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É melhor ser confiante ou modesto na corrida?

por Fernando Beltrami | FISIOLOGIA | NOVEMBRO 2010

Na CR de outubro tratamos de trabalhos que foram expostos durante o Congresso Anual da Associação Britânica de Ciências do Esporte e Exercício, realizado em Glasgow, na Escócia. Tendo como tema “Desafiando o dogma”, o congresso estimulava trabalhos que fossem na contra-corrente do pensamento atual em ciências esportivas, e com três dias de duração e algumas centenas de trabalhos apresentados, ficou difícil falar de tudo em apenas uma edição de revista.

As áreas com informações mais seguras em conferências são os debates e simpósios, em que os maiores especialistas de determinadas áreas apresentam suas opiniões, normalmente divergentes, sobre os mais diversos assuntos em ciências do esporte. Vamos aos que chamaram mais atenção em Glasgow!

Confiança X Dúvida

O conceito de auto-eficácia – o quanto alguém acredita ser capaz de realizar determinada tarefa – é tradicionalmente aceito como tendo grande importância para a performance e desempenho esportivo. O primeiro passo é acreditar (impossível não é nada, querer é poder…); são inúmeras as frases de efeito que podem ser utilizadas para ilustrar este ponto. Diversas pesquisas mostram uma relação positiva entre altos níveis de auto-eficácia, ou um alto índice de confiança, na performance esportiva. Esportes coletivos geralmente ilustram bem este ponto, em situações em que após um lance decisivo, ou muito disputado, o time vencedor passa a obter grande vantagem na partida, enquanto o adversário parece perder-se em quadra.

No entanto, esta visão tem sido questionada por alguns especialistas, baseados no seguinte ponto: uma boa performance eleva os índices de auto-eficácia, e daí a boa relação entre os dois, porém esta elevada auto-eficácia apresenta uma relação muito mais fraca com a próxima performance do indivíduo. Segundo os defensores desta idéia, um pouco de “auto-dúvida” (me perdoem os psicólogos se a tradução não for a mais adequada) sobre a capacidade de realizar a tarefa funciona com um incentivo para adquirir a habilidade e o foco necessário para vencer os desafios numa próxima oportunidade. Novamente, esportes coletivos podem oferecer um ótimo exemplo, como no caso dos times que jogam “de salto alto”, muitas vezes extra-confiantes em sua vitória, e acabam sendo surpreendidos pelos adversários.

Este conceito é fundamental para corredores, utilizando-se também a noção de retorno à média. A idéia de retorno à média parece ter sido desenvolvida por um pesquisador enquanto lecionava para instrutores de pilotos de caça. Ao dizer para sua classe que as pessoas funcionam melhor quando recebem um comentário positivo sobre sua performance, o pesquisador foi surpreendido pela reação de seus alunos, que discordavam de sua opinião. Segundo eles, sempre que um piloto realizava uma manobra espetacular e era elogiado, sua próxima manobra era ruim, e o oposto também era verdade: uma manobra ruim, devidamente criticada, era seguida de uma melhora significativa em desempenho, donde a conclusão que os pilotos funcionavam melhor com xingamentos do que com elogios. O conceito de retorno à média é justamente isso, o fato de que qualquer performance extrema (positiva ou negativa) será normalmente seguida por uma pior ou melhor, respectivamente, pois o resultado tende a voltar para o nível médio de desempenho do indivíduo, e isso independente do tipo de feedback recebido, ao contrário do que acreditavam os instrutores.

Voltando ao mundo dos corredores, estudos indicam que a performance ao longo de uma temporada competitiva varia entre 2,5% a 4,2% entre provas de 10 km a maratonas (a maior variação aparentemente ocorrendo em meias maratonas), com a grau de variação aumentando conforme o grau de perfomance diminui – corredores mais treinados são mais estáveis em seus tempos. O seja, um corredor com um tempo médio de meia maratona na casa de 1h30 pode ter um tempo próximo de 1h27 num dia bom, ou 1h33 num dia ruim. Agora digamos que o melhor tenha ocorrido, que tudo deu certo na prova e que a barreira de uma hora e meia foi quebrada. Imagine agora o tamanho da frustração se após uma meia em 1h28 o desempenho cair para 1h31 ou mesmo 1h33! Essa diferença de três minutos para mais ou para menos numa meia maratona equivale a 8,5 segundos por quilômetro, ou três segundos por volta, uma variação não maior que a usada na prescrição de treinos.

