Notícias admin 4 de outubro de 2010 (0) (113)

Berlin Läuft e Maratona de Praga

Ainda desconfio dessas modernidades com muita ciência, e a prudência me fez acessar o site da Maratona de Praga, que seria dali a uma semana, para confirmar minha inscrição. A ciência venceu. Tudo certo. Menos a insônia. Decidi conferir, então, o calendário das corridas internacionais daquele domingo, para ver as chances de algum "nome de renome" conseguir o índice para as Olimpíadas. Maratona d'Europa, Maratona de Vancouver, Berlin Läuft, Maratona de Cracóvia… Berlin Läuft. O tempo que levou para a página da prova ser acessada foi o mesmo que precisei, confuso com o quase-sono-semi-desperto, para entender que eu estava em Berlim, a catorze estações de metrô do local da largada.

Seis horas depois, era o hotel que estava a catorze estações de metrô. Como o último treino longo já estava feito, achei que 10 km, uma semana antes da maratona, era o suficiente. Vinte euros para a inscrição e a camisa do Brasil, velha, modelo Copa de 98, estava com o número de peito 5589 pendurado. Esse, o kit da corrida. Sem camiseta ou quinquilharias. Nem chip. Era opcional e poderia ser alugado, só para aquela corrida, a 6 euros, ou comprado, para sempre, por 31 euros. Nem um, nem outro. Pouco me importava o tempo líquido, ou a menção a meu nome na página da corrida.

A largada era organizada por tempo estimado de prova e, ao contrário do que se passa no Brasil, os corredores, espontaneamente, dirigiam-se às baias referentes ao tempo que esperavam fazer. Lá não tem malaco. Se tem, ficou tímido.

"Vier, drei, zvei, eins…" e o tiro seco de espoleta, à moda da Guerra Fria, deu início à prova. Parte do Muro, derrubado em 89, segue alto, com todos os seus grafites, dividindo as provas de 25 km e 10 km. Ocidente e oriente. O trajeto dos 25 km passa pelo meio da cidade, com considerável presença de público, o que não ocorre com a prova menor (os trajetos se bifurcam a partir do 4º km). Nos 10 km, prova de amadores. O vencedor não fez mais que 36:07. Para a distância maior, mais e melhores corredores, a ponto do queniano (os onze primeiros colocados eram quenianos) Patrick Ivuti, vencedor da Maratona de Chicago de 2007, terminar em segundo lugar (1:14:04), atrás de Samuel Karuku (1:13:50). Vi-os passar a dois metros, pelo km 23, quando me preparava para ir embora. O modo de tocar o solo, o movimento de braços, a posição dos joelhos, tudo faz crer que eles praticam outro esporte. Não é o mesmo que o meu.

Nada mais que água, e em um único posto, por volta do km 5, é oferecido aos participantes dos 10 km, o que não chega a ser problema. Umidade e temperatura perfeitas, aliadas ao percurso plano, deixam claro o motivo da Maratona de Berlim ser propícia para a quebra de recordes. Os copos plásticos são arremessados em redes de nylon, colocadas cerca de 100 m depois do posto de água. No final da prova, chá, refrigerantes, cerveja, frutas e carboidrato em gel, tudo germanicamente organizado.

A chegada é redentora. Os últimos 300 m são percorridos na pista do estádio olímpico de Berlim, tomado por parentes aguardando os corredores e aplaudindo todos os que apontavam na reta. Para quem leva a prova a sério, acho que, nesse momento, o "pulmão 2" começa a funcionar e o cara tira forças de onde não tem. Foi nesse estádio que, em 1936, Hitler, então chefe do estado alemão, não viu Jesse Owens, um negro americano, triunfar nas finais olímpicas dos 100 m, 200 m, 4×100 m e salto em distância. Não viu, porque, pouco antes, ao saber que teria que apertar a mão dos campeões olímpicos e vendo Cornelius Johnson, outro negro americano, vencer no salto em altura, retirou-se. Era só mais uma de suas covardias (na última, acuado pelo exército soviético, suicidou-se). Naquela tarde, a SS, de JeSSe, derrotou a Alemanha.

Do Muro para a Ponte. Alguns treinos leves e muitos museus, monumentos, restaurantes e lojas depois, estava com o kit da Maratona de Praga em mãos. Camisa Adidas, número de peito, e uma revista sobre corridas. Em tcheco… Antes de retirar o kit, era necessário fazer um depósito de 15 euros, como garantia de que o chip seria devolvido. O chip vinha preso no verso do número de peito, protegido por um plástico. E ali deveria permanecer. Não era para ser amarrado no tênis. Ao final da prova o chip é entregue em um estande, e o depósito, restituído. Trocar o chip pela medalha, como fazemos aqui, sem necessidade de depósito em dinheiro, é uma idéia muito complicada para quem oferece cerveja na véspera da prova e na chegada.

Embora haja pacers (marcadores de ritmo), não há baias de divisão por tempo. E, lá, diferentemente do que se deu em Berlim, a nata da malandragem da corrida estava presente, esforçando-se para largar o mais próximo possível da elite, ainda que a pretensão fosse de completar a prova em 6 h. Assim como acontece em diversas provas brasileiras, os Gérson, que, em Praga, devem se chamar Jèrszky, ou qualquer outra coisa com mais consoante que vogal, atrapalham o início da prova de quem pretende baixar suas marcas pessoais.

O relógio astronômico da Prefeitura marcava 9 h, quando os balões coloridos começaram a subir, revelando que a prova havia começado. A multidão de atletas parecia não se importar com a "procissão" dos 12 apóstolos, um interessante ritual de bonecos que, a cada hora cheia, aparecem em portinholas da torre da Prefeitura, na praça da cidade velha, e giram, como em um carrossel, antes que o sino badale.

Passado o primeiro quilômetro, cruza-se a Ponte Carlos, rumo ao bairro de Malá Strana. Construída em 1357, por ordem de Carlos IV, é um dos monumentos mais suntuosos de Praga, com estátuas sacras ao longo de sua extensão. A vista, com o castelo ao fundo e o sol refletindo nas águas do rio Vltava, é arrebatadora.

Entre o quinto e o décimo quilômetros, afasta-se do centro e o público, que não era propriamente entusiasmado, diminui, o que voltaria a se repetir entre os quilômetros 16 a 23 e 28 a 40. O percurso é majoritariamente plano, embora haja alguns poucos aclives e declives, com parte da prova sobre piso de paralelepípedo. Nada muito grave.

A cada 2,5 km há postos de água e esponjas. A cada 5 km, além de água, há isotônico e frutas (banana, maçã e laranja), o que se repete na chegada. Oferecer água e isotônico no meio da corrida em copos de plástico comuns, sem tampa, ao invés de usar copos com lacre de alumínio ou garrafas plásticas pequenas, só pode ser obra de quem jamais teve que correr e ingerir líquido simultaneamente. E, na chegada, estão à disposição latas de cerveja (devem ter sobrado do almoço do dia anterior, não há outra justificativa), que os atletas consumiam como se estivessem em Ipanema, assistindo à Meia do Rio, com o sol na nuca.

O último quilômetro é percorrido na Rua Parizska, onde está a maioria das lojas de grife da cidade. Omita deliberadamente essa informação de sua esposa, a menos que esteja precisando de milhas em seu cartão de crédito para a passagem de volta.

Mais detalhes: www.berlin-runs.com; www.praguemarathon.com

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