Tudo começou com a ideia de fazer sua primeira maratona. "Queria que fosse em 2016, quando completasse 40 anos. Mas acabei ‘queimando' a largada e corri a Maratona de Paris em 2015", conta Edna Havlin, de São Paulo. De qualquer forma, ela buscaria uma prova para marcar de maneira especial suas quatro décadas de vida.
"Pensei na Grécia e em Bruxelas (onde já morei e comecei a correr meias-maratonas). Até que cheguei à Two Oceans – vi uma pessoa usando um boné da prova. Achei que o nome tinha tudo a ver com o meu momento. E passei a buscar informações. ‘Ah, África do Sul, bacana… Mas não é maratona? É uma ultra? 56 km? E agora?' A primeira coisa foi conversar com meu treinador", conta. E ele foi bem claro: o treino é sempre a parte mais difícil. "Ele me alertou sobre jornadas árduas nos finais de semanas, lembrou que eu tinha filhas pequenas e perguntou se estava disposta mesmo. Seria uma prova antes da prova."
Pensando na preparação que teria pela frente, a corredora foi tratar uma lesão no pé. "Meu fisioterapeuta era o Matheus, um baiano alegre, que me disse: ‘Bora cuidar deste pé para fazer uma prova porreta!'"
Por conta de compromissos pessoais, Edna estava com muitas viagens programadas para o segundo semestre de 2015. E o treinador fez a programação de suas atividades. "Mais quilômetros em um dia, mais intensidade em outro… Restou ser disciplinada e acordar às quatro da manhã, comer direito, fazer o treino, voltar para o hotel e começar o dia com a família, afinal, era um passeio familiar."
MARATONA COM ÍNDICES. Em janeiro de 2016, ela correu uma maratona na região de Celebration, na Flórida, Estados Unidos, para submeter o tempo para a Two Oceans. "Eu tinha de ter uma maratona no período de nove meses e minha única havia sido Paris, que já estava fora do prazo. Não foi fácil. Tive dores no km 37 e pensava ‘perna, me deixe terminar, quando voltar a São Paulo prometo que vou cuidar de você'", conta, rindo. O fato é que Edna concluiu os 42 km em 3h37, obtendo ainda índice para Boston 2017.
De volta ao Brasil, a corredora foi resolver o problema na perna e fazer reeducação de postura. "Os dias de treino duplos eram bem difíceis. Costumava colocar uma música sul africana (Shosholoza) enquanto fazia minha refeição para o segundo treino para ir absorvendo, para ir treinando a mente. E refletia sobre porque estava saindo novamente para correr – eu já tinha feito aquilo às cinco da manhã! Parecia um déjà-vu. Duas semanas antes da prova, fiquei extremamente emotiva. Estava acabando e eu havia sobrevivido até ali. Estava magra, forte e saudável, mas o medo do desconhecido mexia comigo."
MOMENTOS MÁGICOS. Finalmente chegou o grande dia da Two Oceans. "Meu táxi atrasou e fez toda minha concentração desaparecer. Cheguei faltando 20 minutos para a largada com o tiro canhão, mas ainda em tempo de ouvir Shosholoza. Chorei e agradeci. Durante a prova, correndo entre os corredores com 17, 32, 43 ultramaratonas (essa informação consta no número de peito do atleta), passei a me questionar se não deveria estar lá atrás. Achei que estava muito rápida e que talvez devesse ser mais conservadora. Mas lembrei de que estava bem treinada e dentro do ritmo programado. Sabia que podia e merecia estar ali."
Por volta do km 25, apareceu a dor no pé. "Olhei para o céu e pedi: ‘poxa, Matheus, dá uma força aí que meu pé está reclamando'. Meu fisioterapeuta havia morrido pouco antes em um acidente de trânsito, quando voltava do trabalho de bicicleta."
Em determinado ponto da corrida, Edna encontrou uma amiga que foi importante em sua fase de preparação. "Antes do km 30 ela perguntou como eu estava. Respondi: cansada. Quando passamos o pórtico da maratona, falei: aqui começa a prova. Ela seguiu e fiquei mais atrás, enfrentando um vento absurdo e uma subida de 7 km."
Foram quilômetros intermináveis – Edna trotou, correu e andou. "Pensei em muita gente e na minha coragem em enfrentar uma ultra. E tive uma conversa muito intensa com minha mãe (falecida quando eu tinha 18 anos). Sabe aquela conversa que você quer ter com alguém que foi embora? Não era somente para agradecer e dizer que estava com saudade. Era também para dizer que me arrependia de algumas coisas que tinha feito, sobre o que me magoou e o que ainda sentia… Foi essa conversa que tivemos", conta.
A chegada ao estádio, reta final da ultra, foi emocionante – uma experiência mística. "Ali, naquele ponto, já havia arquibancadas. Quando faço a volta, parece que vejo minha mãe de pé me aplaudindo. Meu corpo se arrepiou inteiro", revela, emocionada. Logo à frente estava sua filha vibrando. "Cruzei, terminei, completei… Foram 4h54! Com a medalha no peito, fui para um canto, deitei na grama e fiquei olhando para o céu. Um staff me perguntou se estava bem. Eu disse: ‘Isso é real? Isso está realmente acontecendo?' Ele respondeu. ‘Sim. Você acabou de completar a Two Oceans Marathon!' Chorei muito, agradeci mais ainda. Parecia que eu havia cruzado os dois oceanos. Ainda não consigo falar dessa prova sem chorar. Que experiência!"