O título do clássico livro de memórias do escritor americano Ernest Hemingway, "Paris É Uma Festa", publicado em 1964 (portanto três anos depois da sua morte, com o título original "A Moveable Feast"), bem que se pode aplicar à Maratona de Paris. Se Hemingway registrou no livro a efervescência cultural e política da capital francesa nos anos 20 (do século passado), que ele viveu pessoalmente, corredores de todo o mundo foram a Paris no domingo 3 de abril para fazerdesta maratona uma festa inesquecível, que cresce a cada ano.
Apesar da lembrança dos brutais ataques terroristas de 13 de novembro de 2015, que vitimaram 130 pessoas, ainda estar fresca na mente de todos, ela não tirou o brilho e o entusiasmo dos 43.317 concluintes. Obviamente houve uma preocupação extra com a segurança, o que resultou em um contingente de policiais e agentes jamais visto nos 40 anos da prova, mas a coisa foi feita de maneira eficaz e, na medida do possível, sutil.
O acesso à largada, na mais bela avenida do mundo, o Champs Elysées, dividida em baias com partidas em ondas, aconteceu de forma tranquila e ordeira. Uma das coisas boas de se correr em Paris é poder chegar pouco antes da largada, evitando aquele desgaste tão conhecido de todos que vão, por exemplo, correr a Maratona de Nova York.
Perfeito também esteve o clima. Depois de três dias de chuva e frio constantes, o domingo amanheceu com temperatura amena, na casa dos 14 graus (que chegou a 18 ao longo da prova) e céu azul. A primeira largada, às 8h50, reuniu os atletas da elite e o primeiro grupo mais rápido da grande massa, aqueles que pretendiam correr em até 3h15. Eu estava nele, confiante, depois de três meias maratonas sub 1h28 (como relatei em matéria na CR do mês passado), de que conseguiria a minha meta A: correr em menos de 3:13:57, meu tempo na Maratona de NY de 2015, portanto há menos de seis meses. Ou mesmo a meta B: completar abaixo de 3h10, se tudo desse certo.
TAMANHO É DOCUMENTO. Mesmo estando já há mais de dez anos entre as maiores maratonas do mundo, pelo critério de número de concluintes (e qual melhor critério para se estabelecer a grandiosidade de uma maratona?), Paris não faz parte das seis majors – grupo que reúne as milionárias maratonas de Londres, Boston, Tóquio, Berlim, Chicago e Nova York.
Em 2013, ela chegou ao posto de terceira maior, perdendo apenas para NY e Chicago, posição que repetiu em 2014, com 40.783 corredores completando. Em 2015, passou Chicago e a barreira dos 41 mil concluintes (exatos 41.342), perdendo apenas para NY. Pois bem, os 43.317 concluintes deste ano fizeram desta 40ª edição a sétima maior maratona de todos os tempos (todas as outras seis foram em NY, de 2009 a 2015 – lembrando que em 2012 ela não foi realizada, por causa do furacão Sandy).
Mesmo com tanta gente, a fluidez da prova é perfeita desde o início. Saí em "velocidade de cruzeiro", a 4:30/km de média, para aquecer curtindo o visual dos Champs Elysées, em suave descida, rumo à Place de la Concorde. Depois de passar pela Rue de Rivoli, acompanhando a lateral norte do Museu do Louvre, ao chegar à Place de la Bastille, no km 5, já estava com média de 4:25/km.
A estratégia era ir baixando a média aos poucos, até chegar aos 4:22/km, o que consegui ao passar a meia em 1:32:13. Dali até a linha de chegada, corri praticamente no mesmo ritmo, sem dores, cãibras ou surpresas, fechando em 3:04:57, exatos 9 minutos mais rápido do que em Nova York.
PELA QUINTA VEZ. Foi a minha quinta maratona de Paris, e a mais rápida delas. O percurso, além de muito bonito, é plano na sua maior parte e bastante agradável, com muitos quilômetros percorridos em áreas verdes. Primeiro, no Bois de Vincennes, entre os km 9 e 17; depois, no Bois de Boulogne, onde se correm os últimos 7 km da prova. A chegada, triunfal, é na elegante e aristocrática Avenue Foch, com o Arco do Triunfo ao fundo.
As poucas subidas não são travadas, o que garante a manutenção do ritmo desejado. O visual é incrível e a animação em vários pontos vem crescendo a cada ano. O visual da Torre Eiffel, que se descortina à esquerda, do outro lado do rio Sena, na altura do km 29, é um dos momentos mais emocionantes do percurso. A organização é impecável, com uma feira excelente, tão boa ou mesmo melhor do que a de NY, que ainda é a grande referência mundial no assunto.
Aliás, é interessante notar a maciça presença de corredores dos EUA em Paris, da mesma forma que vemos tantos franceses correndo em NY todos os anos. Parece haver uma atração mútua entre estas duas provas e estas duas cidades.
Além da corrida em si, ir a Paris vale sobretudo pela viagem. Se as atrações da capital francesa são inúmeras e notórias, portanto inútil enumerá-las aqui, as possibilidades de passeios incríveis em toda a França, e mesmo na Europa, são quase infinitas – a dica é estender o roteiro depois da prova, para não se desgastar antes do grande dia.
Mas, quem não tiver muito tempo também não vai se arrepender ficando apenas em Paris. Muito mais do que um destino turístico consagrado, é uma cidade com alma e charme próprios, que seduz de forma irresistível o visitante que se aventurar a explorá-la. Afinal, Hemingway estava certo: Paris é uma festa!
Marcio Carrilho, 47 anos, é jornalista e já completou 29 maratonas, sendo 24 sub 3h40 e cinco sub 3h. Seu melhor tempo é 2:45:12.