As razões que levam pessoas a correr são as mais diversas. A faísca que inicia o processo pode estar relacionada a uma promessa de fim de ano, uma corrida atrás do ônibus em que se fique sem fôlego ou simplesmente uma surpresa ao se olhar no espelho.
Na busca pelo emagrecimento, seja pela insatisfação com as medidas corporais ou para a prevenção de complicações de saúde, acontecem os primeiros passos de corrida. Para obter o resultado esperado, é importante considerar se ela é realmente a atividade mais recomendada (veja o boxe) e também como utilizar a prática de forma eficiente.
Atualmente se entende que a massa corporal de um indivíduo resulta do balanço entre sua ingesta calórica – afetada até mesmo pela colherinha de açúcar adicionada ao café – e o seu gasto calórico – o total de energia utilizada pelo organismo em repouso ou durante atividades físicas.
De acordo com esta equação, é possível reduzir a massa corporal de duas formas, seja restringindo a quantidade de calorias ingeridas ou aumentado o gasto calórico, desde que o balanço calórico final seja negativo. A combinação das duas estratégias, porém, é mais eficiente a longo prazo do que a utilização de apenas uma ou outra, também para evitar novo ganho de peso, o chamado "efeito sanfona".
A utilização desta equação é uma simplificação que hoje alguns já classificam como antiquada, pois não leva em conta diversos fatores, como a qualidade e tipo das calorias, o horário da ingesta de alimentos, a capacidade de absorção etc. Contudo, para efeito de perda de peso (e não necessariamente saúde de uma forma global) ela funciona razoavelmente bem.
A corrida entra nesta equação principalmente como forma de aumentar o gasto calórico (existem ainda estudos sobre os efeitos do apetite em si, mas esta é uma questão ainda longe de um consenso). Dado seu gasto calórico relativamente elevado frente a outras modalidades esportivas (veja o gráfico), a corrida pode ser um grande aliado no processo de emagrecimento.
NOVO CONCEITO. O que se busca entender hoje é qual a melhor forma de utilizar a corrida para emagrecer, comparando, por exemplo, sessões de treino longos em intensidades baixas com sessões de intervalado em intensidades mais altas. Neste processo, surgiu um conceito chamado de FatMax, ou seja, a intensidade de corrida em que o organismo queima a maior quantidade de gordura (em gramas por hora ou outra unidade similar).
A FatMax pode ser medida em laboratório, utilizando o mesmo equipamento empregado para aferir o VO2max (consumo máximo de oxigênio). De forma simplificada, como o organismo utiliza oxigênio (O2) para produção de energia e em troca produz gás carbônico (CO2), a partir da proporção destes gases na respiração é possível determinar o tipo de substrato utilizado, de acordo com o coeficiente respiratório (veja o gráfico). Este tipo de teste deu origem à ideia de que para queimar gordura é preciso exercícios de intensidade mais moderada, e por consequência à criação da FatMax.
O conceito de FatMax é simples, e verdadeiro. O que pouca gente se pergunta é se correr em FatMax – normalmente uma intensidade bastante baixa – tem qualquer efeito significativo na perda de peso. Surpreendentemente, há pouquíssimos estudos sobre o assunto.
Em um raro achado, um estudo italiano de dois anos atrás mostrou que em sujeitos obesos o treino intervalado de alta intensidade (queimando essencialmente carboidratos) e o treinamento em FatMax tiveram o mesmo efeito sobre a perda de peso após duas semanas (4 kg de perda de massa gorda). O treinamento havia sido equalizado para o trabalho mecânico total, equivalente ao gasto calórico, de forma que as sessões em FatMax eram 50-60% mais longas que as de treino intervalado.
Falando puramente em perda de peso, a forma como as calorias são gastas parecem não fazer tanta diferença, uma conclusão que também é encontrada em outros estudos que não avaliam particularmente a FatMax, mas que simplesmente compararam sistemas de treino diferentes, mas com gasto calórico semelhante, em que os resultados também são normalmente parecidos.
ADAPTAÇÃO. O organismo é incrivelmente complexo, e sua capacidade de adaptação não para de surpreender. Se o exercício queima carboidratos, a recuperação irá utilizar os estoques de gordura para repor a glicogênio muscular (fonte de carboidratos), o que acaba anulando o efeito de queimar ou não gordura durante a atividade. Da mesma forma, o organismo de uma pessoa que inicia uma dieta pode responder diminuindo o metabolismo de repouso, numa tentativa de evitar a perda das reservas energéticas, o que acaba "atrapalhando" o processo de emagrecimento.
No entanto, quando se fala em perda de peso e exercício, o grande entrave parece ser mais comportamental do que bioquímico. As pessoas tendem a superestimar as calorias gastas com o exercício e subestimar as de seus alimentos. O treino realizado acaba por receber de "prêmio" uma refeição fora do programado, com aporte calórico mais elevado, e o resultado é que o balanço calórico mal se altera, com as devidas consequências para a perda de peso.
Para uma pessoa de 70 kg, por exemplo, meia hora de trote a 10 km/h teria um gasto estimado de apenas 300 kcal, o equivalente a duas latas de refrigerante. Para colocar estes números em perspectiva, combinações de dieta+exercício normalmente tem como alvo uma balanço calórico negativo de cerca de 500-1000 kcal por dia. Assim, para um corredor de 70 kg, um treino de meia-hora em ritmo leve não só não lhe dá direito a nenhum tipo de compensação, como ainda precisa estar aliado à restrição calórica para começar a ter um impacto sobre a massa corporal.
Cuidado com as articulações
Embora a corrida seja uma excelente forma de aumentar o gasto calórico – e por tabela favorecer o emagrecimento – é fundamental levar em conta o impacto provocado nas articulações. Para indivíduos sedentários com sobrepeso ou obesidade, pode ser mais recomendado iniciar a atividade física com caminhadas, hidroginástica, corrida aquática, natação ou ciclismo, práticas com menor impacto articular. Exercícios de força, como musculação, também podem oferecer uma melhor introdução a uma rotina ativa.
A corrida pode entrar depois, quando os músculos já estiverem mais fortes e a massa corporal menor. Além disso, é altamente recomendável visitar um médico cardiologista para verificar se o aumento da frequência cardíaca e pressão arterial durante o exercício é seguro, pois o sobrepeso pode estar associado a problemas cardiovasculares, que são assintomáticos em repouso.