A São Silvestre passou por muitas transformações, enfrentou dificuldades, mudou o percurso várias vezes, perdeu a tradição inicial de ser noturna e próximo da passagem de ano, até chegar à imponência de hoje.
Não menos audaz foi sempre a mulher durante anos a fio com a sua luta pelo direito à igualdade não só na sociedade como também no esporte. No final dos anos 60, Roberta Gibb e Katherine Switzer se destacaram na luta feminina para provar que eram capazes de correr a maratona, o que aconteceu oficialmente somente nas Olimpíadas de Los Angeles, em 1984.
A primeira SS feminina só em 1975. Na São Silvestre elas começaram a participar junto com os homens, mas com premiação em separado, em 1975, por ocasião da ONU instituir o Ano Internacional da Mulher. Nas diversas alterações da prova, uma foi a separação das mulheres, mas num horário impróprio à luz da fisiologia para correr. Ou seja, às 15h15, enquanto os homens ficaram com o horário das 17h00. Num dia de muito calor elas ficam em desvantagem, o que, por sorte, não foi o caso de 2006.
Quando as mulheres foram incluídas, a prova já era internacional desde 1945. De uma certa forma o intercâmbio com escolas de treinamento mais avançadas trouxe novos horizontes e mais conhecimento para o treinamento delas e somente em 1995 as brasileiras brilharam com Carmem de Oliveira. De lá para cá a disputa passou a ser de igual para igual com vitórias de Roseli Machado em 1996, Maria Zeferina em 2001, Marizete Rezende em 2002 e agora em 2006 com a fantástica Lucélia Peres.
As marcas de Franck Caldeira e Lucélia Peres, 44:06 e 51:23, respectivamente, são as melhores do novo milênio. Embora nessa edição não tenha havido a participação expressiva de atletas estrangeiros, o mérito tanto no masculino como no feminino não foi menor. Franck Caldeira marcou 44:06 contra 43:57 do queniano Paul Tergat em 2000 e Lucélia fez 51:24 contra a iugoslava Olivera Jevetic com 51:38 em 2005. Claro, são situações diferentes, mas os brasileiros não foram incomodados em nenhum momento levando a crer que poderiam inclusive melhorar ainda mais por terem nitidamente corrido com sobra.
No decorrer desses anos todos houve muita crítica com relação à presença estrangeira. Entretanto, foi graças a isso que alguns atletas e treinadores puderam provar que somos tão capazes quanto eles de vencer. Que venham os quenianos, etíopes e quem quiser. Só que em igualdade de condições.
As mudanças vão continuar acontecendo no intuito de melhorar e cogita-se para este ano as mulheres largarem junto com os homens novamente, porém as atletas de elite saindo de 7 a 13 minutos antes, a exemplo do que já acontece com a Maratona de São Paulo e a Meia do Rio, e outras provas importantes. Espera-se com isso estimular uma sensacional disputa na chegada entre homens e mulheres com nítida vantagem para elas. Além de largar nas mesmas condições atmosféricas, na chegada haveria naturalmente uma boa disputa por conta da suposta guerra dos sexos.
As características da mulher corredora. Elas correm com mais suavidade parecendo flutuar. Embora no geral tenham menor força física, menor capacidade aeróbia e estrutura óssea mais leve, os quadris mais largos e fêmures convergentes dão a elas melhor capacidade de dominar e equilibrar o centro de gravidade. A força relativa de tronco/quadril facilita o domínio da passada mais suave. Os homens precisam movimentar os braços com mais vigor, pois a força física é maior, além de normalmente terem menor flexibilidade que as mulheres.
No geral elas também se machucam menos porque têm mais consciência das suas limitações, embora a determinação, a audácia e a vontade de vencer sejam as mesmas dos homens. Outro fato marcante nas mulheres atletas é a fidelidade ao treinamento e ao treinador, ao se identificarem com um plano e um caminho a seguir.
Os avanços da ciência e a qualidade do treinamento têm levado os atletas a marcas impressionantes e duradouras. Os técnicos mais atualizados sabem que o treinamento delas deve ser diferenciado dos homens, levando em consideração, além do perfil fisiológico citado, o ciclo hormonal. O desenvolvimento das valências físicas é planejado de acordo com cada fase do ciclo. Portanto, os treinos intervalados, os treinos fracos, os fortes, os longos, os descansos e até as competições são planejadas respeitando a fisiologia feminina, e isso dá certo. Excepcionalmente é possível inclusive manipular e/ou alterar o ciclo hormonal por conta de uma competição importantíssima, como é a São Silvestre ou uma Olimpíada. Não é nenhuma atitude ilegal, mas a classe médica especialista em Medicina Esportiva recomenda que fique restrita a apenas uma ou no máximo duas vezes ao ano, visando a preservação da saúde da atleta.