Notícias contrarelogioadm 30 de julho de 2017 (0) (187)

Maratona de Boston é mesmo sensacional

A sensação que tive ao participar pela primeira vez da Maratona de Boston, no dia 17 de abril, foi muito parecida com a de correr a Comrades, na África do Sul, há 9 e 10 anos. A prova é quase toda por estrada asfaltada estreita, com muitos sobes e desces, gente de monte aplaudindo e você sempre com muitos corredores à sua volta. E que corredores!
Tudo muito semelhante à ultra africana, porém ainda mais intenso no que se refere ao público, cuja vibração chega a ser em alguns momentos ensurdecedora. Aliás, neste aspecto um fato curioso é que o percurso passa por várias pequenas localidades (a estrada vira a avenida principal local) e, dessa forma, após a passagem por esses condados volta o silêncio, mas por pouco tempo, porque logo depois já vem mais torcida.
E talvez também pela proximidade entre corredores e plateia, pela pista ser sempre relativamente estreita, o entusiasmo é contagiante, muitos graus acima do que se verifica em Nova York, Chicago, Berlim, Londres e Paris, para ficar no mundo das maratonas gigantes.
O outro diferencial é dado pelos participantes, que estão lá, em sua absoluta maioria, por mérito. Lutaram para obter tempos que os qualificassem para a inscrição, na única maratona que faz esse processo seletivo. O resultado é a presença praticamente apenas de corredores dedicados e, por isso mesmo, esbeltos. Com os meus 68 kg e 1,72 m, me sentia um pouco gordinho entre os magros e muitos magros ao meu lado.
Também aparecem por lá inscritos por pacotes turísticos, por doações a entidades e por patrocinadores e apoiadores do evento, mas são poucos, mesmo porque deve existir um sentimento meio encabulado de estar entre quem conseguiu o número de peito com muito esforço.

CORREDORES DIFERENTES. Esse público especial é um dos grandes diferenciais de Boston, mesmo em comparação com o de outras maratonas "puras", como são as Majors, ou seja, em que só há a opção de 42 km. Além da magreza, no aspecto físico, nota-se um orgulho por estar presente, e todos fazem questão de comprar o agasalho da prova, mesmo já tendo vários em casa, como um troféu a ser exibido entre os colegas de treino.
Uma das conversas mais comuns é se saber quantas Boston a pessoa já fez, aliás, absolutamente igual ao que se verifica na Comrades. E completá-la não lhe garante nenhum direito de novamente se inscrever, pois, continua prevalecendo a necessidade de se qualificar na própria prova ou nas outras com percurso aferido, por todo o mundo. Na seção "Contra-Corrente" desta edição, há mais detalhes sobre esse processo seletivo.
Complementando esta tentativa de traçar um perfil dos maratonistas de Boston, chamou a atenção a quase inexistência de gente com meias de compressão, igualmente de negros como é usual lá fora, o grande número de mulheres, especialmente de faixas etárias que não são muito comuns nas provas longas, ou seja, tendo menos de 30 anos e mais de 60. Todas rápidas…

FEIRA E JANTAR. A entrega dos kits nos 3 dias anteriores, em edificação na rua da chegada, ocorre sem formalidades e aferições e, por isso mesmo, sem lentidão. Era entrar com o "passaporte" da inscrição e uma identificação para pegar diretamente o número e, com ele, retirar o kit, constituído da camiseta, folhetos e algumas amostras grátis.
Depois se seguia para os andares abaixo, em que acontecia a feira, com destaque para o estande do patrocinador, Adidas, vendendo sem parar roupas alusivas à maratona, a preços normais, ou seja, caros. O restante dos expositores era o que se vê em todas as expos pelo mundo, inclusive no Brasil, sendo necessário muito empenho para achar algo que valesse a pena.
Como já estava pago o jantar de massas, a maioria foi lá participar e, portanto, não é difícil se imaginar o quanto pode ser demorado oferecer uma refeição para 40 mil pessoas (uns 25 mil corredores, mais acompanhantes). Também não se pode esperar muita qualidade na alimentação, nem ambiente refinado nesse jantar, confirmados plenamente em Boston. Talvez não por acaso quase nenhuma outra maratona importante ainda oferece jantar de massas, apesar do seu apelo festivo e de confraternização.

