Eram 4h da manhã de 26 de julho em São Francisco, Califónia, e os termômetros registravam 16 graus, condição climática que me fez descumprir a primeira regra a ser seguida por corredores de longa distância (nunca use em uma prova aquilo com o qual não esteja habituado), pois fui obrigado a colocar uma blusa térmica e uma luva para suportar o frio (demais para um cearense).
Conforme programado, cheguei ao local da prova 40 minutos antes da partida. Ali, esperando o cronômetro do pórtico zerar e dar início à prova, percebi a cumplicidade que existe no olhar daqueles que se dispõem a correr uma maratona, pois todos ainda se lembram do esforço necessário durante a fase de preparação, de toda a abdicação, enfim, do sacrifício que foi feito para se chegar àquele momento.
A descrição "Full Marathon" (maratona cheia) gravada no número de peito representa muito mais do que uma frase e deixa o corredor com um olhar distante, em direção ao infinito, mesmo que à sua frente não haja nenhum horizonte a ser observado, mas somente a distância de 42,195 km a ser percorrida.
A largada ocorreu exatamente como prevista, às 6h02min. Comecei de forma cautelosa, conforme os treinos, e tudo transcorreu bem na primeira metade da prova. Pensei em aumentar o ritmo, mas a prudência falou mais forte. No km 23 o joelho esquerdo começou a reclamar, reduzi o ritmo porque sabia que esse incômodo poderia se transformar em algo insuportável; 5 km depois a dor sumiu, porém a panturrilha começou a endurecer no km 30, o que me forçou a reduzir novamente o ritmo e dar uma alongada de 20 segundos (quase que simbólica).
Foi a partir do km 32 que a maratona começou a fazer suas primeiras vítimas; alguns vomitavam, corredores se alongando passou a ser algo rotineiro e muitos não aguentavam mais manter os corpos eretos. Difícil precisar, naquele momento, quantos já haviam sucumbido às ladeiras que dão fama à cidade, desistindo da prova.
Apesar desses pequenos imprevistos, para mim até o km 38 tudo estava caminhando conforme o roteiro. Então, bateu um cansaço enorme, a coxa começou a ficar pesada, cada passada passou a exigir um enorme esforço, o raciocínio começou a ficar lento e sem lógica, comecei a andar 50 metros a cada quilômetro percorrido; olhava para o relógio a todo momento e sofria porque a linha de chegada insistia em não aparecer.
Como, às vezes, acontece em nossas vidas, repentinamente tudo mudou e, ao avistar o pórtico, tirei forças não sei de onde para um último tiro, pegar a mão do meu filho que me aguardava com a minha mãe, e correr os 50 metros mais felizes da minha vida, completando em 3h58 minha primeira maratona.
Ícaro Cezar é assinante de Fortaleza
Maratona + duas meias!
O evento em São Francisco tem uma particularidade talvez única entre as maratonas pelo mundo. Junto com a prova de 42 km, larga uma de 21 km, pelo mesmo trajeto, e outra sai na marca da metade da maratona, porém horas depois, de maneira a não atrapalhar os maratonistas (e os valorizar), que ganham então novas companhias, o que é sempre muito bem recebido.
A primeira saída é às 5h32 (isso mesmo, de madrugada) para as duas competições, com um total de 7 ondas, tanto para a maratona quanto para a primeira meia, espaçadas de 10 minutos, sendo a última largada às 6h32. Já a segunda meia começa a sair às 8h15, em 5 ondas, a última às 8h35.
Dessa forma, os maratonistas de 5 horas (quando costuma haver um pico de chegada) tem a companhia dos meio maratonistas da segunda parte, que estarão terminando também por volta das 11h da manhã. Tudo em convivência pacífica, organizada e com valorização de todos os participantes.
Uma ótima experiência para a organização da Maratona do Rio conhecer e, eventualmente, colocar em prática, o que, na opinião da revista representaria um enorme sucesso, com crescimento tanto da prova de 42 km quanto da de 21 km, desde que houvesse controle da entrada nas baias de largadas (das três provas, mas especialmente da segunda meia), para que as saídas em ondas seguissem absolutamente o estabelecido pela organização. Naturalmente que todos que não largassem no local e horário pré-estabelecidos seriam devidamente desclassificados, o que é muito fácil pelo controle do chip.
Como sugestão da CR, a Maratona do Rio e a primeira meia começariam a partir das 6h30 e a segunda meia iniciaria suas largadas às 9h15. Parte dos ônibus que levasse os corredores para o começo dos 42 km recolheria os meio maratonistas da metade inicial para levá-los até a chegada no Aterro do Flamengo, assim como os utilizados no transporte dos corredores da segunda meia fariam esse deslocamento de volta.
Os maratonistas teriam companhia por todos os 42 km, a prova ganharia em visual e se imporia exatamente na parte em que ela fica meio perdida no meio do público nas praias do Leblon, Ipanema e Copacabana, já que os maratonistas atualmente passam por lá bem espaçados, denotando uma fraqueza do evento para as pessoas que estejam passeando pela orla.
As inscrições poderiam ser divididas em 10 mil vagas para maratona e 7,5 mil para cada meia (sem contar 5 mil na corrida de 5 km). O interesse por participar na primeira ou segunda meia-maratona seria equilibrado, na medida em que os primeiros teriam que seguir cedo para a largada, mas seriam beneficiados pelo percurso absolutamente plano e pelo clima mais favorável para a performance, sem contar poderem largar junto e acompanhar seus familiares e amigos na metade inicial dos 42 km.
Em São Francisco, foram 6.064 concluintes na maratona, 7.727 na primeira meia (que passa pela Golden Gate) e 3.984 na segunda. Mais informações em www.thesfmarathon.com.
(Por Tomaz Lourenço)