Performance e Saúde Redação 15 de junho de 2018 (0) (168)

Na saúde… e na doença?

Apesar de todos os benefícios que a corrida acarreta, o exercício físico em si nada mais é do que uma leve agressão ao nosso corpo. E se por um lado esta “violência” – se executada de maneira correta – levará a um processo adaptativo e em respostas positivas para a saúde, por outro lado existe o risco de uma carga exagerada resultar em lesões ou problemas crônicos como o overtraining.

Existe ainda a possibilidade de que o estresse causado pelo exercício interfira com o sistema imunológico – responsável por defender o organismo contra infecções – e torne o esportista mais propenso a determinados tipos de doenças, especialmente as relacionadas com as vias respiratórias. Como qualquer corredor que já tenha passado por isso sabe, poucas coisas no treinamento são tão decepcionantes quanto uma gripe ou resfriado nas semanas anteriores a uma prova-alvo, ou pior ainda, no dia de uma competição para a qual meses de preparo foram dedicados.

Além dos glóbulos vermelhos, conhecidos dos corredores por serem as células responsáveis pelo transporte de oxigênio, nosso sangue ainda possui os glóbulos brancos – os “soldados” que têm a função de defender o organismo contra organismos invasores. O exercício agudo de alta intensidade (ou longa duração) afeta diferentes populações destas células, causando um efeito imunossupressor temporário, em que a capacidade de defesa do organismo fica comprometida.

Assim como no sangue, nas mucosas (tecidos que revestem as vias respiratórias) também possuímos determinados tipos de agentes de defesa – sendo estes consideradas a primeira linha contra infecções respiratórias – que são “agredidos” pela carga estressora do exercício.

Não surpreendentemente, corredores reportam problemas respiratórios, após um esforço máximo (por exemplo, uma maratona), ainda que uma relação direta de causa e efeito não tenha sido estabelecida até hoje. Além de alterar o funcionamento do sistema imune, o exercício também gera dano muscular, cuja resposta inflamatória (e subsequente processo de adaptação) se dá justamente pelo uso de células ligadas ao sistema imune.

Em outras palavras e de modo simplificado, é possível que parte da capacidade do sistema imune se volte ao reparo dos danos causados pelo exercício, enfraquecendo a capacidade de resposta contra agentes patológicos.

SISTEMA IMUNOLÓGICO. Apesar dos efeitos agudos, hoje se sabe que o exercício, de modo geral, é positivo para o sistema imune, quando se é saudável: períodos de treinamento protegem indivíduos ou diminuem a gravidade de infecções. Por outro lado, quando se está doente, exercitar-se de forma extenuante é uma péssima ideia. Com as defesas do organismo baixas, modelos experimentais mostram que diversas infecções agudas podem se agravar substancialmente, após uma carga alta de exercício.
Neste ponto você pode estar pensando “ok, mas que tipo de corredor corre, quando deveria estar de cama?”. É um argumento válido, pois a ideia de não se exercitar quando se está doente pode parecer óbvia. Mas voltemos ao exemplo do atleta que está em seu pico de preparação; imagine aquele dia em que ele acorda se sentindo “mais ou menos”, com leve dor de cabeça e nariz fechado, mas pelo medo de estar apenas inventando desculpa para não treinar, resolve sair e cumprir a planilha.
Esta é a situação a que muitos se expõem, e com frequência acaba tendo um resultado pior que o imaginado. Da mesma forma, muito corredores erram ao voltar a treinar rapidamente e muito forte, enquanto estão se recuperando de uma gripe, por exemplo, o que por reagravar a infecção e prejudicar o treinamento, muito mais do que a sessão perdida.

CASO PRÁTICO. Vejamos um exemplo prático desta situação. No gráfico, temos a situação real da frequência cardíaca (FC) de um atleta (neste caso um ciclista), que realizou três sessões de treino quase idênticas, mas que por acaso foram separadas por um breve resfriado, entre a primeira e a segunda sessões.
O ciclista voltou a treinar leve no primeiro dia em que se sentiu “bem”, e três dias após realizou a sessão intervalada “pós-resfriado”. Duas semanas depois (Pós+2 semanas no gráfico) o atleta repetiu a sessão mais uma vez. Repare como a FC cresce de forma mais acentuada durante os intervalos (os 3 períodos de FC elevada após o aquecimento) no dia pós-resfriado, e anda mais explicitamente quando a recuperação durante as pausas é fortemente atenuada.
Estes dois sinais são dos mais claros exemplos de que o organismo não está pronto para lidar com uma carga elevada de esforço, e que a sessão deveria ser encerrada. Neste exemplo, o atleta tentou prosseguir, mas foi incapaz de terminar o terceiro tiro (nos demais dias houve ainda um quarto tiro, omitido aqui), mas isso não trouxe complicações de saúde.
Utilizar ferramentas de controle de intensidade, como a FC, pode ser de grande valia nestas situações, pois em alguns casos as respostas podem vir antes que o corredor perceba sua “incapacidade”. No exemplo citado, o atleta não acusou diferenças de percepção de esforço antes da metade da segunda série, enquanto sua frequência cardíaca já demonstrava claramente alterações relevantes desde o primeiro tiro.
A recuperação da FC após uma série costuma ser um dos indicadores mais fidedignos da capacidade do organismo de lidar com o estresse da carga, melhor até que a FC durante o aquecimento e a série em si. Em um paralelo, enquanto os dois últimos acenderiam a luz amarela para o corredor, a falha em recuperar a FC é o sinal vermelho para a continuidade da sessão.
Do ponto de vista de treinamento de longo prazo, ser cauteloso e descansar por alguns dias a mais, seja antes ou depois de problemas, como uma gripe leve ou resfriado, é normalmente a decisão mais sensata. Se o organismo estiver de fato pronto, as próximas sessões de treino serão excelentes, e a carga poderá ser recuperada de forma mais acentuada, caso um treino importante tenha sido perdido. Na situação inversa, evita-se a criação de uma janela de exposição para problemas mais sérios, que impediriam o treinamento por um período maior, o que seria ainda pior.

 

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