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Quanto treino intervalado é preciso?

POR FERNANDO BELTRAMI | RELEIRURA – julho de 2019


O intervalado é – ou deveria ser – parte integral do treinamento de qualquer corredor preocupado em melhorar sua performance. A efetividade dessa preparação sobre o treinamento constante – as rodagens – em termos de ganhos de ritmo é comprovada. Não estamos aqui sugerindo que um corredor deva realizar apenas séries curtas e rápidas para ter sucesso em maratona ou meia, abrindo mão dos longos do final de semana. Longe disso! O ponto é que, para desenvolver a capacidade aeróbica, a intensidade da sessão de treino é um fator decisivo.

Diferentes modelos de intervalados pipocam na literatura científica e leiga, e é fácil se perder entre as muitas sugestões. Seriam séries de 600 m melhores do que as de 1,2 km? Treino em escada de distância (crescente) é melhor do que treino alternando o ritmo a cada série? Estas perguntas dificilmente possuem respostas, pois cada pequena mudança para uma pessoa teria uma resposta. Para guiar o corredor, vamos ver a seguir os principais fatores que determinam a “qualidade”, por assim dizer, de uma sessão intervalada.

INTENSIDADE

O consenso hoje é que a velocidade correspondente a cerca de 85-90% do consumo máximo de oxigênio é um ponto importante para definir se o estíumulo de treino gera resposta adaptativa ou não. Em termos mais práticos, esta corresponde à velocidade em que se atinge cerca de 90% da frequência cardíaca, ou um período de esforço máximo de cerca de 20-30 minutos. Para corredores muito bem treinados são aquelas de provas de 10 km ou mais. Para os menos treinados, velocidades de prova de 5 km para cima.

Outros pontos que ajudam a definir se uma sessãa está no domínio de alta intensidade necessário são a incapacidade de manter uma conversa e a necessidade da pausa. O primeiro se dá em função de uma resposta natural do organismo a esforços de alta intensidade: dentro da zona “certa” de esforço e metabolismo anaeróbico, acidifica o sangue, e nossa resposta automática é aumentar a ventilação para colocar mais gás carbônico para fora. Como este também é um ácido, retirá-lo do sangue compensa a acidose metabólica. Assim, com a necessidade de ventilar ditada pelo metabolismo, fica praticamente impossível manter uma conversa.

A necessidade da pausa, por outro lado, evidencia a de homeostase (capacidade, por exemplo, de manter a frequência cardíaca constante em uma dada velocidade), algo que só ocorre nas zonas de esforço mais elevadas. Pode parecer banal, mas nem sempre é. Uma série de 4 x 1,2 km em ritmo de prova de 5 km, por exemplo: é um treino bastante difícil, mas não necessariamente seria preciso a pausa para que fosse realizado. Neste caso, ao descanso pode acabar por permitir o pouco de recuperação necessária para que não se tenha uma resposta adaptativa. Neste caso, seria melhor puxar um pouco mais o ritmo, para garantir a “necessidade” da pausa. Quanto melhor treinado for o atleta, menos uma série assim seria efetiva.

A PAUSA

Muito se discute sobre a duração da pausa, se deve ser feita trotando ou descansado. A importância dela é menor do que se imagina, com a exceção de séries muito curtas, onde um descanso igualmente curto é necessário para manter o metabolismo elevado. De forma geral, a pausa ativa (trotando) diminui a capacidade de manter cargas altas durante a série, e quanto mais intensa (ou menos leve) ela for, maior será este efeito.

Já as passivas (caminhando) em nada “atrapalham” o desempenho em intervalos mais longos, porém descansos de 10 a 60 segundos no repouso ativo facilita a manutenção do metabolismo elevado e também evita erros de ritmo muito graves, pois fica quase impossível manter segunda série em ritmo muito forte.

QUANTO TEMPO?

