Os brasileiros que pensam em disputar uma corrida de rua no exterior, por certa inércia logo imaginam as provas tradicionais e badaladas, associadas a destinos turísticos, como Berlim, Nova York ou Paris. O que faz todo o sentido, já que viajar é caro, então se aproveita para correr e passear. Além do mais, é aposta certa: boa organização, tempos melhores pelo clima frio e uma história para contar que será admirada por amigos e parentes.
Há outras possiblidades, claro, como a que resolvi arriscar: correr uma prova típica, de uma cidade pequena, sem apelo turístico. Uma corrida feita pela comunidade para uma celebração local. Aproveitando uma passagem por Hannover, Alemanha, descobri a 7ª Burgdorfer Espargel-Lauf: a 7ª Corrida do Aspargo de Burgdorf.
Burgdorf é uma cidadezinha na região da grande Hannover, a apenas vinte minutos de trem da capital; ela faz parte da Rota do Aspargo da Baixa Saxônia. Com seus 30 mil habitantes, tem a arquitetura que os brasileiros costumam associar à Alemanha rural, por conta de algumas cidades do sul brasileiro. A corrida é parte das celebrações do Oktobermarkt, a Feira de Outubro.
O evento é uma experiência singularíssima para um brasileiro. Há cinco modalidades disponíveis: os tradicionais 5 e 10 km para adultos, acrescidos de uma distância menor: 2,5 km. Além disso, 660 metros para crianças e uma curiosa prova de 2,5 km de caminhada nórdica – uma modalidade de origem finlandesa com bastões, que reduz o impacto do exercício nos membros inferiores e estimula 90% da musculatura corporal.
A inscrição para qualquer das modalidades custava apenas 6 euros – cerca de 24 reais. O chip era dotado de um fio fino colado num papel, plastificado juntamente com o número de peito e mais uma folha com instruções. Afixa-se o plástico com as três folhas na camiseta e pronto.
Nessa edição havia meros 457 corredores inscritos, dos quais 99 crianças. A largada ocorre às 14h para elas e às 14h20 para adultos e adolescentes. O trajeto é totalmente plano e parte do centro da feira. Ao final da contagem regressiva, um dos organizadores larga de bicicleta, sendo seguido pelos corredores. Na primeira esquina, uma banda local saúda os competidores, que logo entram numa pequena mata, cujo piso varia entre areia batida e calçamento de pedra. O circuito tinha 2,5 km de extensão.
Com estrutura de prova tão enxuta e funcional, e público tão acolhedor, o corredor se sente importante. Um simpático locutor saúda cada um dos que finalizam o trajeto, dizendo seu nome e equipe. Depois de tomar o copo de água oferecido pela organização, os concluintes se dirigem a um trailer para devolver o plástico com o número de peito e o chip, colocando os alfinetes numa outra caixa, pois tudo será reutilizado. No ato da devolução, o corredor recebe não uma medalha, mas um certificado, com sua classificação.
Pode então aproveitar a feira, que dispõe de barracas de lembranças e food trucks com comidas de diversas: pizza, batata frita, salsicha, crepe, milho cozido, cogumelos, comida oriental, finlandesa e muitos drinks e cervejas locais, além de um improvável quiosque chamado Caipirinha Station.
Contrariando as expectativas, não havia um só prato de aspargos à venda na feira – tratava-se de oferecer à comunidade outros alimentos, não o que sempre se produz ali. Além do que, a estação dos aspargos vai do fim de abril até o fim de junho, como viria a saber depois.
Havia ainda dois palcos que apresentavam shows diversos. A impecável organização passava inclusive pelo banheiro químico da feira, a um custo de cinquenta centavos de euro, que contava com espelho, toalha de papel e uma perspicaz tubulação que conduzia os dejetos diretamente à rede de esgoto local.
Menos de duas horas após o fim da corrida, no site da prova já estavam disponíveis os tempos dos corredores e, menos de quatro horas depois, cada corredor recebia também por email a notícia de que as filmagens da chegada já estavam acessíveis no Youtube.
Foi, enfim, uma experiência memorável sobre outro modo de organizar e participar de uma corrida, sem patrocinadores, sem medalha e sem camiseta. Certamente, para o autor destas linhas, a melhor menor corrida do mundo.
Wilson Alves-Bezerra é professor, escritor e tradutor, em São Carlos, SP