Notícias admin 4 de outubro de 2010 (0) (108)

A volta às corridas, em uma meia em São Francisco

A minha história começa em 2006. Após participar da Meia do Rio, resolvi: em 2007, correria a minha primeira maratona! Corredor é assim: alcança uma meta e sai logo em busca de outra, constrói planos para os seus sonhos, estabelece prazos – enfim, é metido a estrategista. Cada corrida tem um significado que a maioria dos não-corredores não consegue entender – por um lado, é uma luta em superar limites e derrubar barreiras; e por outro é quase uma meditação, um momento interno de pura satisfação, quando o cérebro esquece todas as preocupações do mundo e se concentra apenas nos movimentos, na cadência e na sensação imensa de liberdade.

Meu irmão, que mora em São Francisco, nos Estados Unidos, ficou sabendo dos meus planos e me incentivou a fazer a maratona lá. Seria a combinação perfeita: visitá-lo e correr minha primeira de 42 km! Planejava visitá-lo em setembro de 2007 e resolvi manter a data, pois teria muitos meses para treinar. Comecei, então, a procurar por corridas que aconteceriam naquela época. Para minha surpresa, havia muitas opções – corrida é o que não falta por lá.

Tudo parecia perfeito até que, em novembro de 2006, comecei a sentir dores fortes nas canelas. As dores foram aumentando e me impedindo de correr – uma das minhas maiores paixões. Alguns amigos me indicaram médicos especialistas em fisiologia do esporte e eu resolvi procurar orientação profissional aqui em Belo Horizonte.

Lesão na tíbia. Os exames detectaram uma lesão na tíbia e eu tive que aprender a usar minha força de vontade e disciplina de uma outra maneira: para tratar a lesão. Ao contrário do que imaginei no princípio, o tempo de recuperação seria longo. Foram meses fora "das pistas de corrida", fazendo fisioterapia e cumprindo todas as recomendações médicas. Para não perder o condicionamento físico, eu nadava e pedalava.

Passei por momentos difíceis, principalmente quando meus amigos corredores me contavam suas participações em alguma prova. Meu desejo era de estar ali, junto deles…

Também não era fácil no trabalho, onde sou uma grande incentivadora da prática do esporte, explicar às pessoas que eu estava tratando de uma lesão, quando me perguntavam sobre as competições. Poucos eram os que entendiam que isto poderia acontecer na vida de qualquer atleta.

Os meses foram passando e meu tempo para treinar para uma maratona estava se encurtando. Em junho de 2007, resolvi, então, que deveria mudar meu foco: faria uma meia-maratona em São Francisco. Com a minha condição física, a meia já seria um grande desafio. O médico, ao saber da minha intenção, disse que faria tudo para eu conseguir realizá-la.

Em agosto, comecei a treinar novamente. Os treinos eram leves – tudo com muito cuidado para que as dores não voltassem. Na véspera da viagem, levei novos exames ao médico. Ele olhou cuidadosamente e falou: "Parabéns, não há nada visível aqui que pode lhe atrapalhar. Você completará esta corrida, mas não espere ficar entre as primeiras."

Saí feliz da consulta e, no dia seguinte, embarquei rumo a São Francisco, com meu marido, meu grande incentivador, e minha mãe. Era a primeira vez que minha mãe ía assistir uma corrida minha e eu estava ansiosa.

Muito frio, muita vontade. Na véspera, fui conhecer onde seria realizada a meia-maratona. Era um lugar lindo, perto do Lago Merced (que dá nome à prova), nas imediações da cidade. Estava um frio de matar! Dizem que nesta região faz frio o ano inteiro. E eu que achava que na Califórnia só fazia calor! Aquela música "Garota eu vou para a Califórnia, viver a vida sobre as ondas" me enganou… Surfista lá só entra no mar com roupa isolante para não congelar!

No dia seguinte, cheguei à competição com três blusas de frio e uma luva. Aqueci bastante e resolvi partir para a competição sem nada especial, como costumava correr no Brasil. O único acessório diferente foi um par de luvas. Como havia feito apenas treinos leves, não sabia ao certo o ritmo que poderia impor para conseguir percorrer todo o trajeto e completar a prova. Não conhecia meu corpo como antes. Tinha apenas uma certeza: queria, como sempre, me superar e fazer o meu melhor… afinal, a corrida é, para mim, uma metáfora da vida…

Meu irmão resolveu me acompanhar de bicicleta durante toda a prova! Ele tiraria fotos, filmaria e a sua presença me daria forças! A largada foi dada! E eu estava lá, correndo novamente! O percurso era muito mais difícil do que eu imaginava: havia muitos morros! Mesmo assim, as milhas passavam rápido… era como se eu estivesse leve! Algumas pessoas dizem que o corpo tem "memória". Acho que era isto que eu comprovava naquele momento.  Estava feliz por estar ali! Aquela corrida representava muita coisa para mim: a luta contra a minha lesão se materializava a cada passo, na certeza de que não devemos desistir diante dos problemas.

As pessoas da organização me davam força, brincavam comigo quando eu passava… muito legal! Na quarta milha, abandonei as luvas – já não sentia tanto frio. Mais à frente, quando meu relógio apitou, indicando que havia completado uma hora de corrida, senti um pouquinho de medo – a partir daí, as milhas ficam mais pesadas, o corpo reclama…  Então, mudei meu pensamento: havia passado tão rápido estes 60 minutos e faltava muito menos para a linha de chegada! Concentrei e mantive o ritmo!

 Faltando uma milha para completar o percurso, visualizei um grande morro… Estava difícil, mas pensei "depois deste morro, vem a linha de chegada"! Meu irmão, que havia me acompanhado o tempo inteiro praticamente em silêncio, falou: "Você está bem! Vai fazer uma ótimo tempo!".  Ao avistar a linha de chegada, meu coração se alegrou, impus um ritmo forte e levantei minhas mãos em um sinal "de vitória" – tinha que comunicar minha alegria de alguma maneira! Dei um grito para comemorar e as pessoas aplaudiam muito! Meu irmão filmava, minha mãe gritava! Era tudo mágico!

Ao chegar, me comunicaram: eu era a terceira mulher a cruzar a linha de chegada! Nossa! Nem acreditava! Mas em meio a tudo isto, percebi algo muito importante: a verdadeira vitória não estava em completar a corrida, muito menos em chegar entre as primeiras, mas em acreditar que é possível, a cada queda, recomeçar! Dedico esta vitória a todos os atletas que estão vivendo momentos de dificuldade, como os que vivi.

Nota da redação: A Meia-Maratona Lago Merced é um tipo de prova comum nos Estados Unidos, com poucos participantes, nenhuma premiação em dinheiro, mas com organização razoável. São as chamadas "corridas familiares". Na prova de São Francisco, completaram apenas 111 corredores (o campeão fez 1h16) e nossa leitora fechou os 21 km em 1h36. Mais detalhes no site www.dserunners.com.

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