UM POUCO DE PURPURINA
Maria Eugênia Sahagoff
"Eu imaginava mais ou menos o que iria encontrar por lá, ou seja, uma prova dura, devido à longa distância e à dificuldade do percurso, mas também uma prova festiva, pela quantidade de participantes e pelo público ao longo do trajeto. Mas na realidade a Comrades é muito mais que uma ultramaratona. É uma prova única!
Ao completar 58 anos, comecei a fazer conjecturas sobre como me sentiria ao entrar no mundo dos sexagenários. Até a casa dos cinqüenta, nunca o assunto havia merecido minha atenção. Ia levando – mas quando a sociedade começa a lhe fazer concessões, como filas especiais, descontos nos cinemas, gratuidade nos transportes, sente-se que já se está realmente a um passo da eternidade. Indo além, o estigma que envolve o "idoso" é osso duro de roer.
Assim, para colocar um pouco de purpurina na velhice, resolvi preparar-me para um desafio que transformasse esta virada num verdadeiro happening. Para tanto, selecionei a mais charmosa ultramaratona do mundo, a Comrades, e comecei a preparar-me para enfrentá-la. Com a ajuda incansável do técnico Branca e o entusiasmo de sua equipe, começaram treinos e mais treinos. Às vezes eram tantas as dificuldades e cobranças familiares que me flagrava questionando se aquele esforço imenso fazia sentido.
O tempo foi passando, a data se aproximando e como por encanto, chegou o grande dia. Dada a largada, o primeiro passo e tudo o mais foi mágico. Dez horas e cinqüenta e nove minutos depois, eu estava dentro de um estádio apinhado de gente aplaudindo, bandeiras desfraldadas e música. Nos braços do meu filho, ambos aos prantos, comemoramos a felicidade da medalha de bronze no peito e da missão cumprida. Tão rico de emoções o momento vivido na chegada que parece até hoje um sonho, irreal. Emoções como estas não envelhecem jamais. Quem se importa com 60 anos?".
SHOSHOLOZA
Rodolfo Nascimento
"Faltam só 10 km e eu grito dentro de mim ‘Shosholoza! eu vou conseguir, concentração total, não pensar em nada.' Estou muito cansado, muito mesmo, mas não são 10 km quaisquer. Eu já percorri 79 km, estou há mais de 10 horas correndo. Em um dos momentos de caminhada, o marcador de ritmo que eu seguia, ao iniciar a contagem para o trote gritava sempre four, three, two, one, go, mas eu sinto o joelho totalmente bambo, quase caio. Era o limite extremo do esforço; o corpo reclamava ‘CHEGA! PÁRA!', mas a mente e o corpo se submetem à suprema força que existe dentro de cada um de nós – a VONTADE, e essa senhora poderosa determina: ‘VÁ ATÉ O FIM!'
Passei a última peneira, a das 16h30, com folga de 10 minutos, talvez seja o corte mais amargo da prova. Esses cortes são necessários, ainda que antipáticos; para mim eles funcionaram como uma meta que determinava continuar, continuar e continuar, porém é amargo chegar num ponto onde restam apenas 8 km e a organização usa até a policia para retirar seu número de peito e desclassificá-lo; alguns continuam sem o número sob a tolerância da organização. O motivo é a segurança, a saúde dos competidores, então eles estão absolutamente corretos.
‘SHOSHOLOZA! SHOSHOLOZA!' eu grito dentro de mim. Retiro do bolso a bandeira do Brasil, meu país que foi tão aplaudido nos últimos 89 km, e vou prendendo ao meu uniforme; mas perco 4 minutos nesse processo. O ‘ônibus' se distancia, aperto um pouco e alcanço novamente o ‘motorista', o marcador de ritmo, que telefona a cada minuto para a organização, dizendo que está chegando. O povo na rua o saúda todo o tempo; descobri depois que este ônibus é o último e é o mais saudado, pois fecha a prova. A responsabilidade do motorista é muito grande, a confiança que todos, e em especial eu, depositamos nele é enorme e total. Entramos na cidade, todos gritam, é impressionante, já está escurecendo, avisto a iluminação do estádio, ouço os gritos no estádio, as lágrimas já brotam não vai dar para segurar, é muito lindo, ‘SHOSHOLOZA!', é um sonho, seis meses de treino duro, fins de semana sacrificados, sustos, ajustes, problemas, e eu estou chegando, faltam mil metros, uma curva para esquerda e o estádio, ‘SHOSHOLOZA!' Já estou chorando, não seguro, choro e choro. Ao entrar no estádio a visão é estonteante, muitos gritos se confundem, ouvi alguém gritar ‘Rodolfo, Brasil!', olho e não enxergo nada, vou em direção ao portal do finish, de novo ouço meu nome, é o povo do Brasil que já tinha completado e gritava. Terminei, vim e venci.
