Releitura Redação 31 de maio de 2020 (1) (762)

Alongar antes de correr ajuda ou atrapalha? A opinião dos treinadores!

Repercussão – Janeiro 2009

A Contra-Relógio publicou em sua edição de dezembro a matéria “Comprovado: alongar antes de correr nada ajuda e até prejudica”. Nela a revista revela conclusões de um estudo da Universidade de Nevada (EUA), confirmando o que a CR já tinha apresentado há dois anos, ou seja, que o alongamento feito imediatamente antes de começar a correr não previne lesões, nem melhora a performance. E a nova pesquisa ainda mostra que o alongamento nesse momento chega até a prejudicar, ao reduzir a capacidade de força das pernas.

Como boa parte dos corredores, orientados ou não por treinadores, ainda tem esse hábito, a matéria acabou gerando certa polêmica. Então a Contra-Relógio decidiu ouvir a opinião de alguns treinadores do Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília, em depoimentos colhidos, respectivamente, por Márcio Carrilho, Yara Achôa e Claudia Andrade.

 

Sempre disse que não se deve alongar antes

Treinador de 42 atletas de elite, entre eles Franck Caldeira e os gêmeos Cosme e Damião Anselmo de Souza, o médico Henrique Viana, da Pé de Vento, de Petrópolis (RJ), diz não estar surpreso com a divulgação do recente estudo. “Não é de hoje que se fala nisso; eu mesmo sempre disse que não se devia alongar antes de treino ou competição, pois é claro que, alongando-se antes, perde-se força contrátil, mas, por outro lado, um músculo muito contraído também não é bom, daí a importância do aquecimento prévio, que já é o suficiente”, afirma. Viana, que trabalha com atletas de elite há 29 anos, também lembra que é comum eles se esquecerem de alongar depois dos treinos e competições, “mas eu fico em cima, exijo isso deles, assim como o desaquecimento, que é muito importante. Se puder relaxar nadando um pouco, no mar ou numa piscina, melhor ainda, pois ajuda a soltar bem a musculatura, prevenindo dores e lesões”, recomenda.

 

Nem em academias se faz

Norton de Freitas, especialista em treinamento esportivo e condicionamento físico, há 26 anos atuando no Rio de Janeiro, faz coro com Viana: “Desde pelo menos 2001 que leio artigos sustentando essa posição, em revistas estrangeiras especializadas em fisiologia, e até já dei entrevistas falando disso, depois caíram em cima de mim, mas este é o preço que se paga por estar atualizado. Por outro lado, nunca li nada científico justificando o alongamento antes de atividade física, nem em academias se faz mais alongamento antes de séries de musculação, por exemplo, aquece-se apenas usando uma carga mais leve. Aos meus atletas de corrida e triatlo sempre preconizei a seqüência aquecer, treinar/competir, voltar à calma, que nada mais é do que o desaquecimento, e, por fim, alongar”, destaca. Freitas lembra, no entanto, que para uma tese se tornar aceita cientificamente é preciso que diferentes estudos, feitos em locais distintos e com grupos diferentes de pessoas, cheguem à mesma conclusão. Isso ainda não aconteceu em relação à não recomendação de se alongar antes de atividade física, mas, segundo ele, não deverá tardar. “Na mais recente edição do livro Phisiology of Sport and Exercise, a quarta, de autoria de Jack Wilmore e David Costill, que é uma das obras de referência mais respeitadas sobre o assunto em todo o mundo, pela primeira vez se diz que o alongamento prévio às atividades físicas está em cheque, pois evidências vêm mostrando isso”, revela.

 

Nenhuma contra-indicação para fundistas

No entanto, há opiniões divergentes. Para o treinador Joaquim Ferrari, também do Rio de Janeiro, há 18 anos no mercado e que treina cerca de 100 atletas – 70 deles à distância, pela internet -, alongar antes do treino não tem nenhuma contra-indicação quando se trata de atividade de longa duração, como é o caso da corrida de rua. “Em atletas de esportes de explosão, o alongamento prévio, quando a musculatura ainda está fria, é contra-indicado, mas, no caso da corrida de longa distância, eu oriento aos meus atletas um alongamento suave antes da atividade física, que faz parte do pré-aquecimento, pois ajuda a aumentar o fluxo sangüíneo”.

De acordo com Ferrari, o risco de lesão existe quando o corredor alonga além do arco de movimento a que está habituado, daí a necessidade de sempre se alongar devagar e com cuidado, sem dar trancos. “Já o alongamento depois do treino ou competição, precedido de um desaquecimento, terá uma amplitude de movimento naturalmente maior, mas cada atleta sabe o seu limite; o risco de lesão é maior quando se alonga em dupla, passivamente, pois o companheiro pode forçar demais a amplitude”, alerta.

