POR TOMAZ LOURENÇO
Após 37 anos, a Maratona de Porto Alegre realiza uma alteração radical em seu andamento. Em todos esses anos, a prova de 42 km e outras de menor distância aconteciam no domingo, deixando-se o sábado para a entrega dos kits e a sempre confraternização dos corredores.
Mas, com o sucesso da Maratona Disney, que implantou o “pacote” de corridas em vários dias, com enorme número de participantes, e portanto maior arrecadação com as inscrições, outros (poucos) eventos a copiaram, a começar pela maratona carioca, agora seguida pelos gaúchos e também pelos catarinenses, em agosto.
Mas a mudança não se resume a interesses financeiros, já que em termos logísticos a alteração é interessante, pois ao invés de um enorme evento em um único dia, toda a estrutura se dilui por 2 dias (ou 4 na Disney…).
Tudo isso tem sido possível pela proposta que há até pouco tempo seria inconcebível, ou seja, ´corra uma maratona e na véspera faça uma meia´! Em termos de performance, obviamente que isso é um equívoco, mas os organizadores apostaram no ego dos corredores, de que gostariam de falar para os amigos e parentes que não apenas completaram 42 km, como fizeram 21 km no dia anterior, portanto são “super atletas”.
De ordem prática, os participantes desses 42 km no domingo vão continuar correndo com poucas pessoas ao lado, ao contrário do que se verifica nas maratonas “de verdade”, ou seja, naquelas em que o evento se resume a disputa de uma única distância, aquela surgida na Grécia.
Nestas, o clima é absolutamente diferente, na medida em que os inscritos estão sempre (desde a entrega dos kits) tendo ao lado quem vai também fazer os 42 km. Nada daquela coisa estranha de encontrar na chegada algumas pessoas com aparência pouco atlética, com medalha no pescoço (às vezes a mesma dos maratonistas…) por ter andado 5 km.
Pra deixar claro: as principais maratonas do mundo são todas “puras”, isto é, a única distância em disputa são os famosos e esdrúxulos 42.195 metros, que surgiram por acaso em Londres 1908 e se mantiveram, mesmo tendo pouco a ver com a história, já que o mensageiro grego Fidípedes teria feito aproximadamente 40 km. Estamos falando das provas de Nova York, Londres, Chicago, Paris, Boston, Tóquio, Berlim entre outras, e até de Buenos Aires.
De qualquer forma, a implantação dos 21 km no sábado e os 42 km no domingo tem o lado bom de transformar essas maratonas (Rio, Porto Alegre e Floripa) em quase “puras”, já que outras corridas curtas acontecem no mesmo dia. Mas perde-se um pouco o apelo do desafio da famosa longa distância, porque os que resolveram treinar para encarar os 42,2 km se transformam em apenas em mais um no meio de outros corredores, inclusive sendo ofuscados pelos demais, principalmente porque são em menor número no evento.
Por isso mesmo, a CR implantou em 1995 o Ranking Brasileiro de Maratonistas, para prestigiar aqueles que se empenham em repetir o feito que teria acontecido na Grécia, e o fazem correndo o melhor possível, da mesma forma que Fidípedes, mas sem morrer no final.
EVOLUÇÃO DAS MARATONAS – Como se pode ver no quadro, as provas (oficiais) de 42 km no Brasil tiveram uma redução global de participantes, de 11,1%, na comparação entre as duas últimas edições, com poucas exceções, a começar pela maratona gaúcha, que pode surpreender e se transformar este ano na maior do país, a depender de como será a resposta dos corredores à mudança promovida pelo organizador Paulo Silva e seu filho Paulinho Stone.
Tomaz Lourenço é jornalista, 76 anos; lançou a revista Contra-Relógio em outubro de 1993, sendo seu editor até a última edição em abril de 2021. Correu mais de 60 maratonas no Brasil e exterior, além de 2 Comrades; seu recorde nos 42 km foi ao estrear na distância, em Blumenau 1992, com 3h04.