Com muita honra recebo a medalha Vic Clapham, o criador da prova. Voltar para o hotel, banho, jantar, arrumar as malas e a sensação espetacular, indescritível, inenarrável e inolvidável do dever cumprido e muito prazer, muita endorfina, muita dor, andando quase de quatro, agarrando nas cadeiras e escada nem pensar, mas feliz, muito feliz e o som na mente, ‘SHOSHOLOZA, SHOSHOLOZA!'. ‘Shosholoza' é uma expressão cunhada nos tempos da escravidão em que trabalhadores emigrantes na África do Sul estavam construindo a ferrovia; quer dizer ‘ir para frente pelas montanhas'; lembra o som do trem a vapor e há uma canção tradicional na África do Sul, que foi cantada pela multidão na largada."
EMOÇÃO DO COMEÇO AO FIM
Edson Adriano Bitencourtt
"Para correr a Comrades, dediquei mais de seis meses a exaustivos treinos, muito dos quais (de 60 a 70 km) realizados na Rodovia dos Bandeirantes, a fim de simular uma situação próxima do percurso da prova. Os demais pela cidade universitária de SP, ruas e estradas de Paulínia, e muito trabalho de fortalecimento muscular e aulas de spinning.
Na véspera do grande dia eu e mais dois amigos corredores (Rodolfo e Fabrício, que dividimos o quarto do hotel) decidimos por jantar no próprio hotel a fim de sermos rápidos e tentar descansar e aproveitar todo o tempo que nos restava. O silêncio na mesa já demonstrava que nossas cabeças não mais escondiam a ansiedade, e a emoção e a razão se confundiam. Convicto de ter cumprido fielmente toda orientação técnica, física e nutricional, nesse momento o que domina é a cabeça, é o psíquico que determinará os limites que o corpo deverá ser submetido.
Falar em limites nesse momento parece sem sentido, já que impor ao corpo um estado de estresse tão rigoroso pode parecer insensatez, porém numa prova com mais de 11 mil inscritos será que todos são insensatos? E a maioria dos quais graduados, dentre eles profissionais liberais, médicos, engenheiros, advogados etc.
O cacarejar de um galo, seguido do tiro de canhão, dá início à prova. Muito decidido e concentrado encaro o percurso convicto de poder superar as adversidades, as subidas e descidas. A contagem regressiva da prova me ajuda; vejo passar as placas de 79, 69, 59 km (faltantes). Na metade, me sinto muito bem fisicamente (porém já derramei lágrimas por duas vezes, emocionado com o público que ao ver que somos brasileiros não poupa gritos de incentivo e carinho). Tento enganar minha cabeça e pensar "agora só falta uma maratona" e assim vou até o km 73.
Quando parecia tudo sob controle, ao tentar ingerir um gel de carboidrato quase que meu estômago devolve tudo. Então achei melhor pensar apenas em chegar, mas em momento algum pairou na minha cabeça qualquer dúvida sobre abandono ou não concluir a Comrades. Nos 2 km finais meus olhos já não conseguiam permanecer secos; tento me concentrar, mas parece nada mais funcionar pela razão, só pela emoção. Entro no estádio, as lágrimas agora vêm sem que eu tente impedi-las, é muito lindo, o sonho está quase realizado, pois minha alegria só será completa quando avistar todos os meu amigos bem e de preferência com a medalha no peito. Completo em 9h27 e sigo para o espaço reservado para os atletas internacionais. Lá encontro o Adauto exausto, o Nato aparentemente muito bem e aguardo ansioso a chegada do Sakamoto, Fabrício, Rodolfo e Cheng."
A MAIS EMOCIONANTE
Ederaldo Telles Filho
"Queria fazer tudo como estava programado, tomando água e isotônico em todos os postos, que existem a cada 2 km. A conseqüência de se hidratar adequadamente com o frio que estava fazendo era ter de urinar, a primeira vez por volta do km 12. Parei novamente lá pelo km 25, quando fui ultrapassado pelo grupo de corredores guiados para concluir em menos de 9 horas.