 

Medo de correr sem alongar

“Tomei conhecimento desse estudo da Universidade de Nevada, que diz que o alongamento estático antes da corrida levaria a perda de força nas pernas na hora do exercício, e concordo com ele. O problema é que a pessoa muitas vezes tem medo de correr sem antes fazer um alongamento. Cabe a nós professores orientar para mudar esse padrão. Eu aconselho dar uma caminhada ou um trote como aquecimento, para depois alongar de leve, com movimentos que não provoquem dor. Em seguida, entrariam os exercícios educativos, para só então começar o treino propriamente dito. É claro que o alongamento para trabalhar a flexibilidade também é importante, mas ele deve ser feito em um outro momento que não o do treino. E após a corrida, recomendo apenas um alongamento bem leve.”

Manu Santana, professora de educação física e

treinadora da SIX Assessoria Esportiva, de São Paulo.

 

Uma indicação do século passado

“Muito oportuna essa polêmica levantada pela Contra-Relógio, para que os corredores e até mesmo os profissionais da área de educação física prestem mais atenção ao que estão fazendo. Essa idéia de que é preciso alongar antes do início do exercício foi preconizada pelo treinador Bob Anderson, nos anos 80 (do século passado). E as pessoas colocaram isso na cabeça. Mas nas décadas anteriores, vale lembrar, os atletas não faziam alongamento e nem por isso se lesionavam mais. Eu venho do atletismo profissional e desde sempre a ordem é chegar na pista, pré-aquecer com um trote ou caminhada e depois  fazer um alongamento direcionado, focado nos grupos musculares que serão exigidos. Como técnico, essa é minha orientação. Após o treino, proponho um desaquecimento, também por meio de uma caminhada ou trote, para depois partir para um alongamento leve. E sentir dor não quer dizer que você está alongando mais e sim que está alongando errado.”

Wanderlei de Oliveira, maratonista, diretor da Federação Paulista de Atletismo e coordenador-técnico do Clube BM&F Bovespa, de São Paulo.

 

Ainda não é um consenso

“Não acredito que esse estudo seja um consenso nível A. Acho que ainda é cedo para tomarmos como verdade absoluta. Quando recebo um aluno que passou o dia no escritório, sentado, tenso, por exemplo, inicio o treino com um alongamento leve, trabalhando especialmente grupos musculares como ombros e costas. Isso vai trazer bem-estar e não tira a força das pernas. Concordo, sim, que o alongamento deva ser bem orientado, respeitando o limite individual de cada um e sem provocar qualquer tipo de incômodo.”

Augusto César Fernandes de Paula, professor de educação física

e treinador da PlayTeam, de São Paulo.

 

Alongar para tirar a tensão

O alongamento que é feito com os alunos da equipe antes dos treinos é muito mais voltado para a cabeça do que para o músculo. Serve para tirar a tensão e também para evitar que o pessoal se disperse. É um alongamento mais básico dos membros superiores e inferiores, com ênfase no quadril. Se for muito puxado é ruim porque faz com que o trabalho de contração muscular fique mais lento.
Depois do treino fazemos um alongamento mais específico, ativo, já com outra pessoa ajudando e compressas de gelo, para aliviar uma eventual dor ou contração que o aluno esteja sentindo depois da corrida. Mas também serve para relaxar. É preciso avaliar a situação de cada pessoa, porque pode acontecer de, depois de um treino muito pesado, o alongamento gerar uma lesão, romper uma fibra.
Recomendamos aula de alongamento para ajudar no equilíbrio, na postura. Fazendo o alongamento e a musculação como complemento dos treinos, o corredor vai prevenir lesões. São aulas importantes no suporte da corrida. Agora, tem gente que acha que o alongamento é remédio pra tudo, que, se está sentindo dores hoje é porque não alongou no final do treino de ontem. Isso não existe, porque o alongamento que é feito pouco depois do treino ou da corrida dá um alívio momentâneo.

Valmir Bochi Junior, responsável técnico da equipe VMax Sports, de Brasília.

 

Cultura de academia

Essa história de alongamento é mais de quem vem de academia e tem essa cultura. O pessoal mais veterano de corrida de rua já sabe que não precisa. Seria mais interessante fazer um aquecimento educativo, de uns dez minutos, com elevação e flexão de perna. Os alongamentos estáticos são raros antes dos treinos na nossa equipe. Se a pessoa não está devidamente aquecida, pode romper uma fibra se fizer só o alongamento e começar a correr.
Ao final do treino, aí sim, fazemos um trabalho no colchonete, para quem está sentindo o ácido lático mais forte. Mas também é preciso dar algumas voltas bem lentas na pista, para diminuir os batimentos cardíacos. É importante fazer aula específica de alongamento e geralmente orientamos para fazer no dia do treino regenerativo, como preparação para o treino mais forte do dia seguinte.

