POR DIOGO PROCÓPIO SPADOTTO | @procopio_spadotto
Se alguém me dissesse há 8 anos que a corrida, um hobby para aliviar o estresse e a ansiedade da adolescência, me levaria a correr 42 km em outro continente, eu não acreditaria.
Comecei a correr aos 14, em Botucatu, interior de São Paulo, como um passatempo. Já tinha testado vários esportes, mas não gostava de nenhum, não tinha coordenação motora para os esportes com bola e a academia achava entediante. Com o passar do tempo, fiz amigos que me apresentaram o mundo mágico da corrida, alguns deles foram meus treinadores e são pessoas que me inspiro até hoje.
Fui progredindo aos poucos, no começo só rodando, até que peguei gosto pelas provas de 5 km e 10 km. Depois de uns 4 anos, em 2020, fiz minha primeira meia maratona e dali em diante comecei a correr quase todos os dias e buscar mais performance.
Sempre gostei de correr qualquer distância, mas depois de um certo tempo queria ver se era resistente para ficar horas correndo e quem sabe um dia fazer uma maratona.
Em 2022, pós pandemia, me mudei para Belo Horizonte para fazer faculdade e comecei a perceber a corrida de um jeito diferente. Mesmo sendo um esporte individual, consegue ser muito sociável. Estava com 20 anos, já correndo consistentemente há uns 3 e agora tinha uma cidade inteiramente nova para correr e, como todo bom belorizontino, fui correr de sábado na Lagoa da Pampulha. Acabei fazendo amigos incríveis que me apresentaram todo o universo da corrida em BH e, com isso, a sementinha da maratona foi plantada: “Vamos fazer a do Rio no ano que vem! Todo mundo vai será super legal!”
OS PRIMEIROS 42 KM NO RIO. Em 2023, completei meus primeiros 42 km, no Rio de Janeiro, em junho. Fui muito mais feliz do que imaginava em todo o processo e acho que, por estar junto com amigos que também iam estrear na maratona, a sensação de pertencimento e de amizade foi muito forte e me apaixonei por aquilo, o clássico “ser picado pelo bichinho da maratona”. Depois de correr a primeira, me senti realizado, tinha feito tudo certo e a prova tinha sido linda, mas lá no fundo fiquei com a sensação de que poderia fazer melhor, de que não tinha entregado tudo que tinha.
Enfim, depois veio a clássica “deprê” pós-maratona e comecei a procurar outras provas para me inscrever. Por causa de um intercâmbio pela faculdade, já sabia que em 2024 iria cumprir um semestre de estudos na Europa. Então a ideia surgiu: “Por que não fazer uma maratona na Europa?” E foi quando achei a prova perfeita para meu RP.
A ESCOLHA. No começo eu estava em dúvida se correria Paris ou Sevilha, mas por Sevilha ser bem no começo do ano e mais plana, diferentemente da Maratona de Paris, que tem um bom ganho de elevação, escolhi a da Espanha. Achei também que seria mais fácil fazer metade do ciclo de preparação no Brasil porque estaria em casa e teria mais apoio e estrutura para treinar. Como a prova era no meio de fevereiro, comecei o ciclo específico em novembro. Já tinha planejado com meu treinador que faríamos umas 8 semanas de treino no Brasil e depois as últimas 5 na França, onde estou morando hoje. Sinceramente não achei uma data muito boa para dar início aos treinos pesados de maratona e nem o momento ideal porque ia passar por muitas mudanças nos meses seguintes. Com as ondas de calor no Brasil inteiro, era difícil treinar com 35/40 graus, mas não tinha outro jeito. Era isso ou nada.
Essa jornada toda foi um ciclo muito extremo. Eu achava que o calor do Brasil era pior, mas quando me mudei para a França peguei duas semanas com uma média de temperatura de -10 graus, as mais frias da minha vida. Estava totalmente sozinho porque não tinha mais o apoio que conseguia no Brasil. Não tinha roupa que esquentasse 100%. A única coisa que eu pensava era “tudo bem treinar nos extremos e na dificuldade, isso vai deixar a prova muito mais fácil”. E assim fui até o final. Passou rápido, muito mais rápido que o primeiro ciclo que tinha feito.
RUMO A SEVILHA. No dia 15/02, quinta-feira, peguei um voo para Sevilha. Como a prova era no domingo, 18/02, tive bastante tempo para turistar. É uma cidade magnífica, toda ensolarada, os espanhóis são muito simpáticos e agitados, muita história e uma cidade boa para correr. Cheguei e deixei minhas coisas no hostel. Fiquei em um quarto compartilhado com um americano. A cidade estava lotada, com todos os lugares possíveis reservados e preço lá em cima. Foi o único lugar que achei para ficar, mas foi excelente a estadia, que tinha até cozinha para usar. Comprei tudo e fiz todas as refeições antes da prova com o que já sabia que fazia bem pra mim.
Na sexta, dia 16/02, foi o dia de turistar pela cidade. Andei pelo centro histórico inteiro e fiz dois tours, um na Catedral de Sevilha e outro no Real Alcazar, que valeram muito a pena. Parei para aproveitar o sol em alguns cafés, e depois fui retirar o kit na expo. Bati muita perna nesse dia (rsrs).