Os aclives e sua extensão não eram o que previa, mas não parava de correr mesmo nas subidas mais íngremes e longas Os corredores com número verde (que concluíram a Comrades mais de 10 vezes) não adotam esta estratégia; andam nos trechos mais íngremes e tiram a diferença nas descidas.
No km 50 resolvi dar um descanso para o corpo e andei por um 5 minutos; estava com medo de me desidratar e tomava muita água e isotônico, além de comer a cada meia hora (barras, géis), mas não senti mais a necessidade de urinar. Tomei o segundo comprimido de Advil porque estava começando a doer meu pescoço, e realmente funcionou. A lateral das estradas estava lotada de pessoas que faziam piquenique, incentivam os corredores e ofereciam doces, banana, batata, chocolates etc.
A partir do km 60 passei a tomar Coca-Cola nos postos de abastecimento isto me deixava mais animado; comer já não agüentava mais, estava lotado, Mas cumpri toda a programação de tomada dos comprimidos do suplemento BCAA, e tomei ainda mais 2 comprimidos de Advil.
Tudo estava sob controle, pois não tinha mais a preocupação de concluir abaixo de 9 horas. Esperava encontrar nas proximidades de Durban apenas descidas, mas apareceram 3 subidas fortes que me despertaram, fazendo com que melhora-se meu ritmo, e acabei concluindo em 9h31.
Após a corrida, alguns dos brasileiros que concluíram e que não concluíram manifestaram que voltarão no próximo ano para a subida. Eu não digo que irei, mas com certeza esta foi a corrida mais emocionante que já participei e que embora pareça sobre-humana foi concluída por cerca de 10 mil dos 11 mil que largaram."
TODO EQUIPADO, TUDO CONTROLADO
Antenor Sakamoto
"Começou a tocar ‘Carruagem de Fogo', em seguida, ouvi o tiro de canhão. Apertei o start do meu relógio. Muita gritaria, luz, holofote, e assim cruzei o pórtico de largada, em 8 minutos. A avenida é descendente, todos correndo com cuidado. Era ainda muito escuro, mesmo na cidade não se via o piso, somente acompanhando o corredor da frente.
Na primeira subidinha, já apliquei minha estratégia de corrida: caminhar e trotar em todas as subidas que viessem, com média de 9:30 min/km. Outro parâmetro era de 6:20 min/km nas descidas e nos planos, e assim, deveria ter uma média de no máximo 7:25 min/km. Assim, já tinha programado o meu relógio Garmin para atingir o objetivo de sub 11 horas, medalha de bronze.
Tomei muito cuidado na subida da Polly Shorts, a primeira das Big Five. A todo tempo, eu fiquei observando a reação do meu ritmo cardíaco. Via que o batimento estava controlado em no máximo 125 bpm, Ótimo, senti que o meu coração estava firme e forte, colaborando. Mas ainda era cedo para sentir que tudo estava OK.
Veio em seguida a primeira descida longa, íngreme. Olhei no relógio, 5:35 min/km, muito rápido. Fui testando a minha velocidade de descida ideal, e assim fiquei cravado no relógio, variando a velocidade até 6:20 min/km, para encaixar dentro do meu objetivo, sem exagerar. Logo em seguida, nova subida longa e muito íngreme, agora da Litle Polly. Serviu para reaquecimento. Tudo controlado, mas na descida novamente com marcha engatada, lenta. No horizonte, muito claro, anunciava que logo o sol iria raiar bonito.
Muita gente das fazendas locais na beira da estrada incentivando. Bandas, as estações de suprimentos muito bem distribuídas ajudavam a gente a correr mais tranqüilo.
Veio agora a subida longa, 6 km, em direção a Umlass, ponto mais alto do percurso. Era mais suave do que pensei, assim deu para correr em muitos trechos. Observei que minha velocidade media acumulada, que era de mais de 8:30 min/km, foi aumentado agora para 7:46 min/km, e isso me estimulou.
