No início do ano passado eu estava em Modena quando, num bate papo com amigos, falando de minhas corridas, do quanto é duro treinar na secura de Brasilia e da satisfação que me dá correr naquele clima e por aquelas estradinhas, quando me perguntaram por que então não fazer uma maratona ali, na região? E que tal uma maratona com largada no estacionamento da Ferrari, em Maranello, no mês de outubro. Aceitei de pronto o convite e voltei ao Brasil.
Continuei a vida, treinamentos, uma corridinha aqui outra ali, duas maratonas… O segundo semestre avançava e meus amigos não falavam nada da maratona italiana. Tomei conhecimento da Maratona das Águas, dia 12 de outubro, e pensei: se não vai dar para ir a Maranello vamos para Foz do Iguaçu.
Menos de uma semana para viajar para Foz, chega um e-mail dos italianos anunciando uma agenda de trabalhos e que eu estava inscrito para a Maratona d'Itália memorial Enzo Ferrari, (www.italianmarathon.it) dia 21 de outubro. Perguntei ao meu técnico, Lindembergue Gomes Nunes, o que fazer. Ele considerou que apenas 8 dias separavam uma prova da outra, mas achou que Foz, com suas subidas, seria um ótimo treinamento final. Corri os primeiros 26 km e adorei, com muita vontade de ir até o fim, mas preferi me poupar. Aqui um parêntese: a cobertura da Contra-Relógio, na edição de novembro, está fidedigna com nunca. Também concordo plenamente com as sugestões da revista.
Se correr pela Ferrari nunca esteve em meus planos, correr uma maratona com largada no estacionamento da Ferrari pareceu-me algo um tanto glamouroso. E foi assim que desembarquei em Maranello, curiosamente quando toda a população local se voltava para São Paulo onde à tarde a Ferrari venceria o GP Brasil de Fórmula 1 e a equipe se sagraria mais uma vez campeã.
Duas figuras lendárias. A Maratona d'Itália é considerada um grande evento esportivo, cultural e social da região de Modena. Como tudo na Itália envolve história, a Maratona d'Itália memorial Enzo Ferrari se inspira em duas figuras lendárias da Província de Modena que se dedicaram ao esporte: Enzo Ferrari, o fundador da escuderia que é a maior paixão do país, e Dorando Pietri, que se fez mito na Maratona dos Jogos Olímpicos de Londres de 1908. Naquela prova, Dorando Pietri liderava quando errou a entrada do estádio; ao perceber o equivoco ficou totalmente transtornado e caiu. Oficiais da competição o ajudaram a se levantar e cruzar a linha de chegada, mas a comissão o desclassificou por ter recebido ajuda.
Embora pouco conhecida dos brasileiros, o percurso da Maratona Ferrari é tido como um dos mais fascinantes e sugestivos da Itália e mesmo da Europa. De fato, vai-se de uma cidade a outra passando por lindos campos e três cidades. Nos primeiros 15 km tem-se um desnível de 150 metros e depois é tudo muito plano, o que propicia uma ótima oportunidade para registrar um recorde pessoal.
O trajeto parte da Galeria Ferrari, em Maranello, percorre uma bucólica estrada vicinal e atravessa o centro de Fiorano. Dali uma outra estradinha simpática e chegamos a Formigine, com seus castelos ainda pouco restaurados. Sempre com muitas pessoas às margens da pista, chegamos a Modena e aqui passamos por belíssimas edificações históricas. Depois alcançamos Soliera, passamos pelo castelo Campori e seguimos em frente para cruzar a linha de chegada na Piazza Martiri, uma das mais amplas e belas praças italianas, em Carpi.
A temperatura na maratona esteve ótima, variando de 8 graus no inicio a 14 no final. Na festiva concentração no estacionamento da Ferrari, entre os 1.800 corredores estava Stefano Baldini, vencedor na última maratona olimpíada, que fez ali seu último longão preparativo para a Nova York (onde foi 4º colocado em 2:11:58); também os sempre presentes quenianos, europeus de diversos países e do Brasil eu e mais duas brasileiras.
No percurso, água, isotônico e frutas à vontade. Tudo muito bem organizado. O tempo todo tem gente nas calçadas incentivando os corredores. Quando as pessoas viam a bandeira do Brasil na minha camisa era uma festa, "Va brasiliano va!", "Fortuna!", "Bravo!". Me senti o máximo com tanta torcida. Nunca corri tão fácil, fiz um ótimo tempo e terminei inteiro. Com a bela medalha no peito voltei ao galpão onde se repetiu mais um almoço de massas. Sim, lá tem o jantar no sábado e o almoço pós prova, este com direito a um bom e farto vinho Lambrusco.
Cheguei em casa considerando a hipótese de no domingo seguinte correr a Maratona de Veneza, a poucos quilómetros dali, mas a semana de trabalho foi dura. Fui a Veneza apenas para assistir a prova, que pela expressão dos atletas também é muito boa. Está na agenda para este ano. Para quem gosta de conciliar corridas e turismo, fica aí uma sugestão.
A propósito, o recorde da prova pertence ao queniano Toroitich Haron Kiplimo, com 2:09:09, em 2004; o feminino é da italiana Maria Guida, com 2:25:57, em 1999. Em 2007 a vitória coube ao queniano Kiplagat Serem Noah, com 2:11:18; e no feminino à húngara Aniko Kalovics, com 2:28:17.
Carlyle Ramos de Oliveira Vilarinho é assinante de Brasília