EXPO E CORRIDINHA DE 5K. A feira é um pouco afastada do centro. Tive que pegar um trem de 30 minutos para chegar lá, mas é de fácil acesso. Muito grande o lugar e bem planejado. Há várias coisas dos patrocinadores, uma salinha que eles passam todas as instruções da prova e aqueles grandes mapas de percurso que todo mundo adora tirar foto. A retira do kit foi bem simples, só mostrei o passaporte e peguei os números de peito, da maratona e do Breakfast 5K Run, corrida que acontece no sábado de manhã pra animar a galera um dia antes. Achei o kit bem completo, com camiseta, mochila, manguito e uma bandana, além de barrinha e coisas para comer. Paguei 70 euros para a inscrição da maratona e 15 para a corridinha de 5 km.
Na expo tinha muita coisa boa, marcas de todo tipo, mas o maior estande, realmente gigantesco, era o da Asics, a patrocinadora oficial. Depois de tirar milhares de fotos e pegar tudo o que precisava, voltei para o hostel. Estava bem moído de passear o dia todo, mas ainda tinha mais um dia inteiro para descansar.
Sábado, 17/02, pré-prova, nada de muita novidade. Saí de manhã para fazer os 5 km da Breakfast Run bem tranquilo, só para soltar as pernas. Foi excelente porque a energia da galera já estava a mil. O emocional já foi lá pra cima. O resto do dia foi muita hidratação, carboidrato e descanso. Deitei cedo e consegui dormir umas boas 7 horas. Acordei às 5h30 no domingo.; a prova largava às 8h30.
O DIA D. Dia da prova, fiz tudo como de costume. Saí do hostel e fui de transporte público para a prova. Cheguei às 7h30 e larguei a mochila com as coisas do pós-prova no guarda-volume. Só faltava aquecer e largar.
Achei tudo excelente, muito bem organizado e demarcado. O guarda-volume ficava bem ao lado dos banheiros, que conseguiram atender todo mundo. Na prova havia postos de hidratação a cada 5 km, com água, isotônico (Aquario) e em alguns postos com gel da 226ERS.
O percurso realmente é muito plano, com um total de 68 m de elevação positiva. Havia uma linha verde demarcando os 42 km (para se fazer o percurso mais curto) e muita, mas muita torcida na rua. Todo mundo apoiando os atletas e vários pontos com DJ’s e música para animar a galera. Foi difícil não explodir de emoção no percurso.
Depois de aquecer, entrei nas baias de largada. Fiquei na segunda, depois da elite (verde 2h45 – 3h00). Tinha a pretensão de fazer o tempo um pouco mais baixo que isso, mas foi onde me colocaram.
Um minuto antes da largada teve um discurso e uma pausa de 42 segundos de silêncio em homenagem a Kelvin Kiptum, o recordista mundial da maratona, falecido dias antes. Largamos precisamente às 8h31, com 13 graus e céu azul, todo limpo. Mais feliz, impossível
A PROVA. Estava muito confiante. Depois dos 5 km tive a sensação de que com certeza iria fazer abaixo de 2h40, porque estava me sentindo muito bem. Foi muito fácil ficar no pace certo, porque tinha muita gente correndo em pelotões, todos muito rápidos, do começo ao fim.
Nos km 5, 10, 21, 30 e 40 tinha uma placa com o tempo bruto da prova passando. Fui pulando de pelotão em pelotão e acelerando do começo ao fim. Comecei conservador e passei a primeira meia para 1h20 cravada e me senti incrível até os 32 km.
Depois veio aquele “baque” e tive que me concentrar muito para manter os últimos 10 km entre 3’40 e 3’45 de pace.
No final, deu tudo certo. Dei tudo que restava de mim nos últimos 400 m em um sprint final e cruzei a linha de chegada em 2:38:32, exatamente o que tinha planejado, tirando 10 minutos do meu tempo do Rio.
A RECOMPENSA. Soube depois que por causa desse sprint final ultrapassei o garoto da minha categoria – um sub 23 anos – e com isso ganhei o troféu de 1º lugar na faixa etária em uma cerimônia de premiação para as categorias. O troféu é lindo e está escrito “Primeiro Lugar Categoria Promessa Masculino”.
Era o dia certo para performance e literalmente todas as condições estavam perfeitas. Para quem procura uma prova para RP, com certeza Sevilha é o lugar. Acho que é uma joia escondida entre as maratonas na Europa. Por causa da grande atenção e popularidade da Majors e outras provas maiores, o público geral não olha muito para Sevilha, assim como para outras boas maratonas europeias menores. Mas vale a viagem e é uma prova linda para correr.
Foi um dos dias mais felizes da minha vida. Até agora a ficha não caiu. Cada momento do ciclo em condições extremas que fiz valeu. Voltaria para Sevilha pelo menos mais uma 10 vezes.
Por fim, gostaria de agradecer a todos que estiveram presentes comigo nesse ciclo e que me apoiaram. Um abraço especial a minha mãe, a todo o time da BV Run&Tri, aos amigos da corrida em BH e ao meu velho amigo Emerson Nunes, de Botucatu. Amo vocês e sem vocês isso não seria possível.
Fotos: Arquivo pessoal