De vez em quando, encontrava grupos de corredores de algum clube, ora correndo, ora caminhando, e a gente ficava para frente ou para trás desse "ônibus", dependendo da subida ou descida. Fiquei superanimado, ao perceber que estava muito melhor que o objetivo traçado, pois nesta altura já tinha percorrido um terço do percurso, e tinha uma velocidade média registrando 7:04 min/km,
A subida da Inchanga, a segunda Big Five, trecho montanhoso muito bonito era de muitas dificuldades, até para caminhar. Neste trecho, novamente um grupo veio firme e forte, batendo palmas, gritando e foi me passando na subida. Eu achei que eles estavam gastando combustível no lugar errado, e nem pensei em acompanhar.
Logo cheguei ao pórtico da metade da prova, lotado de torcedores em ambos lados. Vários familiares deveriam estar misturados, porque muitos corredores chegaram a parar para receber abraços, suplementos, e alguns estavam sentados, trocando tênis. Passei pelo chip, imaginei estar enviando uma mensagem tão esperada para aqueles que estão plugados nesta hora no Brasil.
Nova checagem de meus dados: 7,02 min/km, dá para fazer em sub-11 horas! Assim, iniciei a segunda metade do percurso com muito mais força, zerado, sem problemas, muito otimista. Próxima meta: Bothas Hill a terceira das Big Five, a 38 km da chegada
Por ser muito montanhoso, todas as subidas pareciam uma escadaria forte, longa, e tive realmente de caminhar firme e rápido, nem pensei em alternar com trotes. Atingir o topo do Bothas Hill foi como escalar a ultima montanha, antes de ver a planície, de acordo com o perfil altimétrico. Mas na pratica, eu conseguia ver somente paisagens próximas de estradas tortuosas que passavam no meio daquela paisagem linda. Nova checagem: 7:02/km, ou seja, eu estava mantendo a velocidade média, mesmo com todas as variações topográficas.
Tracei um novo ponto de referencia: topo do Cowies'Hill, distante 22 km, uma meia-maratona de descidas. Trecho para ver meus treinamentos da descida funcionarem na prática.
A Field's Hill, a quarta Big Five, também estava escondida; foi uma subida longa e forte, mas achei que era um refresco para minhas pernas cansadas de descer muito tempo. E, novamente ladeira abaixo, até chegar em Pinnetown, com elevação de 320 m. Ufa! Cheguei inteirinho, rápido, e o melhor, pernas em ordem, nenhum cansaço muscular.
Passei sobre novo tapete de chip, com sensação de que enviei boas mensagens para a família e amigos plugados no Brasil. Assim, cheguei na última das Big Five, Cowies Hill. Vi que a rampa era muito mais acidentada e longa do que imaginava. Eu utilizei minhas mãos para empurrar joelho, para ver se ajudaria minha caminhada. Senti realmente que as pernas não estavam mais nas mesmas condições, muito fracas, e bambas, mas sem dor alguma, e assim cuidei de subir com cautela, devagar até o topo, apreciando as gostosas sombras e muitas travessuras e gritarias dos torcedores. Cheguei ao topo, ótima sensação!
Próximo alvo, a linha de chegada, mais 16 km, dá para ser sub-11 horas! Passei pelo ultimo chip, vi que tinha perdido tempo neste trecho; minha velocidade acumulada tinha abaixado para 7:17 min/km. Mas faltavam somente 7 km para o término. A maioria estava caminhando. Acho que eu também me afrouxei, desconcentrei, não conseguia impor ritmo. Só aí é que lembrei do meu tempo de 2004, 10:53:27. Tracei então novo objetivo, bater este tempo. Quando passei pela placa de 4 km para chegar, já era cidade, o povão estava incentivando bastante e o astral melhorou muito.
Na avenida principal de Durban, o povo torcia em massa, muita gritaria, palmas, incentivos. A avenida era interminável. Uma hora fiquei contando quantas vezes que o último sinaleiro ficaria verde, antes de eu chegar no fim. Contei por 5 vezes! E chegou a placa de 1 km. Que alegria! Me emocionei, chorei, gritei, não conseguia ver direito, tinha que limpar os óculos. Agora corria com várias pessoas ao lado, todas animadas por estarem completando em menos de 11 horas.
Veio o pórtico da chegada, tentei tirar a minha bandeira brasileira, que levei amarrada na cintura, mas não consegui. Continuei fazendo festa, apitei muito, tirei meu boné e balancei para o público animado, festa pura. Ouvi o alto falante anunciando meu nome, ‘Antenor Sakamoto, from Brazil', e assim com muita festa e alta adrenalina, eu cruzei em 10:47:57, ganhando a medalha de bronze e a back to back, por ter feito a prova nos dois sentidos."
