20 de setembro de 2024

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Sem categoria admin 4 de outubro de 2010 (0) (217)

A primeira maratona não dá mesmo para esquecer

Reza a lenda que a maratona surgiu com o soldado grego Pheidippides, que sacrificou sua vida para percorrer os 40 Km entre as cidades de Maratona e Atenas, na Grécia, em 490 a.C. O corredor teria trilhado a distância para levar a notícia da vitória sobre os persas e, assim que fez o anúncio, caiu morto. É verdade que não existe prova deste fato, mas a história (registrada pelo escritor Herodotus) é boa e inspirou a competição, que foi realizada pela primeira vez nos Jogos Olímpicos modernos de 1896, em Atenas, tendo como vencedor o grego Spiridon Louis, com o tempo de 2:58:50.

E foi em 1908, nos Jogos Olímpicos de Londres, que o percurso ganhou um trechinho a mais: para que a família real britânica pudesse assistir ao início da corrida do jardim do Castelo Windsor; o comitê organizador aferiu a distância total em 42.195 metros, que continua até hoje.

Aquele que começa a correr, logo se entusiasma com as provas de 10 km. Depois, os 21 km de uma meia-maratona aparecem como novo desafio. E quem está nesse caminho, certamente sonha com ela, a maratona. E a primeira ninguém esquece. É uma prova que requer preparação, dedicação, sacrifício, vem carregada de expectativas, medos, sorrisos e lágrimas, mas que, segundo aqueles que já participaram desse tipo de competição, provoca sentimentos inacreditáveis. Reunimos aqui algumas dessas histórias, que podem servir de inspiração para que você também chegue lá.

A FORÇA DA EQUIPE
"A primeira maratona não representa somente os 42.195 metros corridos no dia da prova. É necessário voltar quatro meses antes, quando tomei a decisão de fazer uma prova como essa. O máximo que havia experimentado eram duas meias (São Bernardo e Rio) no ano anterior, 2006. Foi parte de um plano de evolução e uma idéia compartilhada com vários amigos da equipe PlayTeam, com a qual treino. A estréia seria na difícil Maratona de São Paulo, em junho, com os seus túneis, suas subidas e o horário de largada desfavorável.

Faltando 20 dias para a prova, fiz o meu último treino longo – a ‘prova de fogo' de 34 km, correndo praticamente no horário da maratona, com todos os procedimentos e recursos que usaria no dia, incluindo a alimentação. Fui muito bem e naquele momento tive a certeza que poderia concluir a prova e se possível abaixo de 4 horas.

Na semana que antecedeu a maratona, foi a vez de me preparar psicologicamente, analisando o percurso. Minha equipe já tinha definido que teria um ponto de apoio dentro da USP e alguns amigos me acompanhariam nos 10 últimos quilômetros. Para mim isso era parte fundamental da estratégia.

No dia da prova, felizmente a temperatura estava agradável. Após a passagem do primeiro quilômetro, vi a placa no outro sentido marcando ‘km 41' e sinceramente pensei: ‘vai ser uma longa corrida até chegar por aqui de novo'.

Tudo estava indo bem, até mais do que eu planejara. Fiz a metade da prova num tempo abaixo do que esperava. O negócio é que depois da metade da prova as coisas mudam – e mudam bastante. A partir do km 28 comecei a sentir o peso de cada trecho e os tempos já não estavam como no começo. Era o sinal do desgaste depois de três horas correndo. Mas só tinha uma coisa em mente: chegar ao km 32, pois ali estariam as pessoas da equipe e o apoio tão desejado.

Esse apoio da equipe fez toda a diferença. No km 35, vi três amigos com problemas, praticamente andando. Foi sofrido vê-los assim, mas tinha que manter a concentração e me preparar para os túneis que estavam por vir. Depois deste momento o ritmo caiu muito, o apoio era o que me segurava e o que eu vi ao meu redor parecia um cenário de guerra, pois eu ultrapassava muita gente, muitos deles só caminhando, mancando ou então mesmo apoiados em algum lugar e exaustos. Pensava no fato que eu não era imune a isso e poderia ter alguma cãmbra também e comprometer toda a prova.

Cheguei ao km 41, aquele que vi no começo da prova, e pensei comigo mesmo que tinha sido uma grande jornada chegar até lá e agora faltava pouco. Também lembrei que no dia anterior à prova, encontrei o editor da Contra-Relógio, o Tomaz Lourenço, que havia comentado que correria a prova somente como treino para a Comrades e aqueles 41 km corridos por mim seriam quase a metade de sua ultramaratona.

