Correr é correr. Não importa o piso. Variá-lo, sim, é uma vantagem. Não é, africanos?

Quem gosta de correr, importa-se pouco com o piso. Com opções, é claro, vai escolher as melhores condições. Sem a chance da escolha, garanto que muitos que estão lendo esse texto agora foram correr onde era possível. Terra, grama, asfalto, concreto, paralelepípedo, praia… Poder variar o piso, sim, é uma grande vantagem. Que digam os africanos, filhos do cross-country e verdadeiros “fórmula 1” do asfalto.

Só para lembrar: os quenianos, “papa-tudo” da maioria das provas de fundo, ao lado de argelinos, treinam na maior parte do tempo na terra. No Quênia, nem é preciso dizer. Mas mesmo os que estão aqui no Brasil e espalhados pelo mundo, que não são poucos, fazem essa opção. Sem citar as pistas de atletismo, é claro.

Praticar a corrida ao ar livre, em terreno acidentado com seus obstáculos naturais – árvores, subidas e descidas com diferentes inclinações, pedras e buracos, riachos, erosão, grama, folhas caídas, terra batida ou com lama, raízes e galhos que nos obrigam a saltar –, é uma forma excelente de desenvolvimento da força, resistência, velocidade, coordenação motora, atenção, flexibilidade. Tudo o que é necessário para a corrida. Esse é o cross-country.

No bate-papo que tivemos, eu e Sérgio Rocha em maio com o mito Paul Tergat, ficou muito claro isso. Tanto que Tergat foi direto ao dizer o que mais sentia falta: cross-country, onde foi o “rei”. Essa é a base deles.

Assim, não é obrigatório fazer escolhas ou deixar algo de lado. Sem saber, com a vantagem de morar em Jundiaí (SP), corri muito em locais de terra. Quando comecei a treinar com seriedade, por três ou quatro vezes por semana estava na região do Horto Florestal (não vou muito mais pela questão da segurança e da preocupação da Mari, minha mulher, que tem suas razões). Atualmente, tendo a companhia de pelo menos um amigo, treino na Serra do Japi, o que só traz benefícios.

Mesclar treinos em pistas de atletismo e na rua, com o cross-country, considero ser o ideal. Outra vantagem: você ficará preparado para qualquer tipo de prova.

A escola portuguesa, nos tempos áureos, revelou excelentes atletas oriundos do cross-country, ou melhor, do “corta-mato”, como chamam a modalidade. Entre eles, Paulo Guerra, quatro vezes campeão europeu, e Carlos Lopes, tricampeão mundial em 1976, 1984 e 1985 (fato inédito entre os europeus no período pré-africanos). Veja: em 1984, além do Mundial de “Corta-Mato”, Lopes foi medalha de ouro e recordista olímpico na Maratona de Los Angeles, nos EUA. Para vencer a Olimpíada e o Mundial de Cross-Country no mesmo ano, não fez escolhas, uniu as preparações. Lopes ainda foi prata por duas vezes (1977 e 1983 no cross-country) e nos 10.000m na Olimpíada de Montreal (Canadá), em 1976.

Além de Lopes e Tergat, outro nome de respeito com base no cross-country é o etíope Kenenisa Bekele (tetracampeão mundial seguido tanto na prova curta quanto na longa) e ouro na Olimpíada de 2004 nos 10.000m e prata nos 5.000m. A lista é extensa, então estou citando apenas alguns.

Só para lembrar, neste ano, no adulto, Quênia fez dobradinha no Mundial de Cross-Country disputado na Espanha, com Paul Tanui em primeiro (33:52 nos 12 km) e Vincent Chekok em segundo (33:53). No feminino, nova supremacia queniana, com Vivian Cheruyiot (ouro com 24:58) e Linet Masai (prata com 25:07). Na terceira posição, a norte-americana Shalane Flanagan (25:10).

Com uma frase, em comentário no texto anterior aqui no blog, o grande Vincent Sobrinho definiu muito bem: “A montanha é um desafio, a maratona outro. Os dois juntos, dupla provocação aos nossos espíritos esportivos.” Perfeito. Correr é correr. Não importa o piso. Assim, vamos divulgando nosso esporte amado e ajudando no crescimento dele, o que beneficiará todos os envolvidos.

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