Eder Vilanova, técnico da equipe Lo Rã

 

Risco de lesão com alongamento

Eu já puxei alongamento em grupo, antes de corrida, mas esse trabalho dura, no máximo, dez minutos e o risco de lesão é mínimo. É mais uma questão psicológica mesmo, de ter alongado. Em academia, fazemos um aquecimento na bicicleta ou em esteira, para sair da zona de repouso e ir aumentando a freqüência cardíaca de cada um a até 70% da freqüência cardíaca máxima. Isso prepara o organismo para um exercício mais pesado. Muitos corredores reclamam do cansaço no início da prova e dizem que depois de alguns minutos sentem-se mais preparados do que no início. O aquecimento ajuda nisso e é por isso que os corredores de elite têm uma área mais aberta para se preparar e deixar a freqüência cardíaca mais elevada.
Quem fica se puxando e esticando exageradamente pode causar uma lesão de fibra, que é um processo lento e pode levar anos para aparecer, por conta da degeneração muscular. Também não acho bom o método calistênico (alongamento dinâmico) exagerado. Depois da corrida, pode-se fazer um alongamento mais intenso, desde que não seja um trabalho de flexibilidade, é importante diferenciar os dois. O corredor primeiro tem que ir gradualmente reduzindo os batimentos cardíacos, ou seja, não deve parar imediatamente depois de terminar a prova, mas continuar andando, para se recuperar. Depois disso faz o alongamento, que ajuda a distribuir o ácido lático.
A flexibilidade tem que ser trabalhada em aulas específicas, não seguidas de atividades de alto rendimento, caso contrário pode levar a um estiramento muscular.

Cléber Santos, técnico da equipe Healthy Way, de Brasília.

 

Para ganhar elasticidade na corrida

Vou falar com base na minha experiência como praticante da corrida: não consigo ver um trabalho legal de treinamento que não tenha alongamento. Eu, por exemplo, tenho uma tendinite de tendão de Aquiles que resolvo com alongamento. Não fico sem. Mas acho que precisa ser feito depois do aquecimento.
Este aquecimento pode ser uma caminhada, podem ser saltitos, exercícios educativos, calistenia. Depois pode fazer o alongamento. Dá para comparar essa situação com uma borracha no sol. Aquecida, a possibilidade de distender é maior. O alongamento também serve para dar mais elasticidade na hora da corrida, o deslocamento vai ficar mais fácil.
Antes de uma prova, o alongamento é mais básico, com os grupos musculares que serão utilizados. Depois da corrida, o corredor deve andar um pouco, entregar seu chip, fazer de oito a dez minutos de trote, para sair de uma pulsação mais alta e voltar lentamente para os níveis de antes do aquecimento, e só então fazer o alongamento, para acelerar o processo de recuperação. Usamos também banheira de gelo, para provocar uma vasocontrição e reduzir o risco de microlesões.
O alongamento é diferente do trabalho de flexibilidade. No alongamento, eu respeito minha amplitude, meu limite. Na flexibilidade, vou além da minha amplitude articular. Por isso não se pode estar flexionado antes de uma prova, senão qualquer choque – o que é muito comum em corridas – pode causar uma lesão.

Alexandre Coutinho, técnico da Cafic (Centro de Atividade Física Coutinho), de Brasília.

 

Aquecimento e desaquecimento sempre

O aquecimento e o desaquecimento devem ser feitos sempre. Mas essa questão da necessidade de se fazer alongamento é mais um problema cultural do que científico. Para um trabalho de grande flexibilidade, cada movimento precisa ser feito de 30 a 40 segundos, em duas ou três séries. Você não vê isso nas corridas e nos treinos. O que você vê são as pessoas fazendo dez segundos e só.
Seria mais interessante fazer um alongamento balístico (com movimentos rápidos de ritmo) do que o estático. Agora, se a pessoa vai fazer um trabalho de tiro ou um treino intervalado (fartlek), que exigem mais da unidade do músculo, o sarcômero, se fizer um alongamento prévio pode não conseguir contrair o músculo depois, o que causaria microlesões.
O trabalho de alongamento voltado para a flexibilidade é importante, pelo menos um período na semana – o ideal seria duas vezes por semana. Se os músculos estão alongados, isso evita a degeneração de meniscos, do tendão. Considero esse trabalho essencial para os treinos.

Marcelino Calvo, fisioterapeuta do IDA (Instituto do Atleta), de Brasília.

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One Comment on “Alongar antes de correr ajuda ou atrapalha? A opinião dos treinadores!

  1. “Não consigo ver um trabalho legal de treinamento sem um alongamento”. Faço minha as palavras desse treinador, Alexandre Coutinho. Há mais de 35 anos correndo por esse Brasil a fora, não participo de treinamento ou corrida sem um prévio alongamento e aquecimento. As duas vezes que tentei participar de 2 corridas sem alongar, por ter chegado atrasado, aí sim, foi que eu tive contusão. É como disse o de Paula, ainda não é um consenso.

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