Enfim, consegui terminar no tempo de 4h18. Cruzei a linha de chegada gritando de euforia e alegria por ter atingido a minha meta. Ao encontrar minha namorada, a abracei e comecei a chorar como uma criança; a razão na hora não era importante, foi só mesmo uma maneira de eu descarregar toda a concentração e controle psicológico que tive que manter durante a prova. Voltei para a casa com a medalha no peito, caminhando, com aquele sorriso de satisfação de saber que daquele dia em diante, eu não era apenas um corredor e, sim, um maratonista."
Marcelo Mauro, 31 anos, engenheiro

ESTRÉIA NA CHINA
"Comecei a correr em 2005 por meio da Widex, empresa dinamarquesa de aparelhos auditivos na qual trabalho há 10 anos como fonoaudióloga e que patrocinou a prova de revezamento Ayrton Senna Racing Day, em São Paulo. Continuei participando de várias corridas, mas todas de no máximo 10 km.

Em outubro de 2006 recebi um convite inesperado: fazer a Maratona da Muralha da China, com o tempo previsto para um atleta bem preparado de aproximadamente 4 horas. Para mim seria algo em torno de 6 horas!

Mais uma vez a Widex lançou o desafio: convidou representantes da marca em todo o mundo para que testassem seus limites, trabalhassem com garra e disciplina para chegar ao objetivo final, que era completar a prova. Foram escolhidos seis brasileiros – quatro homens e duas mulheres e eu era uma delas.

Em novembro viajamos para as Ilhas Canárias, onde o grupo de corredores se encontrou e conhecemos nosso técnico: um dinamarquês extremamente competente e maluco também, pois acreditou no potencial de cada um de nós. Éramos 40, de diferentes lugares do mundo. Fomos avaliados e recebemos todas as orientações de como treinar.

Voltamos ao Brasil ansiosos pelos seis meses que estavam por vir. Seria um treinamento duro: tiros, longões e escada… muita escadaria. Como não encontraríamos mais nosso treinador até a semana que antecederia a maratona, todo o suporte técnico e orientação, aqui no Brasil, foi realizado pela equipe de corrida SIX, de São Paulo.

Treinar não foi fácil. Além do desgaste físico, o emocional também afetava muito. Meus três filhos pequenos (9, 7 e 5 anos) sentiam minha falta. Tive que aprender a me organizar, priorizar, valorizar o tempo e os ganhos e a ouvir meu corpo.

Chegava o dia de reunir novamente todo o grupo. Nos encontramos em Kopenhague, na Dinamarca, e voamos todos juntos para Beijing, na China, para alguns dias de treinos finais e adaptação. Na noite que antecedeu a prova, se dormi quatro horas foi muito. Saímos do hotel às três da manhã e viajamos por três horas até chegar ao local da largada.

Preparações finais: número na camiseta, chip no tênis, MP3 no braço, boné, protetor solar, vaselina, cinto com garrafinha, gel, cápsulas de sal. Tudo pronto? Não, ainda tinha o GPS, para que nossas famílias e amigos pudessem acompanhar nossa corrida on-line, via Internet.

Nosso técnico chamou a todos e juntos fizemos uma grande roda, abraçados. Uma energia boa correu solta, meu coração batia forte. Demos um grito de guerra. Em seguida, o Marcelo Vasconcellos, diretor da Widex Brasil, chamou os brasileiros para uma segunda roda, disse que a escolha tinha sido acertada, que faríamos nosso melhor e que se qualquer coisa nos impedisse de terminar, ele continuaria orgulhoso do grupo da mesma forma. Não só meu coração batia forte, minhas lágrimas escorriam forte!

Tudo o que havia passado nos seis meses anteriores estava sendo colocado à prova. O percurso desta prova tem momentos distintos: dois trechos em que passamos pela muralha, um no começo e outro no final – e era aí que colocaríamos nossos treinos de escada à prova – e entre estes trechos, passamos por 25 km de asfalto e terra. Nesta etapa, vários chinesinhos ficavam com as mãozinhas abertas aguardando um ‘give me five' dos ‘malucos' que estavam passando. Só lembrava das minhas crianças.

