POR PROF. VALDIR BRAGA
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Cruzar a linha de chegada de uma maratona é um feito enorme e transformador. Todos aqueles meses dedicados ao objetivo de concluir a mais temida das distâncias promove uma mudança de hábitos e de vida. Enquanto algumas pessoas correm a maratona apenas para concluir ou se desafiar na distância, muitos atletas buscam por performance nos 42.195m da prova, sendo que aqui entendam que o termo “performance” se refere a explorar o seu potencial máximo, independente do tempo de conclusão, o qual depende de inúmeros fatores inerentes a cada indivíduo.
Quando falamos em tempo de conclusão da prova, é muito comum dividirmos a maratona em duas partes: a primeira e a segunda metade, cada qual correspondendo a uma meia maratona (21,1 km). Essas “metades” são chamadas de “splits” e podem ser utilizadas para definir a estratégia de prova. Portanto, se você correr uma maratona onde a primeira parte da prova é mais rápida que a segunda, você fez um split positivo. Por outro lado, se você conseguiu acelerar na segunda parte, e essa foi mais rápida que a primeira, você fez um split negativo. Há ainda os splits iguais, onde você corre tanto a primeira quanto a segunda metade da maratona em tempos iguais, ou seja, mantém o mesmo pace do início ao fim.
Sabendo da existência de três possíveis estratégias para a conclusão da prova, qual seria a melhor?
Por muito tempo, o split negativo reinou absoluto entre os atletas de elite. Em 2018, por exemplo, Eliud Kipchoge quebrou o recorde mundial da maratona (até então) correndo a primeira metade em 1:01:06 e a segunda em 1:00:33 em Berlim, estabelecendo o incrível tempo de 2:01:39. Em 2023, Kelvin Kiptum cravou o atual recorde mundial na distância em Chicago passando a primeira metade da prova em 1:00:48 e, numa performance brilhante, concluiu a segunda metade da prova em 59:47, estabelecendo o tempo de 2:00:35, o qual se mantém até hoje. Infelizmente, Kiptum faleceu no início de 2024 num trágico acidente de carro.
Baseado nessas performances, muitos atletas amadores acreditam que o split negativo é a melhor estratégia na maratona e muitos se frustram por não conseguirem repetir a estratégia adotada pelas atletas de elite. Faça essa reflexão, quantos atletas amadores que correm com você ou que você acompanha conseguem fazer split negativo na maratona (incluindo você)? A resposta certamente será poucos ou nenhum. Em muitos casos, se você conseguiu o split negativo, provavelmente você se poupou demais na primeira metade, o que indica que seu tempo poderia ser ainda melhor.
Para dar suporte a afirmação que o split negativo pode não ser o mais adequado, pesquisas científicas recentes questionam a eficácia universal dessa estratégia. Um estudo de 2024, publicado na prestigiada revista American Journal of Sports and Medicine (DOI: 10.12691/ajssm-12-1-1), argumenta que, na presença de atletas marcadores de ritmo (pacers), a estratégia mais eficiente seria o split positivo. Como exemplo, temos o mesmo Eliud Kipchoge, que em 2022 quebrou sua própria marca em Berlim, passando a meia para 59:51 e a segunda metade a prova em 1:00:18, estabelecendo a marca de 2:01:09. Já entre as mulheres, a performance mais impressionante dos últimos tempos foi da Ruth Chepngetich em Chicago em 2024, quando a atleta esmagou o recorde mundial, passando a meia para 1:04:16 e a segunda metade em 1:05:40, estabelecendo o incrível tempo de 2:09:56, tornando-se a primeira mulher a quebrar a barreira das 2:10 na maratona, com um lindo split negativo.
E para nós, meros amadores, qual a estratégia escolher?
Em seu livro Advanced Marathoning (3ª Edição, 2020), ou Maratona Avançada em tradução livre, Pete Pfitzinger sugere que a melhor estratégia é a de splits relativamente iguais. Ele defende que sair muito forte na primeira metade da prova pode levar a um acúmulo massivo de lactato devido ao alto consumo de glicogênio muito cedo na prova e a pessoa pode sofrer as consequências na segunda metade. Gosto de chamar essa estratégia de “kamikaze”, onde o atleta faz a primeira metade muito forte e depois se segura como pode para terminar a segunda metade. Não é incomum ver atletas em busca do primeiro sub 3h na maratona passando a meia para 1:24:00 e terminando a prova em 3:15:00 totalmente frustrados. Certamente que, se eles tivessem passado a meia para 1:28:30-1:29:00, teriam maior chance de conseguir o tão sonhado 2:59:59. Falo isso porque já corri abaixo de 3 horas por 12 vezes na maratona.
Pete Pfitzinger também argumenta contra o split positivo, pois o atleta que se poupa demais na primeira metade, terá de fazer muita força para tirar a diferença na segunda metade, resultando em gastos maiores de glicogênio e consequentemente um maior acúmulo de lactato em direção ao final da prova. Lembrando que nós, pobres mortais, não temos a mesma capacidade de tamponar lactato como os atletas de elite.
Assim, a melhor estratégia será buscar o split igual, o qual poderá resultar numa perda de alguns segundos a poucos minutos na segunda metade da prova, mas que, certamente resultará numa marca melhor que as outras estratégias. Obviamente que tudo isso faz sentido em provas planas como Porto alegre, Rio de Janeiro, Berlim, Londres e Chicago. Provas com altimetria desafiadora como Nova York, Boston, Foz do Iguaçu e Curitiba, por exemplo, devem ter estratégias diferentes, levando em consideração o relevado de cada uma dessa provas.
Em resumo, embora o split negativo tenha reinado como a melhor estratégia para concluir bem uma maratona, na prática o que mais acontece é o split positivo, o qual tem se mostrado eficaz até mesmo para a elite. Para atletas amadores, buscar a estratégia dos splits iguais sempre que a altimetria da prova permitir pode ser a melhor estratégia, mesmo que resulte num leve split positivo ao final. Independente da estratégia adotada, é muito importante estar bem treinado e ter um dia de maratona fantástico, com muitas boas lembranças e a certeza de que se desafiará novamente na distância.
Sobre o autor: Prof. Valdir Braga é Doutor em Fisiologia, apresentador do Canal Corrida & Performance no Youtube, autor dos livros “O Cérebro do Maratonista” e “Os Pilares da Performance Humana”. Como maratonista, concluiu o circuito da Majors e já correu 13 maratonas, sendo 12 sub 3 horas.