Notícias Redação 26 de setembro de 2017 (0) (104)

Maratona sub 2h00? Foi quase!

O conceito do projeto Breaking2 (Quebrando 2 (horas)) era simples: reunir um time imbatível de atletas e especialistas para reunir todos os ingredientes necessários para que pudéssemos ver um corredor completar uma maratona em menos de 2 horas. Desde o início, porém, o projeto foi cercado por controvérsias: muita gente não gostou da ideia de transformar a maior barreira do atletismo moderno em um grande circo publicitário. Além disso, diversos pequenos fatores tornaram a prova inelegível para ser um recorde mundial: os "coelhos" se revezaram para oferecer pacing durante todo o tempo, um carro foi à frente dos corredores efetivamente ditando o ritmo e oferecendo bloqueio contra a vento, as bebidas foram levadas até a mão dos corredores etc.
Independente de todos os "contras" do evento, pouca gente do mundo da corrida deixou de prestar atenção ao que acontecia na manhã do dia 6 de maio no autódromo de Monza, na Itália, quando três dos melhores fundistas atuais, incluindo o atual campeão olímpico e o recordista mundial de meia maratona, largaram para buscar o ritmo de 2:58/km necessário para trazer a marca de Dennis Kimetto (2014) para baixo de 2 horas. Passada a marca de meia-maratona, no entanto, apenas Eliud Kipchoge continuava no páreo. Na marca dos 35 km, ele estava a apenas 5 segundos do alvo, e nos 38 km seu tempo projetado já era de 2:00:07.
Enquanto a maioria dos especialistas (de fora do projeto…) acertou em predizer que a marca sub 2 horas não seria atingida, eles erraram longe em termos de por quantos segundos ela não seria alcançada. Nos diferentes meios de comunicação, os palpites mais ousados falavam de melhoras de 1:00, 1:30, já levando em conta a ajuda extra que os diferentes fatores poderiam oferecer.
Outros apontavam para o fato de os corredores tentarem correr o tempo todo no ritmo alvo, de forma que quando quebrassem, entre o quilômetro 30-33 para a maioria, o "muro" seria enorme. De fato, os outros dois atletas terminaram com marcas de 2:06:50 e 2:14:10, sugerindo uma "quebra" de verdade. O fato de Kipchoge ter conseguido manter-se tão perto da meta até os últimos quilômetros e assim superar o recorde mundial em mais de 2:30 não é nada menos do que extraordinário!

AJUDA DOS CALÇADOS. Uma (das muitas) polêmica do projeto da Nike foi a maneira como a empresa lidou com a questão do doping, limitando-se a dizer que os atletas cumprem as regras ditadas pela agência antidoping. Os especialistas, claro, esperavam por testes feitos no dia e hora do evento, similar ao que é realizado em provas oficiais. O curioso do projeto foi que a questão do doping por uso de substâncias ilegais ficou em segundo plano quando surgiram detalhes sobre a legalidade dos calçados utilizados pelos atletas, talvez em decorrência de ser um projeto bancado por uma fabricante de artigos esportivos e não uma farmacêutica.
Segunda a Nike, o novo calçado aumenta a eficiência dos corredores em 4%, o que, dependendo da interpretação de eficiência, se traduziria em uma velocidade 4% maior para o mesmo gasto metabólico. Ao passo em que o mérito da afirmação em si precisa ser testado, surge uma questão que não pode ser evitada: até que ponto os calçados podem evoluir sem que isso constitua doping?
Vejamos o exemplo da natação: os trajes de corpo inteiro, que inicialmente foram celebrados como um marco revolucionário, acabaram sendo banidos das competições justamente porque funcionavam "demais"! Em um exemplo do atletismo, temos a situação dos amputados: as próteses de fibras de carbono oferecem um retorno da energia elástica maior do que uma perna "real", aumentado a eficiência do corredor em altas velocidades, o que de certa forma pode ser considerado como uma vantagem injusta.
Ora, os novos tênis da Nike possuem "uma plataforma de fibra de carbono com um inovador sistema de amortecimento, que aumenta o retorno de energia". Soa familiar com o caso das próteses? É interessante tentar delimitar onde fica a linha entre o que deve ou não ser permitido em termos de tecnologia nos calçados.
De acordo com as vagas regras do atletismo mundial, o objetivo dos calçados deve ser oferecer proteção, estabilidade e tração (daí a permissão para as travas ou pregos nas provas de pista). Além disso, o calçado não deve entregar uma vantagem indevida, e caso haja suspeita de que este seja o caso do calçado, será investigado e pode vir a ser banido. A federação internacional de atletismo chegou a investigar os novos calçados da Nike em março deste ano, mas acabou liberando seu uso. Sendo assim, o mais provável é que os tais 4% sejam mais uma jogada publicitária e menos um efeito real.

EFEITO BANNISTER? A questão agora é se a conquista de Kipchoge irá resultar em uma nova onda do "efeito Bannister", em alusão a Roger Bannister, primeiro homem a correr a milha em menos de 4 minutos. Antes dele, especialistas julgavam ser impossível uma pessoa fazer os 1.609 metros nesse tempo, criando assim uma barreira psicológica que acabou "contaminando" os corredores durante anos. Quando Bannister completou a prova (06/05/1954) em 3:59.4 – quebrando por dois segundos um recorde que já perdurava por quase 9 anos – em apenas 3 meses depois a marca foi superada outras 3 vezes (por outros 3 corredores)!
Eliud Kipchoge não quebrou as duas horas, e com certeza houve diversos fatores que contribuíram para sua marca, que não estão presentes em competições oficiais, mas é inegável que sua performance serviu para que os especialistas antecipem suas predições sobre quando as duas horas serão vencidas. E, se o público estiver com sorte, os corredores agora também estão mais confiantes.

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