Dada a aparente falta de importância do período, afinal as provas de 2017 ainda estão muito longe no horizonte, é comum que os treinos relaxem nesta época. No entanto, esta entressafra é justamente o período para construir o alicerce da performance do ano seguinte.
A periodização do treinamento é classificada e separada em diferentes períodos, dependendo do autor utilizado. Para corredores, no entanto, talvez o mais comum seja a divisão do treinamento em um período de base, o período específico ou competitivo e o período de descanso ou transição.
Apesar de existir uma quantidade razoável de literatura sobre a periodização do treinamento e sobre como lidar com o período "fora de temporada" ou off-season, a maioria do conhecimento na área se baseia na experiência de autores e treinadores, sendo muito mais o resultado do bom senso do que de estudos comparativos, que tenham efetivamente comparado diferentes maneiras de realizar a transição entre dos ciclos competitivos.
Assim, por mais que um treinador queira defender determinada forma de montar a periodização, dificilmente sua opinião será mais do que isso, uma opinião. Esta é uma parte do treinamento em que, infelizmente, faltam dados concretos para orientar o corredor.
Apesar das dificuldades, mesmo quando se estudam as propostas de diferentes autores para este período, alguns pontos em comum podem ser observados. Como resultado, oferecemos aqui um pouco do consenso e duas estradas completamente diferente que podem ser trilhadas, rumo aos recordes pessoais do ano que vem.
O CONSENSO. O principal ponto pacífico na literatura é a necessidade de descanso planejado. Pense no seu histórico de treinos: quando foi a última vez que você parou por algumas semanas, de forma ativa e consciente, sem ser por lesão ou pura falta de tempo? O descanso faz bem ao corpo e a mente, e deve sempre ser incluído na periodização (fase 1 no gráfico). Dependendo de quanto intensa tiver sido a temporada, este período pode durar entre duas até quatro semanas, porém neste extremo a possibilidade de incluir alguma outra atividade física (ciclismo, natação) na rotina, para preencher parte do espaço vazio deixado pela corrida, se torna mais importante.
Dentro do calendário brasileiro, em que as férias do corredor costumam coincidir com o início do verão e as festas de final de ano, é importante que o retorno conte com uma semana ou duas de transição e adaptação ao clima (fase 2 no gráfico), com treinos de intensidade baixa a moderada. Com o calor, o estresse térmico aumenta e uma série de adaptações ocorre logo nos primeiros dias de treino, mas é necessário permitir estes dias ao organismo, e por isso neste período a sobrecarga deve ser mínima.
O efeito mais notável do estresse térmico é um aumento da frequência cardíaca durante os treinos, pois uma quantidade considerável de sangue passa a ser bombeada para a pele, para resfriamento. Além disso, o suor também contribui para o aumento da frequência cardíaca, pois parte de sua composição vem da água no sangue. Com menos sangue disponível na circulação, a frequência cardíaca aumenta, contribuindo para aumentar a sensação de cansaço durante os treinos.
Passadas as duas fases iniciais – e mais fáceis – do período, começa a preparação real para a próxima fase competitiva. E é neste ponto que o corredor deverá escolher qual caminho seguir: o modelo clássico de treino de base ou uma periodização alternativa.
O TREINO CLÁSSICO. Tradicionalmente, depois do período competitivo, o corredor passa por uma fase de transição -qual falamos acima, o período de descanso – e retoma os treinos com o momento de base, este caracterizado por um aumento de volume e diminuição da intensidade das sessões (no gráfico, fases 3 e 4 do modelo tradicional).
O propósito desta fase, como o nome sugere, é criar um alicerce de volume e condicionamento aeróbico, a partir da qual o corredor poderá trabalhar novas intensidades em sua fase específica ou competitiva (veja a pirâmide). Dentro desta visão, o treinamento é uma alternância entre alargar a base e subir a pirâmide de desempenho. A divisão do período em duas fases (3 e 4) serve apenas para demarcar o ponto em que aumento de carga passa a ter um componente maior de intensidade ao final do período, já montando a transição para o competitivo.
A aceitação do modelo clássico é de certa forma intuitiva: faz sentido pensar em começar com cargas baixas, preparando o organismo para velocidades mais altas perto do período competitivo. Por outro lado, a realidade de muitos corredores é que seu volume semanal é insuficiente para utilizar a pirâmide tradicional. Pense na sua última maratona, por exemplo: você aumentou ou diminuiu seu volume de treinos nas 10 semanas anteriores à prova?
O fato é que grande parte dos corredores amadores trabalha para vencer a distância, de forma que o seu período específico de treinos consiste justamente em aumento de volume, sem dar muita atenção para o aumento de velocidade. É o exemplo do corredor que faz 30-50 km semanais e próximo da maratona aumenta seus treinos para 50-80 km por semana. Se no período específico o corredor trabalha o volume, quando a velocidade será trabalhada? Nesses casos cria-se um impasse e a velocidade acaba sendo prejudicada, sendo sempre um objetivo secundário dos ciclos de treino ao longo do ano todo.
A ALTERNATIVA. É aqui que entra a proposta de periodização "invertida" (fases 3 e 4 no sistema alternativo, no gráfico). Neste modelo, após o período de transição tem início uma fase de trabalho de velocidade, com volumes ainda baixos. A queda de volume ajuda a lidar com o retorno do período de transição, além de quebrar a monotonia dos treinos longos. Além disso, a manutenção de um volume mais baixo permite ao corredor focar o trabalho quase que exclusivamente em velocidade, com mais séries intervaladas e sem preocupação com o fundão do final de semana.
Com o fim do período de base (fase 4), as cargas de intensidade se estabilizam e o objetivo passa a ser aumentar gradualmente o volume sustentado nestas novas velocidades. Com o início do trabalho específico, pelo menos para as provas de fundo, o trabalho segue nesta mesma direção, aumentando ainda mais o volume de treinos, conforme as provas-alvo se aproximam.
VEREDITO FINAL. Este é um campo do treinamento que requer a experimentação individual do corredor. Considere seu planejamento do ciclo competitivo, defina qual é o parâmetro que você mais trabalha durante o ano (se o volume ou a velocidade), e tente montar uma periodização que trabalhe o oposto – em outras palavras, seu ponto fraco – durante os meses de verão.
Trabalhar os dois parâmetros, cada um a seu tempo, é a melhor forma de garantir que seu desempenho continue melhorando a cada temporada.