Releitura Redação 10 de agosto de 2020 (3) (252)

Alongamento antes da musculação não traz benefício

NOTÍCIAS DO CORPO – Luiz Carlos de Moraes – lcmoraes@compuland.com.br

Um dos assuntos que dificilmente é motivo de consenso nas academias de musculação envolve a questão do alongamento antes e/ou depois da série principal. Ajuda? Previne lesões? Atrapalha? Não serve para nada? Tanto faz?

Quem advoga a favor se apressa em dizer que previne lesões. No entanto, não conheço nenhum trabalho cientifico envolvendo um número suficiente de pessoas que fidelize tal afirmação. Já quem é contra afirma que o alongamento pode provocar microlesões nas fibras musculares, que por sinal é a resposta fisiológica na qual está calcada a hipertrofia muscular. O problema seria justamente o duplo trabalho similar conduzir à lesão não durante o alongamento, mas na musculação, por estarem as fibras musculares saturadas por conta do próprio alongamento. Além disso, o alongamento prévio pode impedir o recrutamento de um número suficiente de unidades motoras para gerar força máxima.

Mas para melhor abordar o assunto é necessário lembrar que a musculação é praticada por dois públicos distintos: os popularmente chamados “marombeiros”, que gostam de pegar pesado, e as pessoas que procuram nessa atividade física a qualidade de vida e/ou complemento de um esporte que praticam. Então, em relação à questão do alongamento antes de começar a musculação, constata-se na prática que o marombeiro aquece com o próprio exercício, pegando leve antes de iniciar a série principal e é um procedimento que funciona bem. Digamos que se vai fazer 3 séries de 10 repetições para o supino com 120 kg de carga e 90 segundos de intervalo. Antes ele faz uma ou duas séries de 15 repetições com metade da carga, a título de aquecimento e não faz alongamento.

Ou seja, como o corredor que aquece trotando, o marombeiro aquece fazendo o próprio exercício, assim como o nadador aquece nadando, o futebolista batendo bola e assim por diante e tem fundamento. Para o aquecimento existe consenso na literatura e na prática, indicando como benefícios mais evidentes o aumento da temperatura muscular, da elasticidade dos tecidos, do débito cardíaco, melhora do metabolismo energético, do sistema nervoso central e recrutamento das unidades motoras.

Existem trabalhos comparando protocolos de aquecimento com alongamento, aquecimento aeróbio (corrida na esteira ou pedalar na bicicleta ergométrica) e aquecimento específico no próprio aparelho, antes de um teste de repetição máxima. Os avaliados que fizeram aquecimento específico tiveram melhor desempenho na mobilização de carga. Significa dizer que o aquecimento é mais importante que o alongamento.

Agora, tal como na corrida o alongamento depois pode ser feito desde que não seja “puxado”, somente para relaxar, pois as fibras musculares já estão cansadas e o alongamento explorando o máximo da flexibilidade pode realmente gerar lesão. Tanto o corredor quanto quem faz musculação precisam de flexibilidade para que o músculo responda melhor na hora do exercício principal e o desenvolvimento da flexibilidade se dá com o exercício de alongamento, mas deve ser feito numa aula de alongamento específica em seção separada da rotina de exercícios.

 

A diferença entre flexibilidade e alongamento

Em primeiro lugar vamos relembrar as diferenças: flexibilidade é a amplitude máxima de um movimento em uma ou várias articulações combinadas e o alongamento é o exercício destinado a desenvolver essa capacidade. Para cada atividade física existe um nível ótimo de flexibilidade, de acordo com as exigências motoras da própria atividade, e a musculação também tem. Sendo assim, é de se supor, por exemplo, que a ginástica olímpica e o salto em altura exijam um grau de flexibilidade e amplitude maior que a corrida, a caminhada e assim por diante. Um músculo flexível responde melhor ao ato motor desejado. Ou seja, o corredor corre mais fácil, o nadador nada melhor e a hipertrofia muscular também responde melhor.