Já havíamos completado 36 km quando não passei bem.   Senti uma fraqueza muito grande, não era um cansaço ofegante, minha pulsação estava boa, mas uma moleza e um mal-estar estomacal estavam me impedindo de continuar. Parei por uns minutos, coloquei a mente no lugar, pensei em coisas boas e no quanto tinha treinado para estar lá. Eu merecia terminar, aquilo não podia estar acontecendo a somente 6 km do final.

Respirei fundo e continuei a passos de tartaruga. Terminei a muralha e então faltavam apenas 5 km de descida. Entre passadas e lágrimas, estava literalmente correndo para o abraço. Peguei a bandeira do Brasil do meu bolso e com um sorriso de orelha a orelha, cruzei a tão sonhada linha de chegada! Terminei a prova em 6h40. Foi tudo tão perfeito que, já na chegada, começamos a pensar na próxima."
Lígia Assumpção De Marco, 36 anos, fonoaudióloga

UMA IDÉIA MALUCA
"Passei a me interessar por corrida em novembro do ano passado, quando recebi um e-mail da Corpore. Logo resolvi fazer uma prova de 10 km – terminei com o tempo de mais de uma hora e dores pelo corpo todo. Caiu a ficha que estava totalmente fora de forma. Mas me empolguei e encarei até os 15 km da São Silvestre, concluindo em 1h29, muito exausto.

Em janeiro decidi treinar. Mas treinar o quê? Parti para uma pesquisa na Internet e saí dando tiros de velocidade pra lá e pra cá, sem nenhum resultado, apenas fortes dores musculares. Consegui fechar poucas vezes 10 km em menos de uma hora. Conversei com alguns corredores mais experientes, fiz diversos exames e testes específicos. E passei a trabalhar mais com resistência. Fiquei animado com alguns resultados e meus tempos chegaram próximos de 55 minutos em provas de 10 km.

Resolvi focar em provas longas e parti para meias-maratonas: a de São Paulo fiz em 2h07 e a do Rio em 1h57. E pintou a idéia maluca de correr uma maratona. Maluca pois não tinha rodagem, força física, experiência suficiente para encarar uma prova extremamente longa. Mas pensei que teria como meta cumprir pelo menos 30 km. Escolhi a de São Paulo, em junho.

Uma semana antes da prova já tinha tudo arrumado para a corrida. Na verdade o que me restava era a preparação psicológica, pois a física não tinha mesmo. Antes de largar fiquei mentalizando a chegada. Vi em uma revista que antigamente para se ter sucesso em uma competição esportiva era necessário 80% de preparo físico e 20% de psicológico. Hoje já estamos em 60% de físico e 40% de psicológico e num futuro bem próximo chegaremos a 50% cada. Se for isso, o meu preparo ficou em 80% de psicológico e 20% de físico – acho que estou 100 anos à frente …

A maratona foi bem tranqüila até o km 25. Fechei 20 km com 1h53. A USP parecia um labirinto que a gente nunca saía e meus joelhos começaram a doer muito. Jogava copos e copos de água gelada e não adiantava nada, claro. Ficava pensando nos colegas e na família: que vexame seria desistir. Acho que esse foi a maior motivação para continuar, pois é ilógico você insistir em um ato que visivelmente está maltratando o seu corpo.

Completei minha primeira maratona em 5h05. A sensação é que parecia que aquilo nunca ia acabar… e acabou! Não tive uma reação extrema, nada de choro ou gritos. Achei graça, isso sim, pois na largada só pensava na chegada e agora na chegada só pensava… na largada. Como ficaria meu corpo depois dessa maluquice? Três unhas pretas, pés esfolados e muita dor nas pernas, costas e braços. Recebi muitos cumprimentos do tipo ‘você agora é um maratonista'. Mas tenho comigo que sou apenas um cara que correu uma maratona.

Detalhe: minha trajetória de corredor tinha tudo para dar errado. Para começar, sofro de um distúrbio chamado ‘doença celíaca' – uma alergia do aparelho digestivo a qualquer pitada de trigo, cevada, centeio e aveia – e para quem pratica atividade física, especialmente corrida, esses alimentos estão em todas as dietas. Desse modo, macarrão no dia anterior à prova é impossível para mim. Mais: começar a correr com 44 anos sendo totalmente sedentário, é estranho. Para completar, meu nariz é quebrado e só respiro por uma narina, logo há dificuldade em respirar pelo nariz. Vendo por esse prisma, a possibilidade que eu corra decentemente já é baixa. Que eu corra 10 Km, então, nem se fala. Uma maratona seria impossível – mas já fiz uma e vou fazer outras. Talvez seja a teimosia do sangue português."
Carlos Nadais, 44 anos, advogado e contabilista

