Notícias admin 4 de outubro de 2010 (1) (69)

Minha vitória na Maratona de Tiberias

No ano passado, enquanto planejava a visita à minha filha, que mora em Israel, me dei conta que estaria lá exatamente quando ocorreria a Maratona de Tiberias, cidade à beira do Mar da Galiléia (Lago Kinneret, em hebraico), em Israel.  Apesar de não haver treinado muito nos últimos 4 meses por problemas de saúde, deixei-me induzir pela idéia de meu marido, maratonista experiente, que me inscrevesse nessa. A inscrição foi feita pela internet, com tranqüilidade, através do site www.tiberias-marathon.co.il, que apresenta as informações em hebraico ou em inglês.

Chegamos em Israel dia 31 de dezembro, e a maratona seria dia 10 de janeiro, portanto eu teria 10 dias para me aclimatar, já que lá é inverno, com temperaturas entre 0 e 10 graus Celsius. Meu problema de saúde resulta de hipersensibilidade pulmonar a frio, umidade, e quase qualquer cheiro ou fumaça. O sintoma é tosse seca e eventualmente crise de asma, o que significa que tenho que me proteger bem de vento e chuva. Era para isso que eu tinha que me preparar. Nos 10 dias antes da maratona fizemos muito turismo, e mesmo no deserto fazia muito frio e vento, o que me deu bem a noção do que seria minha maratona…

Na véspera da corrida saímos de Tel Aviv e viajamos rumo ao norte de Israel, na direção de Tiberias (aproximadamente 200 km de distância), a fim de lá pernoitar e evitar maior tensão na hora da largada. A retirada do kit foi tranqüila, apesar de haver cerca de 3 mil inscritos nas diversas corridas que aconteceriam ao mesmo tempo. A língua oficial em Israel é o hebraico, mas em uma população de 7 milhões de habitantes, quase todos imigrantes ou nativos de primeira geração, ouve-se de tudo:  inglês, claro, mais russo (1,5 milhão em Israel!), árabe, polonês, iraquiano… Eu havia visto a lista de inscritos e sabia que só havia um do Brasil: eu!  

Tremendo de frio e tensão. Na manhã da corrida, muita festa, gente de todos os tipos, poucas mulheres (na maratona só 50, de 900 inscritos) grupos gritando seus hinos, sem acotovelamento, sem desrespeito, banheiros químicos limpos, e também os dos hotéis abertos livremente aos corredores. Um frio do caramba… Eu que gosto de correr de regatinha, estava de luvas e um casaquinho de 30 gramas. Tremia de frio-e tensão, confesso. Na última hora aceitei o cachecol de minha filha,  mais uma peça fundamental no que seria um final feliz.

Minha idéia era de completar meia (21 km) e voltar de ônibus, já que o maior longo que havia treinado era de 30 km, e beeeem devagar. Já fiz 7 maratonas, várias no exterior, mas nenhuma em Israel. Trata-se de um país sui generis, pequeno como o Estado de Sergipe, mas de enorme beleza natural e existência milenar, berço do Judaísmo, Cristianismo e Islamismo. Está ao mesmo tempo inteiramente inserido no Primeiro Mundo, com tecnologia, medicina e educação de ponta, disponíveis para toda a população, independente de religião ou etnia. E como em qualquer lugar do mundo, nas corridas esse nível de educação se faz notar já pela ausência de lixo ou papéis no chão, e pela camaradagem entre os corredores durante toda a corrida. 

Durante os primeiros 21 km fui muito tranqüila, só tirava a luva para marcar o relógio a cada km, e minha confiança foi aumentando: senti que daria para chegar até os 30. Ao passar por duas escolas no caminho, fiz questão de tocar a mão das crianças que aplaudiam e gritavam para nos encorajar. Aquelas carinhas felizes me deram gás e continuei me sentindo muito bem. Pensava na chegada, e como seria bom se essa eu completasse sem espasmo brônquico, sem falta de ar, que tem sido o fantasma nas minhas corridas. Minha médica me encoraja a correr tanto quanto eu queira; tomo as precauções, levo a bombinha de asma e corro, mas o desfecho é sempre imprevisível. No km 30, apesar de sentir muito frio, resolvi que seria absurdo decepcionar minha torcida: fui em frente.  Além de meu marido e filha, que estavam lá me esperando na chegada, havia a família toda de Israel que torcia por mim, mesmo achando "essa coisa de maratona" um tanto maluca.

