Qual emoção ou sensação a corrida lhe traz? Como o esporte entra no cotidiano para mudá-lo, muitas vezes radicalmente, e não sair mais desse dia a dia? As três histórias de assinantes nesta seção este mês exemplificam muito bem essas questões. Morador de Salvador, Sérgio Andrade Costa foi atrás do sonho da primeira maratona, mas para isso teve que mudar totalmente de vida, partir para os treinos, dedicar-se, perder peso… Já o médico Rodrigo Andrade, de Belo Horizonte, vivenciou uma grande emoção, após a frustração da meia-maratona cancelada na Disney devido a forte temporal. Kellins Cristina Nunes, de Paragominas, deixou de lado os fortes remédios para a Síndrome de Pânico, enfrentou as crises e buscou a cura pela corrida, hoje estando recuperada, saudável e feliz, fazendo meias e maratonas. Conheça essas três histórias contadas pelos próprios personagens.
O desafio de Berlim
"Com o objetivo de poder melhorar os meus resultados de exames laboratoriais e perder peso (já estava acima de 100 kg), aventurei-me no mundo da corrida em 2014. Procurei um clube para poder fazer os meus primeiros treinos e, em poucos meses, já estava participando de provas de 5 e 10 km. Contudo, adquiri muitas lesões, em função do peso elevado que tinha e da falta de fortalecimento muscular, que até o momento era algo desconhecido por mim.
A primeira meia-maratona foi realizada no Rio de Janeiro, em 2015, com um tempo de 2h18, quando pude realizar uma parte do objetivo final. Consegui completar de forma tranquila cinco meias e, no final de cada uma delas, a vontade de ir em busca do meu grande sonho (os 42 km) sempre estava presente.
Porém, no início de 2017 atingi um peso bem elevado, o que me fez tomar a decisão de que o desafio de estrear em maratona exigiria uma preparação durante os 12 meses daquele ano. Tive uma reunião com meu técnico e com um amigo maratonista, e elaboramos um projeto: pilates, cross-training e natação duas vezes cada por semana; pedal aos domingos em trilhas; corrida às terças, quintas e sábados. Também visita à nutricionista uma vez ao mês, para uma reeducação alimentar, e fisioterapia preventiva.
Foram quatro meses de muito foco, enfrentando fortes treinos longos, que alcançaram até os 35 km. Acabei sofrendo uma lesão no joelho esquerdo e uma inflamação no menisco medial, o que me fez ficar bastante preocupado visto que faltavam menos de 20 dias para a prova. O tratamento de fisioterapia intensivo na reta final foi essencial para que eu pudesse ficar pronto até a maratona.
Cheguei em Berlim no dia 21 de setembro para me adaptar ao clima e conhecer o percurso. Pesando 85 kg e com uma força muscular bem melhor do que no inicio do ano, fui para a largada preparado a concluir a maratona em 4h45. A energia do público/corredores e a organização de uma prova desta magnitude são fantásticas. Após ouvir uma música de Ivete Sangalo na largada, parti em busca do meu desafio dos 42 km.
A estratégia seria correr leve a primeira parte e, a partir do km 21, ir aumentando o ritmo aos poucos. Cheguei ao km 21 e a minha esposa lá estava para me incentivar. A partir desse momento, dei início a uma segunda prova, mais rápida, com ritmo médio de 5:40/km. Não tomei conhecimento do temido km 38, e ao chegar no 42, a música do tema da vitória de Ayrton Senna entrou e foi muito difícil conseguir segurar a emoção da chegada, que fechei em 4h31.
Aproveito para também agradecer a vocês da Contra-Relógio que, através das inúmeras reportagens com diversas orientações, fizeram-me acreditar que o meu sonho era possível de ser alcançado."
Sérgio Andrade Costa, assinante de Salvador
A melhor meia que não aconteceu
Em 2017 fomos para o Desafio do Dunga organizado pela Disney nos parques de Orlando. Quatro dias consecutivos de corrida: 5 km + 10 km + meia + maratona. Tudo caminhou bem nas duas primeiras provas, quinta e sexta. Organização impecável, personagens pelo trajeto, o visual diferente da iluminação noturna do Epcot, um clima de muita confraternização e alegria.
