Após realizar várias corridas de ruas, resolvi mudar de cenário e comecei a participar de provas onde os terrenos fossem mais desafiadores. Dessa forma, inscrevi-me na 12ª edição da Polar Circle Marathon, na Groelândia, divulgada como a mais gelada do planeta e, já que estaria por lá, decidi fazer o Polar Bear Challenge, ou seja, maratona no sábado e meia no domingo, dias 24 e 25 de outubro.
Mesmo com os treinos fortes, sessões de alongamentos e massagem, ainda assim faltou para mim, corredor não profissional de um país tropical, saber como se comportaria o corpo a uma temperatura esperada de -14°C. Encarei o desafio. Estava certo do que queria, confiante.
Lá chegando, dia 22 de outubro, ocorreu o reconhecimento do percurso da prova. Primeiro contato com o frio assustador e primeiro "convite" a não participar do desafio. Na calota de gelo (Ice Cap) o frio é absurdo, e neste local seriam os primeiros seis quilômetros da prova. Procurei fazer treinos de aclimatação nos dias que antecederam a prova.
Primeiro grande dia: maratona. Chega o momento tão esperado; estava ansioso, mas confiante. No caminhão que levou os corredores à linha de largada recebemos o aviso da organização: ventos fortes no Ice Cap, sensação térmica de -30°C. Não tinha volta, estava lá para isso, e foi dada a largada. Não basta só treinamento físico para provas extremas; o autocrontrole emocional é testado a todo momento.
Vi corredores de países nórdicos correrem sem a menor preocupação com o quadro gélido. Atletas preparados, acostumados com o frio, voavam. Não me intimidei, encarei. Mas juro que foram os seis primeiros quilômetros de prova mais difíceis de minha vida. Seis eternos quilômetros de ventos fortes e frio destruidores e lutando contra uma voz convidando-me a desistir.
No quilômetro 21, já com uma temperatura mais amena, próxima de -14°C, fiz uma parada técnica, tomei bebidas quentes e "entrei na prova". Já havia perdido muito tempo e estava cansado. Percorri o restante do percurso por estradas de pedras com neve, com gelo, piso deslizante, com paisagens lindas, brancas, gélidas, rios congelados e paredões de gelo. Tudo congela, muito frio, mas lembrando dos amigos, da família, da vibração de todos que estavam me apoiando, consegui terminar a prova, no tempo de 5h45.
Segundo grande dia: meia-maratona. Mesmo percurso inicial, o mesmo frio, mas sem o vento tão intenso do dia anterior. Como já conhecia o trajeto tentei ser mais rápido, mas em vão. Finalizei esta etapa do desafio em 3h06.
Aos 54 anos de idade, realizei meu sonho e constatei que nada é impossível, quando se está determinado. Poucos brasileiros já participaram da The Polar Circle Marathon. Nesta edição havia mais um do Brasil que completou a maratona. O sofrimento foi recompensado pela emoção de ter atingido meu objetivo de terminar as duas provas, de ficar gravado eternamente na memória as paisagens, os novos amigos, o ambiente e de ter vencido o desconhecido.
Segundo a organização, fui o primeiro brasileiro a realizar o Polar Bear Challenge. Quanto à estrutura do evento, impecável em todos os quesitos para uma prova extrema. Quem sabe, numa próxima oportunidade, com treinamentos em uma câmara fria de algum frigorífico, eu possa ter um melhor desempenho. Mas fiquei satisfeito em atingir meu objetivo. Recomendo a prova, pela experiência única e imperdível. No próximo ano o evento acontece dias 29 e 30 de outubro. Mais detalhes em www.polar-circle-marathon.com
Ricardo Angelim Costa é assinante de Porto Alegre