DEPOIS DE UM INFARTO
"Sempre gostei de correr – pratico a atividade desde meus 17 anos, no tempo em que cachorro corria atrás de corredor. Mas regularmente, com um treinador, comecei em fevereiro de 2005. Resolvi procurar orientação também, porque, quatro meses antes, com 48 anos, tive um infarto. Os primeiros ‘treinos' eram caminhadas, dava nervoso, até mãe com carrinho de bebê era mais rápida que eu. Mas precisa ter modéstia, humildade e paciência para começar do zero. Com regularidade e orientação, meu rendimento foi melhorando.

A primeira prova que corri foi em dezembro de 2005, ainda mantendo a pulsação baixa. Logo depois, meu cardiologista me deu alta irrestrita e pude acelerar. Em maio de 2006 fiz 10 km em 51 minutos; a Meia de São Paulo em 1h47 e a do Rio em 1h56, com calor.

Fui ganhando confiança e no início deste ano, discutindo planejamento com meu técnico, optei por uma maratona. Decidi pela do Rio de Janeiro, em junho.

A maratona é uma prova fascinante, porém tem seu lado duro. É desafiante, mas você não tem certeza de que vai conseguir. Acho que tem que correr a primeira e ver como vai ser, aprender. Foi assim comigo.

Fui muito bem até o km 30, que passei em 2h47. Por volta desse trecho, em Ipanema, senti um cansaço mais forte. Era o primeiro aviso que o corpo dava. Quando cheguei ao km 35, me apavorei. No seguinte, senti cãibra. Pensava: ‘treinei tanto para desistir agora…' Como eterno otimista, calculei que alternando caminhada e corrida, terminaria em 4h30. Acontece que não conseguia mais trotar. Não era uma questão de persistir – minha perna simplesmente travou. No km 37 tomei dois copos de isotônico e parei. É muito difícil desistir. Claro que dá uma frustração.

Mas foi uma experiência bacana, um desafio enorme, aos 50 anos e infartado. Ficou o gostinho de tentar de novo, no ano que vem. Para quem pensa em correr uma maratona, digo: tente entender porque quer fazer isso. Se questione o quão grande é essa vontade, pois você paga um preço alto."
Gercílio de Lazzari Corrêa, 50 anos, engenheiro de produção

UMA SEGUNDA PRIMEIRA VEZ
"A primeira maratona não representa somente os 42.195 metros corridos no dia da prova. É necessário voltar quatro meses antes, quando tomei a decisão de fazer uma prova como essa. O máximo que havia experimentado eram duas meias (São Bernardo e Rio) no ano anterior, 2006. Foi parte de um plano de evolução e uma idéia compartilhada com vários amigos da equipe PlayTeam, com a qual treino. A estréia seria na difícil Maratona de São Paulo, em junho, com os seus túneis, suas subidas e o horário de largada desfavorável.

Dava minhas corridinhas na praia, mas comecei a me interessar mais seriamente no início de 1993, quando encontrei um amigo e um primo que me contaram que estavam treinando para uma maratona. Achei que era possível que eu corresse uma prova como essa também. Fui buscar orientação com o treinador Vanderlei de Oliveira, numa época em que não existia esse monte de assessoria esportiva de hoje. Lembro que ele me submeteu a um teste, no Constâncio Vaz Guimarães, orientando para que eu corresse três mil metros, progressivamente, iniciando mais lento e acelerando. Fiz o contrário. O Vandelei perguntou: ‘Você não entende nada de corrida, não é?' Eu falei que não. E passei a treinar para uma maratona no mês de novembro, em Nova York.

Fiz tudo direitinho. Mas acho que exagerei um pouco antes da prova e não fui bem. Conclui em 5 horas, sendo que me arrastei do km 31 ao 42. Perguntava o que eu tinha feito de errado. Sou super ansioso, cobrei demais de mim. Foi duro, fiquei traumatizado. Tanto que só agora, 14 anos depois, vou encarar outra maratona – a de Chicago, em outubro. Estou com medo – acho que até mais do que a primeira vez. Mas também acredito que estou melhor preparado, só que procuro não criar expectativa para não sofrer como em minha estréia."
Julio Ortiz Neto, 47 anos, administrador

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