A literatura se divide neste quesito. Por um lado, a voltada à alta performance sugere estratégias de treinos que maximizem o tempo que o corredor gasta nesta zona de alta intensidade. Por exemplo, um estudo recente demonstrou que séries de 4 x 8 minutos eram mais efetivas que a 4 x 4, enquanto ambas eram melhores que 4 x 16. Nesta lógica, as séries de 16 minutos, portanto com mais de 1 hora de alto esforço, acabaram por impor uma intensidade absoluta muito baixa, enquanto que as de 4 minutos se revelaram muito curtas (ainda que intensas!).

Outro estudo mostrou que 4 x 4 minutos eram tão efetivos quanto 47 x 15 seg/15 seg, ou seja, tiros curtíssimos de alta intensidade com pouquíssimo intervalo no meio. As duas séries, ainda que muito diferentes, tiveram um tempo parecido gasto em alto esforço, pois na série de 15/15 o metabolismo se manteve elevado mesmo na pausa.

Por outro lado, existe uma literatura mais voltada para pessoas destreinadas, que busca descobrir o mínimo possível para obter algum aumento. Nesta linha já foi encontrado, por exemplo, que apenas uma série (o que, aliás, deixa de ser treino intervalado) de 4 min é praticamente tão efetiva quanto 4 x 4 min por treino, em termos de ganhos aeróbicos. Da mesma forma, bastam dois sprints de apenas 20 seg a cada treino para que sujeitos, previamente sedentários, apresentem ganho de condicionamento aeróbico.

QUAL FREQUÊNCIA?

Novamente aqui temos um grande espectro. Para pessoas destreinadas, até mesmo um único treino intervalado na semana já traz resultados. A maior parte dos estudos já realizados sugere que o melhor custo-benefício se encontra entre 2-4 sessões semanais. No entanto, existem trabalhos indo a frequências muito mais extremas, como 15 sessões intervaladas em 11 dias (com quatro dias tendo treinos de manhã e de tarde).

Neste caso, os participantes eram esquiadores de elite participando de um training camp, ou seja, com disponibilidade total para treinos e foco único na recuperação entre as sessões. Ainda assim, as melhoras só foram constatadas uma semana após os treinos, enfatizando a necessidade de repouso prolongado após períodos de cargas extenuantes.

Este último exemplo marca a necessidade de levar em conta a disponibilidade do atleta e a fadiga mental que o treinamento causa, especialmente no caso dos amadores, que dividem a corrida com trabalho, família etc. Se ficar mais difícil sair de casa porque o treino é muito duro, não faz sentido insistir em uma planilha “ótima” do ponto de vista teórico. Treino que conta é treino feito, e o melhor compromisso entre o ideal teórico e a realidade prática é o que trará maiores resultados.

COMO JUNTAR TUDO

O primeiro passo é criar uma sessão, com base nas guias acima, e tentar realizá-la uma vez na semana, caso o treino intervalado seja uma novidade, ou duas-três, caso já se esteja mais acostumado com alta intensidade. A sessão pode ser sempre a mesma, com pausas menores (ou ativas) e ritmos menos intensos caso velocidades mais altas não façam parte da rotina normal.

Tente combinar algo que gere pelo menos 4-5 min de alta inten sidade (caso dos iniciantes), ou 20-30 min para os mais avançados. Pela fisiologia, a sessão só precisa variar quando deixar de funcionar. Pela cabeça, claro, um pouco de variação sempre ajuda.

O treinamento intervalado pode estar sempre presente no planejamento, às vezes com o objetivo de ganho, às vezes como séries mais fracas sabidamente com o objetivo de manutenção. O corre dor precisa embarcar em um processo de tentativa-erro para estabelecer a carga que necessita para manter sua performance, e qual a necessária para seguir melhorando. E sempre começar por baixo. É melhor perder algumas semanas para perceber que o treino está leve demais, do que exagerar na dose e acabar se lesionando.

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