Existe ainda diferença entre o alongamento e o flexionamento, que é mais forçado, com repetições, e que provocam respostas fisiológicas específicas. Em síntese, o alongamento simples, sem flexionamento, até pode ser utilizado durante o aquecimento e na volta à calma, encontrando inclusive respaldo na literatura e principalmente na prática. O nadador que vai iniciar a sua atividade antes aquece e, dá uma “alongadinha básica” leve somente nos braços. Dizem eles: “Pra soltar”. O corredor também faz isso. É aquela puxadinha na perna para trás para alongar o quadríceps, uma “esticadinha” na passada e só. Nada de ficar fazendo alongamento estático que é um movimento contrário ao que virá a seguir.

No caso da musculação, existe entre os praticantes certa resistência contra a prática do alongamento antes. Alguns estudos citam que o alongamento antes da musculação não promove qualquer benefício na prevenção de lesões e isso hoje parece que vale para qualquer modalidade. A tese que reforça esse posicionamento diz que o alongamento forçado (flexionamento) antes da atividade deve ser evitado, porque inibe os receptores musculares, tendinosos e articulares responsáveis pela segurança, até elevando o risco de lesão ao invés de prevenir. Além disso, diminui o potencial de força necessária na atividade. Esses receptores são chamados de órgãos tendinosos de Golgi e são recrutados no flexionamento, mas não no alongamento simples. O alongamento dinâmico simples e bem leve junto com o aquecimento antes pode ajudar a relaxar e/ou preparar os músculos diminuindo sua viscosidade, mas é dispensável. Depois da atividade têm a função de recuperar, desde que seja simples, sem flexionamento.

Já fazer alongamento depois da musculação ou de qualquer exercício é sempre proveitoso, não faltando trabalhos sobre esse assunto e na prática basta perguntar aos adeptos. A resposta é simples. “Faço porque me sinto bem e não costumo sentir dores musculares no dia seguinte”. Na prática não conheço casos de pessoas lesionadas por fazer alongamento simples depois da musculação, mas antes realmente não existe consenso na literatura. No meu estúdio de personal sempre reservo pelo menos uns 10 minutos para alongamento passivo para os meus alunos depois da atividade, mas nada forçado. Antes eles fazem aquecimento e mais nada.

Nas academias, quem tem o hábito de fazer circuito de musculação começa com aquecimento aeróbio (esteira ou bicicleta ergométrica), não faz alongamento e tem bom rendimento na musculação. Isso é um fato.

 

A musculação diminui a flexibilidade? Outra dúvida também freqüente nas academias é saber se o treinamento de força diminui a flexibilidade por causa do aumento do tamanho do músculo. Em primeiro lugar, e isso me parece lógico, somente a falta de exercício pode provocar diminuição da flexibilidade. Se não usa, atrofia…

Qualquer atividade física exige uma mobilidade articular mínima. Um sedentário quando passa a praticar um exercício começa a forçar naturalmente novos limites de amplitude, por vezes à custa de algumas dores. O exercício com peso aumenta a flexibilidade articular de quem sofria de limitação pela falta de uso. Para os que tem uma flexibilidade normal, o exercício com peso não diminui essa qualidade física e as provas não são novas. Pesquisas mostraram que além da flexibilidade não ficar prejudicada, a amplitude articular de determinados movimentos pode até aumentar.

Um bom exemplo para mostrar que musculação e flexibilidade podem andar juntas são os ginastas olímpicos: homens fortes e com uma flexibilidade incrível. Claro, além da musculação, o treinamento deles é acompanhado de muito alongamento visando aumento da flexibilidade, treino esse feito separado da musculação. Vale lembrar que se a hipertrofia encurtasse o músculo, por mais alongamento que fizessem não conseguiriam aumentar a flexibilidade. Em tese, a musculação pode até ser um treinamento oposto ao alongamento, mas as fibras musculares mais fortes alongam mais e quanto a isso não existem dúvidas.

