Sem categoria admin 4 de outubro de 2010 (0) (110)

Médicos corredores: uma turma saudável

Os especialistas ligados à área esportiva têm uma rotina semelhante à dos seus pacientes e, com isso, conseguem entender melhor suas necessidades. "Eu vivo o que os pacientes enfrentam, então, em contrapartida, posso passar uma experiência maior para eles", diz o médico do esporte José Marques Neto, colunista da Contra-Relógio. "É bom porque tenho uma convivência com eles longe do consultório, nos treinos, nas provas, nas viagens. E troco informações com as assessorias esportivas constantemente, o que é enriquecedor", completa o especialista, que foi tenista profissional antes de passar a se dedicar à corrida, 12 anos atrás.

Também especialista em medicina esportiva, Paulo Barone tem na corrida um complemento para a prática do basquete e do futebol, seus outros esportes. "O contato com pacientes que correm aumentou meu interesse", conta ele, que treina quatro vezes por semana. Em sua opinião, é importante que o especialista tente praticar o que ele prega. "O paciente julga o que tem em comum com você e fica mais fácil quando você fala a linguagem dele. Isso ajuda, mas não é essencial, senão os melhores médicos do esporte seriam todos ex-atletas", pondera.

Exageros à parte… Para entrar no ritmo de treinamento, os especialistas passam pelos mesmos estágios dos leigos, também enfrentam um difícil período de transição inicial e precisam de muita persistência para tornar a atividade física um hábito. Afinal, o saber teórico não garante facilidade na hora de encarar a corrida. "A teoria não adianta se a prática for desregrada. Você não pode começar todo animado e ir largando depois de dois ou três meses", comenta Barone.

Depois de ganhar condicionamento, os médicos, em geral, passam a cometer um erro comum: não respeitar os próprios limites. "Às vezes, a gente está muito cansado, em um dia em que, para um paciente, a recomendação seria de descanso. Mas a gente acaba indo treinar até com dor", diz Barone.

José Marques também se diz "audacioso no treinamento", ou seja, exagera na dose. E, às vezes, acelera um pouco sua recuperação, "mas só porque é comigo", avisa. Para evitar problemas, o especialista prefere não descuidar da prevenção, fazendo alongamento e treinamento de força, com musculação e pilates.

Quem igualmente passa do ponto às vezes é o cardiologista infantil Gustavo Foronda. A corrida, para ele, veio depois da prática de vários outros esportes, como triatlo, remo, vela, judô. Essa bagagem esportiva o tornou um "viciado". "Eu não consigo ficar sem correr, pelo menos quatro, cinco vezes por semana. Quando não posso, fico mais irritado, com menos paciência", admite. "Também exagero na intensidade dos treinos. Fiz 80 km na Volta à Ilha, depois corri a Maratona de São Paulo e vou correr outra. O descanso é pouco, sei que é errado, mas consigo resultado com isso", argumenta.

Os abusos não o livram de problemas físicos. O sistema cardiovascular está em dia, segundo ele; o que sofre é a parte ortopédica. "Torci o joelho em cima de uma lesão crônica, e ela virou uma lesão aguda", conta. Se algumas situações mais leves ele mesmo resolve, neste caso, procurou ajuda. "Fiz ressonância, fisioterapia, tenho um ortopedista, tudo certo", esclarece.

Outro erro comum entre os médicos, por causa da agenda apertada e da ausência de horário fixo de trabalho, é o descuido com a alimentação. "De vez em quando, por conta da agenda corrida, a gente pula alguma refeição, o que não se deve fazer. Mas, com o tempo, vamos corrigindo essas falhas, mudando hábitos, até atingir a maturidade no esporte", diz Paulo Barone.

A ortopedista Kelly Cristina Stefani é outra que nem sempre se alimenta como gostaria. "Por causa do dia-a-dia bastante atribulado, acabo não fazendo uma alimentação adequada ao treinamento", confessa. Ela ressalta as complicações ocasionadas por um cardápio que não consiga suprir as necessidades do esportista. "A pessoa pode ficar fraca, desmaiar, cair e se machucar, ter mais câimbras, se sobrecarregar e acabar, indiretamente, com um problema ortopédico."

Maior identificação. A escolha da especialidade, para Kelly, foi resultado do que sentiu na pele. Quando ainda praticava esportes coletivos e precisava ir ao ortopedista, ela sentia que não era bem compreendida. Por isso, hoje tenta traduzir da melhor forma as necessidades de seus pacientes. "Você entende melhor quando um paciente não quer parar de fazer esporte por causa de uma lesão. Então, tenta fazer um tratamento que permita que ele continue, de alguma forma, a se exercitar. Porque pedir para ele ficar sem fazer nada até melhorar é fácil." Para ela, outra vantagem de ser esportista é a maior identificação com os pacientes.

Sua sócia Regina Yumi também teve altos e baixos. Quando começou a correr, há sete anos, exagerou e sofreu com uma tendinite que a deixou mais de dois meses "de molho". A experiência a ajudou a encontrar o ponto certo entre o exercício e o descanso. E também a dar uma assistência mais personalizada para seus pacientes. "Eu sinto junto com eles o desespero de ficar sem correr por causa de uma lesão. Então, tento fazer uma reabilitação intensa, para que ele volte rápido", afirma. Hoje, ela reconhece um único erro relacionado ao esporte: usar salto alto. "A gente é mulher, usa roupa social, não tem jeito", explica.

A falha da neurologista Rosana Cardoso Alves é outra. Ela admite não ser das mais disciplinadas. "Se está ameaçando chover, não vou treinar; se o trânsito está ruim, pior ainda", confessa. Apesar da irregularidade, ela garante ter tido inúmeros benefícios por meio da corrida. O esporte entrou em sua vida como um aliado no controle da hipertensão. "Os médicos, em geral, não cuidam muito da saúde. Mas, quando você começa a correr, se sente mais ativa, tem mais disposição. Além de ser uma atividade lúdica, pelo contato com os colegas de equipe." Agora, ela recomenda com mais entusiasmo a atividade física aos seus pacientes. "Eu mesma sou um exemplo, por ter começado depois dos 35 anos", diz.

O cardiologista Foronda tem a mesma opinião. "O respeito aumenta quando sabem que a gente corre. Eles nos vêem como um ser humano normal, e isso nos aproxima deles. Além disso, eu acabo sendo um exemplo para os pais e as crianças, por conseguir conciliar uma vida maluca, dormindo pouco, mas acordando cedo para cuidar da saúde", avalia.

No trabalho, ele aproveita para incentivar as futuras gerações para a prática esportiva. Como faz com seus filhos, que gostam de esporte. "Você não impõe nada, mas o exemplo já os direciona. Eles vêem o pai correndo e ficam com vontade de fazer alguma coisa", conta.

Passar da teoria para a prática o que é bom para a saúde é o que todo médico deveria fazer, na opinião dos médicos-corredores. "É importante trazer o que existe de benefício para você, senão, não adianta ter o conhecimento", corrobora Paulo Barone. E se a área de atuação for ligada ao esporte, o especialista, de quebra, aumenta o número de clientes. "Por saberem que eu sou médico, muita gente pede conselhos quando me encontram nos treinos e nas provas. Acaba sendo um meio de exposição", confirma José Marques Neto.

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