Sem categoria admin 4 de outubro de 2010 (0) (112)

Quando o problema são os pais e os treinadores

Um bom exemplo de interferência nesse processo é quando os pais tentam fazer a criança andar antes da hora, colocando-as nos famigerados andadores. Além da criança não andar antes do tempo, quando o faz realizam os movimentos sem um perfeito equilíbrio e noção espacial. Ou seja, as respostas motoras obedecem a uma progressão de desenvolvimento natural estabelecida pela própria natureza.

O modelo de seqüência inter-habilidade é bem aceito na comunidade científica, sendo o mais divulgado o representado por uma pirâmide onde na base encontra-se o primeiro estágio de movimentos reflexos do recém-nascido (agarrar), passando pelos rudimentares (engatinhar, marchar), os fundamentais (correr, saltar, lançar, puxar, empurrar, trepar) e os refinados movimentos esportivos no topo.

A corrida é uma das atividades físicas mais praticadas pelas crianças por ser algo natural do ser humano. Costumo dizer que o ser humano já nasce fazendo intervalado. A criança corre, cansa e pára. Descansa, corre de novo e pára. Elas não apenas correm informalmente como também competem, o que, comprovadamente, traz benefícios físicos, sociais e emocionais, quando fazem por puro prazer, passando por todas as fases de maturação.

Filhos "trofeuzinhos". O que quase sempre atrapalha esse desenvolvimento são pais querendo fazer de seus filhos um trofeuzinho. Essa cobrança costuma gerar ansiedade negativa, levando-as ao fracasso. Alguns pais dizem dar o maior apoio aos seus filhos… quando vencem. Diante do fracasso, basta um olhar de decepção para desenvolver no próprio filho um sentimento de inferioridade.

Segundo os especialistas, a chamada "segunda infância", 6 a 12 anos, é uma das mais importantes, quando as crianças necessitam da aprovação dos pais para as tarefas diversas. Aprovação significa incentivo ao desafio desde que a criança seja bem recebida na família independente do resultado alcançado. Não pelo que ela fez, mas pela ousadia de ter tentado.

A competição é inerente ao ser humano e desde pequenos se lançam ao desafio naturalmente e não se importam com o resultado. Basta olharmos as crianças brincando na praça. Apostam corrida, criando as suas próprias regras de jogo. Tudo funciona bem e elas mesmas resolvem os problemas e sozinhas até elegem líderes de grupo. Tudo funciona enquanto os pais não se metem tomando partido. "Meu filho chegou na frente do seu."

As competições infantis geralmente seguem um fundamento e modelo profissional de incentivo ao desenvolvimento motor e à socialização. A grande maioria das crianças não será campeã olímpica simplesmente porque esse talento esportivo é para poucos iluminados pela genética, mesmo que desesperadamente os pais e alguns treinadores queiram. Esses fundamentos adquiridos nas competições são transportados para o dia-a-dia e servem de lição na vida adulta. A ousadia, o desafio para coisas novas, o relacionamento com subordinados, colegas de trabalho e chefias fazem parte do mundo moderno.

Ansiedade e frustração. Já se conseguiu mostrar em estudos de campo que a ansiedade pré-competitiva é muito maior nos esportes individuais de curta duração, especialmente a natação e o atletismo,onde o resultado depende única e exclusivamente do atleta. Qualquer vacilo na largada não dá para recuperar. Mais uma boa razão para que os competidores mirins sejam devidamente preparados psicologicamente sem serem cobrados ao extremo. Quantos valores são perdidos em qualquer modalidade esportiva por causa da obrigação da vitória e onde a derrota é encarada como sofrimento ou uma coisa ruim?

Muitas crianças deixam muito cedo de ter prazer na prática esportiva por causa de cobrança vinda principalmente dos pais, fato abordado por alguns estudiosos como "Síndrome da saturação esportiva". Muitas delas são matriculadas numa escola esportiva sem ao menos serem consultadas se queriam. Simplesmente o pai e/ou a mãe "acham", por conveniência, que é melhor. Um pai que leva sua criança na escola de atletismo ou mesmo à natação e vai para o bar beber enquanto o filho pratica esporte dá exemplo de quê? E os fumantes? Nem é bom falar…

Existem também outros dois tipos de pais cobradores: os que projetam os seus sonhos frustrados nos filhos e os ex-atletas desejando um sucesso não alcançado por ele mesmo. "Filho de peixe, peixinho é"… Nem sempre.