 

boxe

Como desenvolver a flexibilidade

Cada um tem seu grau natural de flexibilidade, a depender de fatores ósseos, musculares, tendinosos, da cápsula articular, da gordura e da pele. Dentre esses, os mais importantes são a cápsula articular contribuindo com 47% e os músculos com 41%. Algumas pessoas apresentam mais tecido chamado de colágeno que não são elásticos e por isso sentem mais dificuldades. Claro, a flexibilidade também está associada ao sexo, à idade, à lateralidade corporal, à hora do dia e ao aquecimento prévio. As mulheres e as crianças são normalmente mais flexíveis e o destro costuma ter o lado direito melhor do que o esquerdo por razões óbvias.

Para uma boa aula de alongamento:

1) Cada um tem o seu limite. Não tente “forçar a barra”. A amplitude deve ir até onde se sinta bem ou leve dor suportável.

2) A maioria das pessoas tem o peitoral, lombar e posteriores de coxa encurtados. Deve-se dar preferência por alongamentos que trabalhem essas regiões e/ou os grupos musculares que notadamente sejam deficientes.

3) Os alongamentos devem incluir os grupos musculares trabalhados na atividade diária principal e/ou no gesto esportivo.

4) A escolha do método deve priorizar a necessidade e preferência do indivíduo. Todos têm as suas vantagens e não existe pesquisa conclusiva mostrando ser um método melhor que outro. Depende da necessidade, do fundamento e para quem é o trabalho.

5) A musculatura agônica e antagônica deve ser trabalhada a fim de proporcionar um desenvolvimento harmônico da amplitude do movimento.

6) Uma aula de alongamento visando a flexibilidade deve ser separada da musculação e de forma global leva de 30 a 40 minutos.

7) Como qualquer outra atividade física, o alongamento deve partir do prazer individual.

8) Alongamento e musculação só combinam se uma atividade não atrapalhar a outra.

 

Para uma boa aula de musculação:

1) Deve-se ter em mente o objetivo. Para que e porque fazer.

2) Antes de começar, como toda atividade física, é recomendável fazer avaliação médica e funcional.

3) Estabelecidos os objetivos, converse com o professor sobre sua preferência dos exercícios destinados a determinados músculos. Existem muitos exercícios, formas de execução e métodos para cada grupo muscular.

4) Se vai fazer só musculação, prefira aquecer com o próprio exercício com cargas bem menores que as estabelecidas na série principal.

5) O alongamento antes não acrescenta nada, mas não é proibido fazer. Só faça se achar conveniente ou por estar acostumado.

6) Respeite a planilha usando as cargas, séries e intervalos corretos. Se quiser fazer qualquer alteração, converse com o professor.

7) Procure montar e desmontar as anilhas usando critérios de segurança. Muita gente faz o exercício corretamente, mas peca na hora de montar e principalmente desmontar os equipamentos, não transportando os pesos para os devidos lugares sem seguir regras de ergonomia e se machucando por causa disso.

8) Use sempre o bom senso.

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3 Comments on “Alongamento antes da musculação não traz benefício

  1. Assunto que sempre volta à tona, esse de alongamento. Parecem que querem desacreditar essa atividade. Quanto a mim, eu digo, ai de mim nesses 35 anos de corrida e academia se eu não fizesse alongamento antes.

  2. Concordo. Quem diz que é maléfico, como o próprio colunista, também não consegue provar que é prejudicial. Sou a favor do aquecimento e do alongamento posterior. Conheci atletas de elite, entre eles o Emerson Iser Bem, questionei ele certa vez que havia se lesionado a respeito da situação o mesmo me falou que foi por falta de alongamento. Nunca vi atleta de alto rendimento que se cuida não fazer alongamento antes e depois, claro que não precisa fazer o espacate.

  3. Concordo. Quem diz que é maléfico, como o próprio colunista, também não consegue provar que é prejudicial. Sou a favor do aquecimento e do alongamento posterior. Conheci atletas de elite, entre eles o Emerson Iser Bem, questionei ele certa vez que havia se lesionado a respeito da situação o mesmo me falou que foi por falta de alongamento. Nunca vi atleta de alto rendimento que se cuida não fazer alongamento antes e depois, claro que não precisa fazer o espacate.

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