MUITOS ÔNIBUS. Chegamos então ao grande dia, segunda-feira, feriado local pelo Dia do Patriota. E tudo começa (para os corredores) com pegar o ônibus para a largada, em Hopkinton. Enquanto para o jantar muitos optam por não participar, neste caso a maioria segue mesmo nos tradicionais veículos escolares amarelos, o que significa a disponibilidade de 500 ônibus, cada um fazendo duas viagens, de 40 minutos.
Como a largada é em 4 ondas, o pessoal da quarta, como eu, podia tomar o ônibus até às 9h45, sendo que a primeira largada acontecia às 10h. Dessa forma, em determinado momento, havia gente já correndo, outras posicionadas nas baias, um terceiro grupo na área de concentração e o quarto a caminho. É efetivamente uma operação de guerra, que funciona plenamente.
Na concentração, banheiros à vontade, alguns alimentos, água, isotônico, protetor solar. Pelos alto falantes, recebe-se a informação para seguir para as baias, e vai-se caminhando tranquilamente por quase 1 km até lá, sendo que pouco antes, mais banheiros e garrafas d´água. A entrada nos currais é controlada pela identificação no número de peito e, obviamente, todos obedecem.
O resultado é que você sai entre seus pares de condicionamento, ou seja, com pessoas que conseguiram a qualificação com tempos próximos e, portanto, deverão correr no mesmo ritmo. E isso se verifica na prática, pois os primeiros quilômetros são sem congestionamentos, mesmo com a estrada se mantendo estreita.

COM VENTO A FAVOR. Desde o começo os participantes notaram que teriam um grande amigo, ao longo dos 42 km: vento a favor. Este fato e mais a temperatura amena (variou entre 16 e 22 graus) tornaram a prova bem agradável. Igualmente positivo são os postos de abastecimento, sempre com Gatorade e em seguida água, tudo em copos abertos, como é normal lá fora. O detalhe é havia primeiro o posto do lado direito e pouco depois começava o do lado esquerdo, tudo isso a cada milha (1,6 km).
Pontos de entrega de carboidrato em gel, apenas mais para frente, com o detalhe que o staff informava se o sachê era de produto com ou sem cafeína. Um luxo! A marcação da distância é em milhas, mas também a cada 5 km. Muitos banheiros químicos pelo percurso.
Em função do calor (nem tanto para os brasileiros), em alguns pontos hidrantes foram parcialmente abertos, para virar chuveiros, assim como a população também ajudava, com mangueiras nas portas das casas.

ENTÃO, A BARULHEIRA. Já tendo corrido algumas maratonas no exterior, imaginava que teríamos bom público pelo percurso, mas não no grau de empolgação da população de Boston. Talvez por a cidade ser pequena (600 mil habitantes), em comparação com as das outras Majors, parece que fazem questão de compensar, indo em massa para as ruas torcer pelos corredores, ainda mais depois do atentado há 4 anos. O movimento "Boston Strong" é visível por todo lado.
A torcida na passagem pelos condados é mesmo muito animadora e acaba estimulando os corredores. Música ao vivo é algo raro, mas muito se ouve de caixas de som, com o pessoal cantando junto. E não ficam na gritaria, oferecendo lenços, frutas (laranja em gomos, notadamente), gelo e até sorvete!
Apesar de largar a 400 m de altitude e chegar a praticamente zero, daí seus resultados não poderem ser homologados como recorde mundial, o percurso é cheio de subidinhas e descidinhas, portanto não tão favorável como nas inúmeras outras maratonas bem planas.
A chegada é super animada, com uma multidão vibrando nos últimos quilômetros e empurrando você para a linha final. Então é receber a medalha no peito, pegar a manta térmica, lanche e pensar: Eu completei Boston! Eu estou entre os melhores maratonistas!

 

Ruim para acompanhantes

Um dos aspectos ruins de Boston é que os acompanhantes têm que esperar entre 5 e 8 horas a chegada dos seus corredores, em função do tempo perdido no deslocamento de ônibus e o período na concentração. E como Boston não chega a ser uma cidade com grandes apelos turísticos (a não ser para os norte-americanos, em função da importância da cidade para a história do país), a viagem para a maratona não é muito interessante aos familiares.