Sabe-se que nas crianças o sistema cardiovascular se desenvolve e reage ao treinamento aeróbio e/ou de resistência da mesma forma que acontece com os adultos, proporcionando uma boa base para outras valências físicas como a velocidade e os diferentes tipos de força. Isso significa dizer que a corrida, o ciclismo e a natação de maior duração são indicados às crianças e adolescentes.

Maior duração não é a mesma coisa que longa duração e ou distâncias exageradas. Essas atividades devem ser estimuladas de forma lúdica e ao gosto da criança, sem a obrigação de percorrer distâncias fixas, deixando que elas mesmas definam de acordo com o cansaço e capacidade individual.

Cada coisa no seu tempo. Estudos importantes dão conta que a capacidade máxima de consumo de oxigênio da criança fisicamente ativa aumenta proporcionalmente ao crescimento. Em compensação a capacidade anaeróbia é mais limitada só havendo um aumento significativo a partir da adolescência em função da maturação hormonal e função da presença da testosterona. Por isso, a força e o volume muscular começam a se diferenciar entre meninos e meninas. Antes da adolescência essa diferença é pequena, chegando mesmo a casos de meninas serem mais rápidas que meninos em corridas.

Teoricamente existe uma fase ótima para desenvolver a resistência aeróbia, que seria por volta dos 10 anos de idade. Dos 13 aos 16 anos é o chamado período de transição, marcado por um conjunto de características anatômicas e funcionais onde pode ser melhorada, notadamente, a coordenação motora, a força e ainda mais a resistência. Um fundista, em função dessa teoria, deve começar a ser preparado a partir dos 10 anos de idade, mas com certa cautela.

Se, por um lado, essa é a melhor idade para começar, por outro os excessos podem levá-lo a um abandono precoce da carreira. Teoricamente a preparação de um fundista leva de 10 a 15 anos. Um atleta que atinge cedo o pico de desempenho pode não agüentar muitos anos com os rigores do treinamento, principalmente por causa da cobrança ser cada vez maior. Uma criança tendo talento esportivo para as provas de fundo aos 10 anos deve contar com um planejamento lento, gradual e progressivo em longo prazo.

Fogueira das vaidades. O problema é quando esses jovens atletas esbarram nas vaidades também de técnicos interessados em promoção pessoal, extraindo o máximo das crianças e colocando-as em tudo quanto é campeonato juvenil, tirando proveito da fama de ser "supostamente" um bom técnico. Para esses, não interessa a saúde da criança. Se juntar também com a ansiedade dos pais aí, como se diz no popular, junta a "fome com a vontade de comer" e quem "paga o pato" é a criança.

O técnico ou profissional de Educação Física é, em princípio, o principal responsável por conduzir e cuidar bem da carreira do atleta. É a pessoa detentora do conhecimento. Não deve também, por questões éticas e princípio, se render às pressões de dirigentes inescrupulosos. A transformação do corpo é muito rápida e essa é a época em que o adolescente precisa estar física e emocionalmente bem orientado.

A ansiedade não deve ser encarada como nefasta por ser uma reação de proteção diante do perigo iminente. A criança deve ser estimulada a competir porque faz bem. A competição infantil visa, entre outros fundamentos, o controle e domínio dessa reação. Um adulto equilibrado geralmente recebeu esses ensinamentos passando bem por todos os processos de maturação comportamental e certamente não cobrará atitudes impossíveis de sua prole.

Para concluir, é preciso lembrar que a criança não é uma miniatura de adulto e a pureza delas deve ser conservada e respeitada. Muita gente já deve estar pensando na São Silvestrinha, sonhando com uma forma de satisfazer o ego. É preciso ter cuidado com isso. Filho não é investimento nem objeto de promoção social. É dever dos pais e professores proteger e educar.

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