No terceiro dia, o dedicado à meia-maratona, evento cancelado pelo risco de chuva com raios. Frustração! Acabei acordando de madrugada sem o despertador, como nos dias anteriores. Com o dia clareando comecei a avistar da minha janela corredores nos arredores do hotel. Muitos com o número de peito da corrida cancelada.
Eu, enjaulado no quarto, e as "vozes" dos dois lados discutindo. O diabinho no ombro esquerdo mandando ir correr. O anjinho no direito falando para sossegar, o dia seguinte seria de 42,2 km.
Eu pilhado para ir (a consciência dizendo que não, mas que fundista é muito racional?). Conversei via WhatsApp com meus companheiros de equipe também na Disney (Thiago Damasceno e Sidney Rovida), me aconselhei com minha esposa, Sandrinha, que acompanhava a minha aflição, escutei minha filha Jojô vendo o movimento da janela: "Igual você, papai; vai correr não?"
Claro que botei roupa e parti. Uma garrafa na mão e uniformizado como se estivesse na prova oficial. Surpresa! Cada vez mais corredores no circuito, cumprimentando-se. As pessoas aparecendo para incentivar, muitos oferecendo água que compraram a preço de Disney, gritando, não arredando pé nem quando a chuva apertou bastante.
Foi sensacional! Sem nenhuma organização formal, corredores e público unidos, fizemos o nosso evento. Uma das melhores meias-maratonas de que já participei. Terminei emocionado com a disposição e o incentivo dos apoiadores espontâneos. Quando a organização comunicou que entregaria as medalhas de qualquer jeito, aumentou a dimensão de ter cumprido todo o desafio.
O dia seguinte da maratona correu melhor que o esperado. Colhi os frutos dos meses de preparo com a assessoria Marcelo Camargo. A trajetória dos três dias anteriores, especialmente a dos 21 km por conta própria, mais do que minar o físico, prepararam o psicológico para o grande final."
Rodrigo Andrade, assinante de Belo Horizonte
A cura por meio da corrida
"Comecei a correr em 2008. Sempre pratiquei atividade física, musculação… Na escola, quando adolescente, jogava handebol. Mas nunca pensei em ser corredora, apesar de que adorava assistir às provas de rua, principalmente a São Silvestre todo final de ano pela televisão.
Passei então por um período muito difícil da minha vida, quando fui diagnosticada com Síndrome do Pânico. Tinha crises horríveis, qualidade de vida zero. Achava que poderia morrer a qualquer momento e deixar meus dois filhos, ainda bebês na época.
Resolvi buscar ajuda médica, comecei o tratamento psiquiátrico e psicológico. Com os remédios, as crises foram embora, porém, não me sentia em mim. Resolvi, por própria vontade, não tomar mais medicamentos e começar a busca pela cura, sem eles. Fiz tudo certinho, retirei o remédio de acordo com a orientação médica, mesmo sabendo que teria efeito rebote quando terminasse. E realmente eu tive, muito. Foi exatamente nesse momento que comecei a correr, em 2008, por orientação do meu treinador até hoje.
No início doía tudo, eu queria desistir, mas insisti. Comecei a corrida juntamente com a terapia. Peguei gosto pela modalidade. Até que o treinador me inscreveu em uma prova aqui na minha cidade, a Corrida da OAB. Eu não queria participar por achar que não conseguiria completá-la, mas fui e consegui ainda ficar em 4º lugar. Foi a minha salvação, a minha cura. Pequei gosto e não parei mais. Então, naquela São Silvestre que assistia pela televisão, eu estava lá, dois anos depois, correndo. Nesse período, já foram quatro maratonas, mais de 30 meias, não sei mais quantas provas de 8 km, 10 km e 15 km. Até no Deserto da Atacama já fui! E não pretendo parar tão cedo.
Enfim, não me recordo quando tive a última crise de pânico. Foi massacrante demais o período que a doença me consumiu, mas escolhi não deixá-la tomar conta da minha vida. Assumi as rédeas e hoje só penso no prazer de viver bem!"
Kellins Cristina Nunes, assinante de Paragominas-PA
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