 

 

Concluintes e elite
A 121ª Maratona de Boston teve 26.411 concluintes (14.438 homens e 11.973 mulheres), para 30.074 inscritos, mas apenas 27.221 na largada. Os norte-americanos representam 1/3 dos participantes.
O número de brasileiros praticamente quadruplicou em cinco anos, desde quando a Contra-Relógio começou uma cobertura exclusiva do evento anualmente. Agora, foram 237 inscritos, com 213 largando e 212 completando.
A vitória foi do queniano Geoffrey Kirui, em 2:08:37, seguido do norte-americano Galen Rupp e pelo estreante japonês Suguru Osako. A premiação parece que não conseguiu atrair importantes atletas de elite.
A também queniana Edna Kiplagat, que tem vitórias em Londres, Nova York e Los Angeles, foi a campeã, em 2:21:52. A corredora do Bahrein, Rose Chelimo, ficou em segundo lugar, seguida por duas norte-americanas: a estreante Jordan Hasay e Desi Linden, que chegou a liderar a prova.

 

 

Mina de ouro

Boston é uma excelente maratona, como são as Majors, mas como devem ser, uma vez que são uma grande mina de ouro, conseguindo milhões de dólares de lucro a cada evento, não apenas com as inscrições (caríssimas), mas com patrocinadores e apoiadores. Com o detalhe que operam com voluntários, o que é muito bom para a participação dos cidadãos, mas igualmente uma forma de lucrar ainda mais, pelo não custo desse staff.

 

 

Meu treino para Boston
Repeti a preparação de 12 semanas que tinha funcionado muito bem para Porto Alegre, com pequenas mudanças.
No ano passado, após 3 tentativas frustradas de conseguir a qualificação para Boston 2017, resolvi tentar o índice em Porto Alegre. Pedi, então, a ajuda do fisiologista e treinador Fernando Beltrami, colaborador da CR, que me passou uma planilha de 12 semanas (como tem feito aos assinantes que solicitam) e ela funcionou maravilhosamente.
Os treinos aconteceram com grande facilidade, em parte pela redução de peso concomitante, e acabei voando na maratona gaúcha, fechando em 4h03, quando precisava fazer em até 4h23, para garantir a inscrição em Boston. É verdade que, como sempre, o percurso em PoA também ajudou, assim como um frio até meio exagerado e a boa organização.
Mas apesar desse sucesso, não quis repetir exatamente a preparação para os 42 km do dia 17/03, trocando o longo ritmado aos domingos, de 20 km em média, por 2 treinos confortáveis no fim de semana, inicialmente de 9 km cada, até chegar a 15 km.
Assim, ficou mantido trabalho de qualidade nas terças (trote de 5 km + tiros + trote de 5 km), longuinhos nas quintas (trote + 10 a 15 km ritmo + trote) alternados com longos (20 a 35 km em trote rápido). Os tiros (2, 1,5 e 1 km ou 3, 2 e 1 km, caminhando por alguns minutos entre eles) eram feitos para 5 a 5:15/km, enquanto o ritmo na quinta em torno de 5:40/km) e os longos a 6:00/km; já aos sábados e domingos os treinos eram mais lentos, mesmo porque em percurso com subidas e descidas.
O último longo (de 34 km) aconteceu 18 dias antes de Boston e consegui fazer como indicado na planilha, ou seja, finalizar em 3h40. Depois, os treinos caíram de ritmo e de extensão, para então realizar o teste final, que me daria boa ideia das minhas possibilidades lá na prova americana. Então, me inscrevi na Maratona de SP, mas para correr os primeiros 20 km, em ritmo quase confortável, e assim realizei, fechando em 1h58, não (muito) esgotado.
Fui para Boston confiante, mas como sabem todos os que já correram 42 km, nunca se tem qualquer certeza sobre como vai acontecer a maratona, ficando tudo no campo do provável ou do estimado. Ainda mais quando as condições atmosféricas no dia podem ser muito favoráveis ou absolutamente contrárias a uma boa performance, características corriqueiras em Boston.
Em função do percurso da centenária maratona, com predomínios de descidas na primeira metade, a tendência é se fazer esta parte mais rápida que a segunda, ainda mais que no km 30 começam as famosas 3 subidas da Heart Breack Hill, tornando o "muro' algo muito natural em Boston. Enfim, a previsão é que faria a primeira meia em torno de 2 horas e a segunda um pouquinho mais lenta, dando uma média de 6 min/km.
O texto acima foi escrito antes de seguir para Boston e o que está a seguir, quando voltei.

