Durante 28 anos Andrea Carloni conciliou os treinos com o trabalho no mercado financeiro e com a criação dos filhos. Não fossem as planilhas, que sempre seguiu com disciplina, talvez não tivesse conquistado tantos pódios ao longo dos anos. Aos 47 anos, a atleta hoje tem sua própria assessoria esportiva e passa um pouco de sua experiência a seus alunos.
"Pratico esportes desde os cinco anos. Fiz ginástica olímpica por mais de 15. Senti a necessidade de me manter ativa em outro esporte e há 20 anos descobri o triatlo. Há 10 passei a me dedicar também às corridas. São minhas verdadeiras paixões. Durante este tempo, segui a planilha de um único treinador", conta Andrea.
Apesar de apaixonada pelo esporte, ela confessa que era preciso ser forte e treinar a mente para seguir as planilhas. "Cada treino era uma luta. Mas eu sempre fui muito determinada. Tinha minhas metas e trabalhava duro para cumpri-las." E foi exatamente quando passou a se dedicar exclusivamente ao esporte, em especial às ultramaratonas, que Andrea resolveu abrir mão das planilhas. Este ano, ela foi vice-campeã do El Cruce de Los Andes na categoria Damas B.
"Resolvi largar as planilhas no final de 2012, quando comecei a treinar para fazer ultras. Passei a me conhecer melhor e dar tempo para meu corpo se adaptar às mudanças. Não foi algo repentino. Ponderei durante um tempo, quase um ano. Logo depois de ter feito algumas provas de 50 km", conta Andrea, que recebeu o apoio de seu treinador. "Ele perguntou o que e como eu estava treinando e apoiou minha atitude, porque viu que eu passei a estudar muito a respeito de treinos e do corpo humano. O treinador é muito importante, mas desde que tenha vivenciado o que tenho de meta a cumprir. Assim, ele entende melhor as minhas dificuldades."
A atleta conta que mudaram a intensidade e o volume dos treinos, que respeitam mais os seus limites. Segundo ela, o rendimento não caiu e em algumas provas até melhorou, em relação a anos anteriores. "Aumentei o volume gradativamente. Tiros só uma vez por semana para não ficar muito lenta. Ouço meu corpo e sinto o volume necessário. Agora eu me conheço melhor e entendo mais os meus limites. Além disso, as corridas me dão muito mais prazer", conta a corredora que se prepara para os 120 km da Ultratrail Lavaredo, na Itália.
MOTIVAÇÃO E OBRIGAÇÃO – Embora o atleta que tenha corrido durante anos seguindo planilhas tenha – pelo menos na teoria – um bom entendimento a respeito do assunto, vale ter um treinador para trocar ideias sempre que for preciso. Cadu Soares, treinador da Ponto Corrido, assessoria esportiva do Rio de Janeiro, ressalta que qualquer problema pode desmotivar o atleta. "Ele deve saber dosar o seu treino para não se lesionar, mas também para não perder muito rendimento. Ambos os casos podem provocar desmotivação. Também vale observar que a corrida já um esporte solitário e é preciso gostar muito e ter dedicação para encarar os treinos fortes, em dias de frio, de chuva e os longos sozinho. Mesmo sem planilha é bom ter foco, metas e um objetivo em mente. Assim, mesmo só, haverá planejamento e motivação."
Treinar sem planilha não quer dizer necessariamente correr sozinho. Segundo Cadu, é um direito do atleta optar por isso e cabe ao treinador aceitar com naturalidade e respeitar esta decisão. "Não é por isso que o treinador vai abandonar o atleta. É sempre bom saber como ele está, principalmente se ele ainda estiver fazendo parte da equipe."
O empresário José Barreto, fundador da Acoruja (Associação de Corredores de Rua do Rio de Janeiro), um dos mais tradicionais grupos de corredores do Rio, começou a correr em 2002 e durante um período seguiu planilhas da treinadora Márcia Ferreira. Aos 60 anos, o corredor abriu mão delas quando começou a treinar com Arlete Adão, corredora experiente e com algumas vitórias em importantes maratonas. "Não queria mais me sentir na obrigação de ter que treinar todos os dias. Passei a treinar mais leve e respeitando mais os limites do meu corpo. Meu rendimento caiu um pouco, mas acho que por causa da idade, já que comecei a correr aos 50 anos. A corrida sempre me deu prazer e ainda me dá muito. Também passei a selecionar as provas. São no máximo três por ano. Todas de meia-maratona para cima", conta Barreto.
SEM COBRANÇAS – Aldo Kozlowsky é treinador da Runners Rio, um das maiores assessorias do Rio e embora não tenho visto ainda um aluno seu largar a planilha, garante que em cada esquina há um corredor que faz o que o corpo manda ou aguenta. "Há muitos casos de corredores que não têm mais paciência para seguir um treinamento personalizado. Aí o importante é não querer realizar treinos que eram feitos no passado."
Na opinião de Aldo, é comum um esportista, de alto rendimento ou não, que passou a vida seguindo uma pesada rotina de treinos, não sentir mais prazer naquela atividade. Por isso, é importante manter parte da rotina para não desanimar de vez. "Nesses casos, o treinador continua a ter um papel importante, como amigo e conselheiro. Temos que perguntar como andam os treinos, convidá-los para correr, incentivar. Só assim não haverá desmotivação. É uma relação diferente, mas sem cobranças", completa Aldo.
SEM PLANILHAS SEMPRE – Bicampeão da Maratona do Rio, da Meia Internacional do Rio, da Corrida da Ponte e da Volta à Ilha na sua faixa etária, João Carlos Lossano, de 59 anos, não abandonou as planilhas. Até porque nunca precisou delas para se tornar um dos mais competitivos corredores do Brasil em sua faixa. "Comecei a treinar sem planilha e como os resultados eram bons, ignorei-as. Meus treinos fugiam do habitual. Jamais treinei tiro. Detesto armas", brinca o corredor.
Sempre bem-humorado, Lossano confessa que até pensou na possibilidade de ouvir as orientações e seguir a planilha de um treinador. Procurou um mais próximo, que era seu amigo. "Conversando comigo ele disse que se tivesse ajuda profissional melhoraria o meu desempenho. Então contei para ele os meus tempos e os meus resultados nas provas e quis saber dele como me ajudaria. Ele limitou-se a dizer: ‘esquece'!", conta o corredor.
Mas Lossano garante que já diminuiu o ritmo e o volume de treinos. Agora já não pensa em estar na ponta em sua faixa etária, mas em curtir as corridas com os amigos. Sua "planilha" ficou mais leve. "Atingi 100 premiações num curtíssimo espaço de tempo e nunca tive uma corrida paga por alguém ou por uma empresa. Resolvi dar um tempo nas provas. Assim, naturalmente os treinos estão mais leves. Quero curtir um pouco as corridas com os amigos, sem cobranças. Para ser campeão, os treinos são pesados. Sempre exigi muito de mim; meu volume de treinos ficava entre 90 e 105 km semanais e em época de maratona batia nos 140 km. Hoje rodo entre 60 e 70 km por semana. Não vou negar que sinto saudades, mas é a vida. Conheci muita gente, fiz muitos amigos. Adoro correr", diz Lossano emocionado.