VOU TER QUE VOLTAR EM 2008
Roberto Rodrigues
"Me preparei bem para a Comrades, tendo feito um treino de quase 8 horas na Cidade Universitária com o editor da CR, e depois novamente juntos na Maratona de São Paulo, com mais alguns quilômetros de ida e volta até nossas casas. A "preparação" culminou com o treino seguido de feijoada promovido pelo Tomaz Lourenço no condomínio que ele tem casa no interior.
Fomos para a África do Sul com um grupo divertido, na viagem montada pela Método Turismo, a pedido da revista. Na quinta retiramos o kit, perto do hotel, e na sexta-feira participamos do passeio oferecido pela organização para reconhecimento do percurso, conhecendo o museu da prova em Pitermaritzburg. Na volta paramos no local onde é fixada uma placa com o nome e data da participação na Comrades, desde que se pague 100 rands, quase 30 reais, além de visitar uma escola de crianças deficientes apoiada pela Comrades.
No domingo saímos às 3h30 de Durban para o local da prova, em uma viagem de quase 1h30, em ônibus urbano pouco confortável. Entreguei meu material no guarda-volumes e observei o aquecimento, quase uma dança, de alguns grupos ao som da ‘Shosholoza'. Às 5h30, após o hino nacional, da música Carruagens de Fogo e do canto do galo foi dada a largada. Estava frio, com sensação de 8 a 10ºC, por isso corri de luvas e capa plástica (na verdade um saco de lixo adaptado).
Tudo muito tranqüilo, o dia clareou sobrando alguma névoa em fundos de vale. Nas subidas, que são longas, dava para ver a quantidade de pessoas correndo. Sempre corri junto com muita gente ao lado, além de outras ao lado da estrada observando, das mais variadas formas, a passagem dos corredores.
Até a metade da prova, que passei em 4h53, estava tudo em ordem. Depois do km 55 começaram as dores musculares. Perto do km 68, num posto de abastecimento, me senti "imprestável". Não resisti a uma van que estava no local para recolher quem desistisse da prova. Entrei na perua onda já havia alguns corredores e fui levado para o Arena Stadium, local da chegada. Fui alimentado, passei por rápida avaliação médica, dispensei a massagem e fui até a área reservada aos estrangeiros onde estava minha esposa, que já sabia da minha desistência por informação de um terminal de computador ali instalado. Vou ter que voltar no próximo ano."
COM A CLAVÍCULA QUEBRADA
Paulo Lacerda
"Em janeiro deste ano, quando abri a Contra-Relógio e vi a matéria sobre a Comrades, decidi que iria participar. Comecei logo a treinar para ela, e dia 4 de fevereiro fui fazer o triatlo de Santos, mas sofri um acidente na etapa de bicicleta e quebrei a clavícula direita.
O médico que me atendeu disse que teria que fazer uma cirurgia e a primeira pergunta que lhe fiz foi quanto tempo de recuperação; ele respondeu: de 6 a 8 semanas. Pensei, acabou o sonho da Comrades.
Uma semana após a cirurgia, já estava ficando estressado, pela falta de atividade física. Assim, resolvi dar uma pedalada de meia hora na academia do prédio que moro e caminhar um pouco na esteira. Fiquei animado e no dia seguinte, amarrei uma tipóia no braço e saí para dar uma corridinha, ouvindo um sermão da minha esposa…
Passado um mês da cirurgia, haveria a abertura do Circuito Corpore na USP e falei para minha mulher Mirian que estava pensando em ir até lá, desde Guarulhos, para fazer um longão de 36 km (um amigo já tinha medido). E fui. Saí às 5 da manhã, peguei a Dutra, depois a marginal Tietê, minha mulher foi de carro e me deu um abastecimento e assim cheguei a tempo de ainda participar da prova. Lá falei para meu treinador Diego Lopez o que tinha feito e ele riu e me chamou de louco. Também o médico fez assim, e comentouque ‘já que não tem jeito, corra pelo menos sempre usando a tipóia, por dois meses'.
E seguindo as recomendações do médico e do treinador fiz um grande treinamento para a Comrades, que comprovei dia 17 de junho, ao entrar no estádio em Durban e ouvir o locutor da prova informar à imensa platéia, que estava chegando Paulo Lacerda, o primeiro brasileiro a cruzar a linha de chegada com 7:49:15."