A REALIDADE. O percurso em Boston se mostrou um pouco mais duro do que imaginava, mas tivemos uma ajuda importante por todo o tempo: vento a favor! O começo é mesmo rápido, pelas descidas suaves, e acabei fazendo os primeiros 20 km em 1h57, como imaginava, mas a segunda parte se confirmou como nada muito favorável, apesar de também não ser algo complicado, com algumas subidas curtas, entre elas as 3 citadas.
A falta de um longão bem feito, isto é, em ritmo de maratona, apareceu na segunda parte, batendo certo cansaço, mesmo com a temperatura amena e o sempre vento a favor. Decidi me poupar, para que as cãibras não aparecessem e para que eu pudesse fazer os últimos quilômetros sem me arrastar, especialmente os metros finais na Boylston Street.
Completei em 4h40, não muito animado pelo resultado, mas feliz por ter participado da mais empolgante das minhas quase 50 maratonas. O melhor de Boston foi a batalha para conseguir a qualificação, assim como tinham sido na Comrades os 5 meses de treino.

 

Depoimentos
"A Maratona de Boston foi a mais difícil e quente entre as 6 que já fiz. O percurso é bem técnico, com muitas subidas, mas a torcida ao longo do percurso é sensacional! Corri lesionada, com estiramento da panturrilha, mas valeu a pena todo o esforço. Fiquei impressionada como a cidade respira a maratona nos dias que antecedem a prova."
Claudia Matsui

"Concluí em Boston minha segunda participação, pois corri também em 2012. Nas duas provas, o calor foi um ingrediente adicional para dificultar a performance dos corredores. Em alguns postos de hidratação era quase impossível beber a água ou o isotônico oferecido, pois estavam quentes. Apesar desses percalços, consegui cruzar com muita emoção a emblemática finish line em Boyston Street com o tempo de 4h21."
Ismar Marques

"Prova dura, mas que foi coroada com recorde pessoal, de 3:03:38. Achei que era conhecida como a mãe das maratonas por ser a mais antiga, mas não é só isso; como toda mãe, ela exige muito!"
Rodrigo Previatti

"Foram as 26.2 milhas de maior estratégia de todas as minhas 7 maratona, e a 3ª em Boston. Senti o clima seco e o calor, mas procurei levantar a cabeça e seguir sorrindo; e assim foi até o final, conseguindo já minha nova qualificação."
Vânia Gasbarro

"Foi a minha segunda vez nesta surpreendente corrida. Boston surpreende por: reunir os melhores maratonistas; por ser muitíssimo bem organizada; por acontecer, há mais de 100 anos, no mesmo percurso e nos mesmos horários; e por emocionar e nos mostrar as melhores faces do esporte e do civismo."
Lucélio Crosário

"Boston 2017 foi uma prova dura com temperatura alta, mas também com muito calor humano dos seus voluntários e da população que por todo percurso incentivava os corredores aplaudindo, gritando, oferecendo água, isotônico, lenço umedecido, frutas e, o principal, uma alegria contagiante."
Nivardo Nepomuceno

"Ainda sem palavras… Dizer que foi a realização de um sonho, soa meio clichê e até um pouco piegas. Na verdade foi muito mais do que isso! Existem maratonas e existe Boston! Foram incríveis 2 horas e 58 minutos de pura emoção, alegria e superação nos quilômetros finais!"
Vinicius Trevisan

"Maratona com organização impecável, porém com percurso difícil. Como dizem, um serrote invertido. Não tem meio termo: ou se está subindo ou descendo. O clima também dificultou um pouco, mas como moro um Cuiabá, estou acostumado."
Valmir Aparecido Franco

"Boston é a cereja do bolo das maratonas. Fiquei muito feliz com meu resultado aos quase 53 anos; fechei em 2:56:20. Agora, Chicago."
Paulo Lacerda

 

Veja também

Leave a comment