Claro, estamos falando de uma diferença um pouco grande, considerando um dia muito bom e um muito ruim, mas o fato é que todo o corredor está sujeito a passar por isso, e é neste ponto que a auto-confiança se torna tão importante. É fundamental que assim como o corredor não se deixar levar por um dia ruim, ele também não se deixe carregar pelas emoções em um dia muito bom. Quer dizer, existe sempre a chance que nosso melhor tempo tenha sido um resultado incomum, e não se deve esperar pulverizar aquela marca na próxima corrida. Um pouco mais de cautela evita grandes decepções assim que se passarem os primeiros quilômetros da prova.

Ajuda da beterraba

Talvez o assunto não seja assim tão novidade para os nutricionistas de plantão, mas me supreendeu de qualquer jeito. Diversos estudos recentes têm analisado os efeitos da suplementação de óxido nítrico em diversos aspectos da fisiologia humana, como vasodilatação, estresse oxidativo e contratilidade muscular. Uma nova série de estudos, liderada pelo professor Andrew Jones, analisou os efeitos da suplementação alimentar de óxido nítrico (farmacológica), e inicialmente foi encontrada uma diminuição da pressão arterial sistólica e também no “custo de oxigênio” durante cargas leves a moderadas de cilismo. Este achado é realmente intrigante, pois o custo de oxigênio (quantidade de oxigênio gasta para se pedalar/correr uma determinada distância em uma determinada velocidade) é uma variável extremamente difícil de mostrar alguma variação em função de intervenções farmacológicas, alimentares ou de treinamento.

Seguindo a pista dos achados iniciais, o grupo pesquisou os efeitos da suplementação alimentar feita a partir da ingestão de 500ml de suco de beterraba (rico em óxido nítrico) durante seis dias consecutivos. A suplementação resultou em um amento de 100% na concentração sanguínea de nitrito (derivado do oxido nítrico), redução de 8mmHg na pressão arterial sistólica e diminuição de 5% no consumo de oxigênio durante exercício submáximo. Subsequentes trabalhos do grupo apresentaram melhoras na economia de movimento mesmo após doses únicas de suco de beterraba, e indicadores de melhora de desempenho, como aumento do tempo de exaustão durante testes de corrida em cargas fixas. Um dos mecanismos apresentados pelos autores é que a suplementação melhora a capacidade contrátil dos músculos, fazendo com que eles necessitem queimar menos oxigênio para produzir força. Os resultados parecem animadores, e com certeza é um assunto para se ficar de olho!

Equipamentos de corrida

Em alguma matéria passada, lembro de ter comentado, ou ao menos pensei em escrever, que os corredores de hoje parecem samurais, de tantos aparatos que carregam durante suas provas. Alguns deles, que já foram temas de matérias aqui na CR, apareceram no congresso, felizmente todos de acordo com o que dissemos na revista.

Considerado equipamento indispensável até pouco tempo atrás, a discussão sobre corrida com ou sem tênis foi tema de um dos trabalhos apresentados. Quando comparados em velocidades ligeiramente abaixo de limiar anaeróbico, corredores apresentaram um menor consumo de oxigênio, menor comprimento de passada e menor tempo de contato com o solo quando corriam descalços, resultados que tendem a propiciar uma melhor performance. Estes efeitos foram encontrados em corredores que até então eram acostumados a correr sempre calçados, sugerindo então uma adaptação imediata no estilo de corrida. No entanto, a discussão sobre aumento ou diminuição de lesões continua uma incógnita.

Os famosos equipamentos de compressão também foram tema de um estudo, onde jogadores de rugby utilizaram calças de compressão ou calças de Lycra comum durante 24 horas após uma série de exercícios que simulavam uma partida do esporte. A performance durante um teste de 3 km e uma série de 10 sprints de 40 m foi positivamente influenciada pelos equipamentos, e os níveis de fadiga muscular relatados também foram menores.

Também de acordo com o que já publicamos aqui na CR, um trabalho procurando por possíveis efeitos de dilatadores nasais na performance e em variáveis ventilatórias durante exercício foi incapaz de achar qualquer diferença, apontando para uma reduzida utilidade dos mesmos durante exercício em pessoas saudáveis.

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