Performance e Saúde admin 15 de junho de 2018 (0) (321)

Como fugir do “urso” em uma maratona

Cansaço generalizado, redução não intencional de ritmo, desejo de caminhar e troca do objetivo de performance para sobrevivência; estes são os sintomas da parede dos 30 km da maratona, o popular "urso". Essa diminuição brusca e exagerada de ritmo e de percepção de dificuldade é normalmente atribuída a uma redução prematura (antes da linha de chegada) dos estoques de glicogênio do fígado e dos músculos. O problema, no entanto, não é somente nutricional, como pode parecer à primeira vista.
Em repouso, o corpo humano utiliza predominantemente gordura como fonte de combustível, mas conforme aumenta a intensidade de exercício, os carboidratos passam a se tornar dominantes, até que em altíssimas intensidades praticamente 100% da energia produzida é derivada da queima de deles. O organismo, no entanto, possui um estoque bastante limitado dessa substância energética, armazenada na forma de glicogênio no fígado e nos músculos, que são utilizados em largas quantidades em uma maratona. Além de servir de combustível para a corrida em si, o carboidrato possui uma função ainda mais nobre: manter a glicemia sanguínea.
Enquanto os estoques musculares de glicogênio são para uso próprio, o fígado libera glicose para a corrente sanguínea, para ser utilizada por outros órgãos além dos músculos, como o cérebro. Este é extremamente seleto no que diz respeito ao tipo de combustível que utiliza para gerar sua energia, dando preferência quase exclusiva aos carboidratos. Assim, se a queima da substância for demasiado alta durante uma maratona, esta queda nos estoques de glicogênio do fígado e dos músculos é "sentida", e o cérebro desliga a "chave-geral", ou seja, cria uma sensação de fadiga extrema para que o ritmo de atividade seja diminuído, de forma que a intensidade volte para uma zona em que se utilize gordura e não carboidratos para produzir energia.

CONDICIONAMENTO DEFINE. É neste ponto que entra a importância do condicionamento aeróbico para a preservação dos estoques de glicogênio do organismo. A capacidade aeróbica de cada corredor determina que tipo de substrato (gordura ou carboidratos) o organismo irá utilizar para produzir energia em uma determinada velocidade de corrida. Quanto mais bem treinado for um indivíduo, maior será a queima de gordura (e consequente preservação de carboidratos). Outros fatores, como a economia de corrida (gasto de oxigênio para correr em uma velocidade), também serão importantíssimos para determinar o custo absoluto de calorias necessárias para correr e qual o tipo de substrato utilizado para produzir esta energia.
Dessa forma, o treinamento aeróbico é efetivo em combater o "urso" em duas frentes diferentes: primeiramente os treinos no ritmo certo irão melhorar a economia de corrida naquela velocidade (a prática leva à perfeição!), reduzindo o custo calórico total da corrida. Segundo, o treinamento aeróbico aumenta a predisposição do organismo para a queima de gordura, de forma que em uma mesma velocidade uma pessoa melhor treinada não somente estará gastando menos energia, como também estará queimando gordura e, assim, mantendo os estoques de carboidratos em níveis adequados. Existe ainda uma terceira forma pela qual o treinamento aeróbico combate o "urso", que é pelo aumento dos estoques intramusculares de glicogênio, o que também permite que o corredor sustente determinado ritmo sem quebrar.

DIETA PRÉ-MARATONA. Independente do grau de treinamento, no entanto, diversos corredores não conseguirão chegar no ponto em que estarão aptos a completar a totalidade de uma maratona sem que suas reservas de carboidratos sejam depletadas antes do final. Por isso, para provas de longa distância é importante possuir uma estratégia sólida (testada anteriormente em treinos, sempre!) de alimentação. Uma das ferramentas é a chamada supercompensação de carboidratos, que consiste em consumir grandes quantidades da substância nos dias anteriores à prova (no período de polimento, quando a carga de treino diminui), para maximizar as reservas musculares de glicogênio.
Outra ferramenta largamente utilizada é a suplementação de carboidratos durante a prova, pois a ingestão de glicose de fontes externas (géis, bebidas esportivas, frutas, etc.) reduz o esvasiamento dos estoques de glicogênio. Esse tipo de suplementação deve ser calculado de acordo com o gasto calórico do corredor, e ele deve treinar essa suplementação durante os longões, para sentir se ela lhe dá suporte e não lhe causa mal-estar, ou seja, se "cai bem".
Existem outros motivos pelos quais um corredor pode encontrar o tal urso no final de uma maratona, como o aumento desproporcional da temperatura corporal, por exemplo. A grande maioria, porém, compartilha uma raiz semelhante: a falta de treino ou de preparo. E quando se fala em falta de treino e preparo, não estamos nos referindo apenas à diferença entre pessoas treinadas e destreinadas, e sim ao fato de um corredor treinado para correr confortavelmente em 3 horas os 42 km, por exemplo, resolver tentar fazer a maratona em 2h45 sem estar condicionado para tal. O corredor deve repetir na prova aquilo que testou no treino.
O urso pode até morar no 30º quilômetro, mas seres humanos evoluíram para percorrer distâncias bem superiores a 42.195 metros.

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