Chegada em família. No km 40 precisei caminhar uns 100 metros, mas aí tudo já era festa. Eis que no 41 surge meu marido, fotografando e curtindo como se estivesse ele na maratona, e passou a me acompanhar. Ele já correu 11 maratonas, mas devido a uma artrose de fêmur não pode mais correr (então agora pedala desafios de "apenas" 200 km…). Só quem já correu uma maratona entende a magnitude dessa superação, por isso ele estava ali, dividindo comigo a dor e cansaço para que eu chegasse bem. Tirei do bolso a bandeira do Brasil que ele havia me dado ainda em São Paulo, e começamos a correr e acenar, até que a uns 50 metros do pórtico surge minha filha com uma dúzia de balões coloridos: aí foi demais, peguei os balões, a bandeira, e passamos juntos pelo pórtico ao som do microfone, "Vivian Schlesinger, from Brazil!"                       

É sempre uma agradável surpresa para mim a reação das pessoas quando ouvem o nome do Brasil no exterior: existe no mundo um carinho especial reservado ao nosso país e aos brasileiros, e nos aplaudem em dobro.  Assim foi lá, passei o pórtico e várias pessoas me deram parabéns  ("col ha cavod!," em hebraico) como se fossem velhos conhecidos. Pensei que estivesse alucinando quando ouvi a palavra parabéns em português, mas não era isso, havia de fato uma moça brasileira que mora em Tiberias, exatamente ali ao lado da chegada quando passei: que mundo pequeno! Eu feliz, queria compartilhar essa alegria com meu marido (personal coach), minha filha (médica mais do que particular), meu amigo Harold (que não me deixa cair na preguiça com sua fé inabalável de que vou conseguir), enfim, maratona completada nunca é mérito só de quem correu.

Em análise retrospectiva, considerei essa a maratona mais "fácil" (existe isso?) que já corri, comparada a Nova York, Chicago, Paris, São Paulo, Blumenau, e mesmo para a elite, foi excelente:  os primeiros 5 colocados (4 quenianos, 1 etíope) quebraram recordes da prova naquele dia. A temperatura é baixa, mas não extrema, o percurso é quase 100% plano, em local belíssimo, à beira do Mar da Galiléia e rio Jordão. É região de importância religiosa para cristãos, mencionada no Novo Testamento, e para judeus, considerada a quarta cidade sagrada (além de Jerusalém, Sfat e Hebron).

Aliás, as cidades ao longo do percurso são pequenas, pitorescas, e a simpática população local permanece a postos por horas. Senti pena de não ter comigo uma câmera, tanto pela paisagem como pelas pessoas, que tornam uma maratona inesquecível. Peguei minha medalha em hebraico, com o mapa do Mar da Galiléia, mais fotos e banho de endorfina. Meu tempo, 4h38, meu segundo melhor em maratona, não me leva ao pódio, mas aos 52 anos e com problemas para respirar, me considero uma pessoa de sorte. Se me perguntarem dessa vez, como sempre perguntam, "você ganhou?", responderei que sim!

Vivian Schlesinger é assinante de São Paulo

Veja também

One Comment on “Minha vitória na Maratona de Tiberias

  1. Uau, que determinação! Parabéns.|Uau, que determinação!} Gostaria poder correr uma maratona um dia, mas no momento meu objetivo é só correr um 10K e eu já ficaria feliz. Tomara que o blog que comecei consegue me motivar bastante por favor comentam: Minha maratona

Leave a comment