Contra-Relógio: Você não é muito conhecida dos corredores brasileiros porque se divide entre a rua e a pista.
Fabiana Cristine: É verdade, mas essas duas participações se complementam e curiosamente meus momentos iniciais no esporte foram em provas de rua, depois praticamente apenas pista (e cross) e nos últimos anos os dois tipos de competição.
Como foi esse começo?
Morava em Recife e tinha duas amiguinhas que estavam sempre correndo e eram levadas pelo pai para participar de provas nos fins de semana. Comecei a correr com elas e pedi a minha mãe se poderia também competir e assim, aos 8 anos, já entrava em corridas, orientada pelo pai das amigas, junto com outras crianças. Íamos para as provas de ônibus comum, ganhávamos lanche e mais nada. Logo minha mãe passou a também acompanhar, mesmo porque geralmente eu conseguia ficar entre as primeiras colocadas.
Então seus primeiros anos de corrida se restringiram a competições no Nordeste?
Sim, mas com 13 anos eu fazia minha grande estréia, correndo a São Silvestre e chegando na 19ª posição geral.
Com 13 anos, 19ª em São Paulo?
Pois é, eu já tinha conseguido um feito e tanto ao vencer a seletiva para a SS lá em Recife, e essa seletiva era coisa muito séria (e ainda é). Então viemos de ônibus, uma delegação, e consegui ser a primeira pernambucana na mais importante prova de rua do Brasil, que, diga-se de passagem, me deslumbrou.
E esse resultado alterou os rumos de sua vida?
Mudou sim, a começar por passar a ser treinada por um técnico com mais conhecimento (Evandro Cabral), que me tirou das provas de rua, mesmo porque tinha achado absurdo eu ter corrido os 15 km da SS. Então meu foco ficou nas pistas, onde competia nos 1.500, 3.000 e 5.000 e por vezes também nos 10.000 m.
E sua primeira competição internacional quando foi?
Foi no Peru, quando eu tinha 14 anos, em um Sul-Americano Juvenil; consegui a 3ª colocação nos 3.000 e 10.000 m.
Além das provas de pista você tem também uma carreira de sucesso em torneios de cross country.
É verdade, me dei muito bem nessa modalidade, tendo participado de cinco Mundiais de Cross e ganhado todos os títulos possíveis brasileiros.
Dá para notar, então, que você ainda bem jovem já era uma atleta de verdade, inclusive recebendo recursos financeiros por sua dedicação.
Desde os 13 anos eu passei a ajudar em casa, o que se manteve nos anos seguintes, sem nunca ter enfrentado dificuldades.
Esta é uma grande diferença quando o atleta se dedica apenas às provas de rua, em que os prêmios são ocasionais, não é?
Com certeza; tenho patrocínio há muitos anos, o que me garante um rendimento fixo, entrando os prêmios de competições como um extra no meu orçamento.
Você é casada com Daniel (Lopes Ferreira) há muitos anos, também atleta de expressão, com várias vitórias em provas de rua. Como foi que vocês se conheceram?
É engraçado porque fomos nos conhecer na Hungria, durante um Mundial de Cross. Nas apresentações dos atletas brasileiros soube que ele também era pernambucano (de Garanhuns), apesar de estar por SP no evento, e daí surgiu uma relação. Eu tinha então 14 anos e com 16 passamos a morar juntos, inicialmente em Taubaté, depois Itatiba e novamente Taubaté, onde construímos uma casa.
Agora vamos falar de um período duro, quando você enfrentou uma lesão séria e uma recuperação longa e difícil.
Foi mesmo muito ruim. Apareceu uma bursite em meu calcanhar direito, uma calcificação óssea que exigiu uma delicada cirurgia. Depois começou a fase de recuperação, com muita fisioterapia, bicicleta para não perder a forma (que estava ótima antes dessa lesão) e também horas de caminhadas.
