessões de velocidade média semelhante, mas constante o tempo todo. Por exemplo, imagine correr um intervalo de 1,6 km com tempo médio de 2 minutos/400 m. Esse intervalo pode ser feito correndo-se cada 200 m em 1 minuto ou variando a velocidade com os primeiros 200 m em 46 segundos e os demais em 62 segundos. O que estes trabalhos demonstraram é que, de forma aguda, um estímulo inicial mais potente de velocidade possibilita manter uma mesma velocidade média com uma carga fisiológica maior.

Durante as sessões “variadas” em ambos os estudos, os participantes tiveram frequência cardíaca mais alta e passaram mais tempo com consumo de oxigênio elevado, marcadores considerados importantes para predizer adaptação ao treinamento. Os pesquisadores estão agora se dedicando a estudos de longo prazo para verificar se estas diferenças agudas podem trazer benefícios para a performance, quando implementadas de forma regular nas sessões de alta intensidade.

 

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