História zDestaques da Home (Esquerda) Nelton Araújo 23 de dezembro de 2024 (0) (269)

A São Silvestre Internacional: o surgimento de uma nova era, a lenda Emil Zatopek e o jejum nacional

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POR NELTON ARAÚJO


Após consolidar-se como um marco do atletismo nacional (veja aqui), a São Silvestre deu um passo decisivo em 1945, ao abrir suas portas para competidores estrangeiros, tornando-se oficialmente a “Corrida Internacional de São Silvestre”. Este movimento marcou o início de uma nova fase, em que o evento se destacou não apenas pela resiliência — permanecendo ativo mesmo durante a Segunda Guerra Mundial —, mas também por sua capacidade de atrair grandes nomes do esporte. Entre esses momentos memoráveis, destaca-se a participação da “Locomotiva Humana”, Emil Zatopek, em 1953, trazendo um brilho olímpico à corrida e ampliando seu prestígio internacional.

Nos anos seguintes, até meados da década de 1970, a São Silvestre testemunhou o crescente domínio de atletas estrangeiros, que transformaram a competição em um verdadeiro palco internacional e elevaram o nível técnico da prova.

Veja também A origem da Corrida de São Silvestre e os grandes nomes da chamada “fase nacional”

Primeiro campeão

O brasileiro Sebastião Alves Monteiro, atleta da força policial e também representante do SPFC, foi o primeiro campeão da fase internacional, em 1945. Ele repetiu a vitória no ano seguinte, em 1946, tornando-se bicampeão. A partir de então, o Brasil enfrentaria um longo jejum na competição, que só seria quebrado em 1980 com José João da Silva, encerrando um período de 34 anos sem conquistas nacionais na prova mais tradicional do país.


Mais mudanças no percurso

Mudanças no status, mudanças no percurso novamente. Agora tendo 7 km, teve a largada, entre 1945 a 1948, em frente ao Estádio do Pacaembu, chegando, como de costume, no CR Tietê. Mas em 1950 a organização da São Silvestre chegou a um modelo que permaneceria por 16 anos: o tiro inicial seria dado às 23h45, na Rua Conceição (posteriormente, se chamaria Avenida Cásper Líbero), em frente ao antigo prédio do jornal A Gazeta, e passando por ruas conhecidas do centro paulistano, como a Avenida São João, o Largo do Arouche, a Praça da República, e completaria o percurso de 7,3 km (em algumas edições, 7,4 km), retornando ao prédio da principal patrocinadora e organizadora da competição.


A Locomotiva Humana

Foi nesse percurso, que não passava pela “tradicional” Avenida Paulista, que participou da SS o lendário Emil Zatopek, em 1953. A “Locomotiva Humana”, que no ano anterior tinha conquistado a madalha de ouro nos 5.000 m, 10.000 m e na Maratona da Olimpíada de Helsinque, foi recebida com grande entusiasmo pelos meios de comunicação. E trouxe mais do que recorde do percurso, completados em 20:30, mas também a importância e a visibilidade midiática que faltavam ao espetáculo.

Os jornais naquele ano passaram a colocar a prova em suas capas, fizeram cobertura dos treinos não somente de Zatopek, mas de toda a elite. Ademais, anunciavam as alterações que a cidade sofreria para a realização do evento e cogitavam a possibilidade de que mais de meio milhão de pessoas fossem levadas para as ruas. Nos anos seguintes, a competição passaria a ter uma cobertura mais constante e interessada pela imprensa.

A época das seletivas

Em 1954, os jornais anunciavam a 30ª edição da corrida e, com ela, uma “nova” fase: a implantação de preliminares que selecionariam os 300 melhores corredores do Brasil que, segundo a Folha da Manhã de 30 de dezembro de 1954, enfrentariam “os grandes fundistas que viriam da Europa e da Ásia para a maior prova pedestre do mundo”. Logo, considerando que o método anterior, aberto a qualquer atleta, era contraproducente, delimitaram a competição a menos de 400 homens, o que daria um novo feitio e melhor aspecto técnico.

Tal inovação buscava trazer melhores atletas brasileiros para vencer o evento e acabar com o jejum de vitórias, que se estendia desde 1946. E também visava dar um caráter mais sério à disputa, que sofria com problemas recorrentes de uma competição desorganizada. Exemplo notório foi que a largada de 1953 não fora dada pela organização, mas sim por um foguete queimado por um popular, fazendo com que centenas de atletas (inclusive Zatopek) partissem um minuto antes da hora marcada.

A São Silvestre chegou a ter 9,7 km por um ano, o de 1966, com largada e chegada na Praça Oswaldo Cruz, em um itinerário onde se corria nos dois lados da Avenida Paulista: o lado par na ida, em direção à Praça dos Expedicionários; o lado ímpar, no retorno. Contudo, apesar dos vários elogios a essa prova, considerada até então “a mais rápida desde a sua fundação”, em 1967 a organização estabeleceu o percurso que ficaria até 1979.

Ainda largando à noite do dia 31, as duas únicas características inalteradas até então, o percurso sairia do novo Edifício da Fundação Cásper Líbero, no número 900 da Avenida Paulista, e desceria a Avenida Brigadeiro Luiz Antônio, seguindo pelo Largo São Francisco e Rua Libero Badaró, e passando pelas poéticas avenidas São João e Ipiranga, até subir a Avenida da Consolação, chegando no mesmo ponto da largada, completando os 8,5 km de distância.

Desorganização

Embora os números oficiais deem conta de que a São Silvestre ainda tinha um teor seletivo, com não mais de 320 inscrições até 1971, a sua organização ainda apresentava problemas estruturais: em uma época pré-chip, em que apenas os dez primeiros tinham o tempo contabilizado, a única forma de saber seu rendimento era colocando papéis nos funis pós-corrida, que marcavam a ordem de chegada. O problema é que, muitas vezes, os funis se estendiam para antes do pórtico de chegada, com grandes filas. Na Folha de S. Paulo de 1° de janeiro de 1967, em uma brincadeira de previsão para o ano, uma delas era que “o brasileiro continuará na fila da São Silvestre”.

Outra previsão bem humorada, feita em 1969, era de que, naquele ano, “será mais fácil um americano (ou russo) descer na Lua que um brasileiro ganhar a São Silvestre”: uma piada que acabou acontecendo: os americanos chegaram à Lua e o Brasil amargava ainda o jejum de vitórias na competição. A presença vitoriosa do campeão da maratona olímpica Frank Shorter em 1970 e a supremacia nos anos 1970 do colombiano Victor Mora, que venceu em 1972, 1973 e 1975, colaboraram para que o jejum se perpetuasse.

Jejum esse que foi quebrado apenas em 1980, com José João da Silva, encerrando um período de 34 anos sem conquistas nacionais. Mas isso é assunto para outro post. Aguarde.

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