Você ficou de molho por quase um ano e voltou com uma grande vitória na prova General Salgado em Taubaté, no final de fevereiro.
Essa prova para mim foi sensacional, porque não apenas representou minha volta, como me deu confiança que eu continuava uma atleta em condições de conseguir grandes marcas e vitórias. Eu vibrei demais quando vi que iria vencer e cheguei chorando.
E a vitória na Tribuna FM?
Essa é outra história, mas também com sofrimento. Na semana da prova fui fazer um treino em pista e comecei a sentir uma dor na coxa esquerda. Como logo depois dessa corrida teria, em São Paulo, um 5.000 m de grande importância para mim, pois tentaria índice para Pequim, fiquei preocupada em entrar na corrida de Santos e piorar essa lesão. Falei pela internet com meu técnico (Marco Antonio de Oliveira, Marcão), que está na China trabalhando, troquei idéias com o Daniel, e decidimos que iria para a prova, mas que não forçaria se sentisse dor e até desistiria, se fosse o caso. E nos dias anteriores, muito gelo, massagem etc.
Você entrou na prova confiante?
Nem um pouco, a ponto de ter uma crise de choro pouco antes da largada. Estava bem treinada com reais chances de vitória (para repetir meu feito de 2000), mas muito tensa, preocupada com a dor na coxa e sem saber se ela me tiraria da competição. Queria que o ritmo fosse lento e a decisão apenas perto do final, porque tenho uma chegada forte. Passamos o 1º km em 3:22 e achei bom; no km 4 uma das quenianas ficou e fomos eu, a Marcinha (Narloch) e a outra queniana, Anne. No km 6, a Marcinha me disse que iria diminuir o ritmo e me estimulou a atacar a queniana, falando que a prova era minha. No km 7, Daniel, que estava no carro madrinha, gritou para eu apenas seguir a queniana e me guardar para o último quilômetro. A queniana insistia para que eu ficasse ao seu lado (e não pegasse o vácuo), mas eu me mantive atrás e faltando 500 metros ataquei e cheguei até com certa folga.
E nada de dor?
Se teve, nem sei, porque na hora que você está disputando e se sentindo com garra para vencer, você esquece tudo. Mas nos dias seguintes continuei a cuidar da lesão para correr bem nos 5.000 m do meeting paulista.
Em Santos, você ganhou um carro de prêmio, seu terceiro. No começo do ano você teve que brigar na justiça para receber o carro da Prova de Reis, de Cuiabá, porque a queniana vencedora estava em situação irregular no país, e, portanto, você como segunda colocada teria esse direito. O que acha da presença dos quenianos no Brasil?
Não tenho nada contra eles estarem no país competindo, apenas considero que devem existir regras e elas devem ser respeitadas. Lá fora, as coisas são assim, e os estrangeiros só podem entrar em competições "internacionais", devidamente convidados. No ano passado passei dois meses na Itália treinando e entrando em alguns eventos devidamente acertados, enquanto aconteciam dezenas de corridas de rua com boa premiação, mas que eu não estava autorizada, como atleta profissional, a participar.
E a São Silvestre? Uma vitória na prova representa uma meta?
Francamente não tenho um foco na SS, apesar de participar eventualmente (fui 5ª em 2000) e saber da importância de ganhar essa competição. Acontece que a pista continua sendo meu principal objetivo e, especialmente a participação em Olimpíada e Pan-Americano, que nunca consegui, geralmente pela ocorrência de lesões pouco antes dos eventos seletivos. Mas vou continuar trabalhando para que esse sonho se realize.
FICHA TÉCNICA
Fabiana Cristine da Silva
29 anos; 1,65 m; 52 kg
– Hexacampeã brasileira dos 5.000 m
– Tetracampeã brasileira dos 1.500 m
– Campeã brasileira juvenil dos 1.500 m e 5.000 m
– Tricampeã brasileira juvenil de cross
Patrocínios: BM&F, Pão de Açúcar e Prefeitura de São Caetano