A resposta à pergunta-título desta matéria é um pouco complexa, devido à quantidade de variáveis a serem consideradas. Caímos, em um primeiro momento, no campo da especificidade. O famoso: "quer correr, então corra". "Se o objetivo é a bicicleta, pedale…" E não estamos falando de triatlo, quando há uma relação e necessidade de interagir as três modalidades, mas sim se há vantagem em também nadar e pedalar, para quem tem como único objetivo competir em provas de rua.
"Buscar outras atividades que complementem o treino de corrida é interessante", afirma Robson Ferreira Alves, atleta e técnico de triatlo da V8 Assessoria Esportiva, de Curitiba. "No caso do pedal, apesar da técnica e algumas peculiaridades da modalidade, adaptações fisiológicas se assemelham em resposta ao treinamento, como transporte de oxigênio, aumento do Vo2max, da força e da resistência muscular, com um bônus de não sobrecarregar tanto as articulações (como na corrida). Com a natação ocorrem as mesmas adaptações no organismo, com vantagem de aliviar a tensão muscular."
Robson, entretanto, destaca a especificidade. "Ou seja, corredor treina corrida e tem de correr; nadar ou pedalar completa essa preparação. A dica, então, seria fazer natação duas vezes na semana, com intuito de relaxamento ou até mesmo uma preparação cardiorrespiratória em início de temporada. Mas vale atentar para as intensidades, pois se a pessoa que busca essa atividade não tiver aptidão, irá gastar muita energia, podendo ser prejudicial ao treino de corrida", explica o treinador. "Em relação ao pedal, duas sessões de treino por semana seriam o ideal. O foco não é ser ciclista e sim potencializar a corrida, sendo dividido em uma sessão isolada e uma combinada no final de semana onde se pedala e corre no mesmo treino (chamado de transição)."
Para fortalecer os músculos da perna, algo importante para quem faz provas de montanha, Robson sugere que o percurso da bicicleta tenha bastante aclives. "Assim, vira um treino chave, pois a força exercida nos pedais para vencer as subidas tem relação íntima com as produzidas nas corridas em montanha. Com isso podemos afirmar que incorporar essas modalidades ao treino irá agregar benefícios", completa o treinador da V8 Assessoria.
CORRER PARA CORRER – Fábio Nuno Gomes Martins, de São Paulo, é um dos corredores que incluiu no segundo semestre do ano passado a bike e a natação nos treinos. Chegou, até, a participar de algumas provas de triatlo. Porém, agora, na preparação para a Maratona de Porto Alegre, que disputará em 14 deste mês, voltou exclusivamente à corrida. "Honestamente, a percepção e benefício principal ao treinar os outros esportes é que consegui manter o condicionamento físico da corrida, sem correr tanto. Ou seja, o fato de chegar a fazer três treinos de pedal (aproximadamente 130 km por semana) e dois de natação (4 km no total) fez com que eu mantivesse meu rendimento físico na corrida por compensação", explica.
Porém, a conclusão de Fábio Martins com a experiência cai na questão da especificidade. "Se o seu objetivo é a corrida, então foque e treine somente corrida, pois os resultados esperados serão melhores. Porém, se o foco é praticar outros esportes e/ou reduzir temporariamente os treinos de corrida para se recuperar de uma eventual lesão, aí sim acho benéfico e recomendaria mesclar as duas outras modalidades, para manter o condicionamento físico e cardíaco."
O técnico Fábio Moralles Alonso, o Tchê, da Trainer Assessoria, também de Curitiba, lembra que sempre precisamos definir se as dicas são para rendimento profissional ou a prática da modalidade por hobby. "Se for por hobby, vale a pena sim incluir períodos de bicicleta e de natação na rotina de treinos na corrida. No caso da bike, ela gera estímulos musculares diferentes e favoráveis para quem corre. Se feita em subidas ou com carga (ergométrica ou spinning), dará mais força e resistência à musculatura das pernas e exigirá da parte cardiorrespiratória de uma forma diferente, uma vez que o esforço parte somente dos membros inferiores", afirma Tchê. "Já a natação oferece acima de tudo o contato com o meio líquido e a mudança da posição do corpo de vertical para horizontal, o que altera o fluxo de sangue no organismo e promove baixo impacto articular."
De acordo com o treinador, a sugestão é incluir uma a duas vezes na semana bike ou natação, nas fases de base ou transição. "Assim oferecemos um descanso ao corpo, sem deixar de dar estímulo. No caso de profissionais que buscam rendimento, alterar a modalidade é algo mais delicado e que deve ser analisado caso a caso."
QUESTÃO COMPLEXA – Para Nelsinho Penedo, triatleta e treinador da Pulsação Assessoria Esportiva, de Porto Alegre, a questão realmente é bem complexa. Ele cita como exemplo até a própria corrida, em que uma rotina para 200, 400 ou 1.500 m não será a mesma para um corredor de 10 km ou de 21 km e assim por diante. "Podemos usar artifícios em comum para auxiliar em determinado momento do treinamento, em sua espinha dorsal, porém a parte específica é diferente e assim acontece com outras modalidades, cada qual com sua particularidade, cada uma priorizando um determinado grupamento muscular ou sendo realizada em um terreno diferente. Em relação à pergunta desta matéria, analisando todas as vertentes que compõem o treinamento esportivo, eu digo que são inúmeros os benefícios ao se inserir outras atividades diferentes."
Segundo ele, para quem está iniciando a corrida ou para corredores amadores é uma ótima opção no conjunto do treinamento, mas não para os profissionais. "Neste caso, alimentar-se bem e descansar podem trazer maiores ganhos do que inserir outro esporte", exemplifica Nelsinho. Entre as vantagens apontadas para os amadores, o treinador cita três pilares: a recuperação, a quebra da rotina, fazendo com que o treino não se torne monótono, e a prevenção de lesões. "Não podemos deixar de citar também os benefícios centrais, como volume sanguíneo, débito cardíaco e número de hemácias, que não são específicos de uma determinada atividade", afirma.
A sugestão de Nelsinho para a inclusão das duas modalidades na planilha da corrida é parecida com as citadas anteriormente. "Sabemos que ciclismo e natação, além de exercitar o músculo cardíaco, são de menor impacto, proporcionam maior equilíbrio muscular, aumento da capacidade aeróbica e metabolização de gorduras, sendo muito eficazes como um descanso ativo", avalia.
"Uma rotina com ciclismo poderia ser inserida aos finais de semana, pois sabemos que essa prática demanda um tempo maior para ser realizada. Porém, podemos colocá-la tranquilamente no meio da semana de forma indoor (em academias, por exemplo). A natação da mesma maneira, com a vantagem de se trabalhar em uma piscina com água aquecida, o que otimizaria a recuperação", completa o treinador.
Mas falando especificamente em ganho de performance, a conclusão do treinador gaúcho é mais complexa. "Precisamos ter uma harmonia no treinamento para não só proporcionar ganhos de performance, mas também que esses ganhos sejam planejados e executados com segurança, sem lesões, sem excessos nas rotinas de treinamento e, principalmente, executadas com prazer. Treinar desta forma sempre trará algum tipo de resultado positivo, se não no cronômetro, pelo menos na rotina diária. A descoberta de novas possibilidades estimula muitas vezes o atleta que vez ou outra encontra-se desanimado com seus treinos."
RECORDES PESSOAIS – Quem sentiu no dia-a-dia e nas provas a evolução nos resultados, após mesclar as modalidades, foi a corredora Cláudia Dumont, de Belo Horizonte. "Em fevereiro de 2014, passei a intercalar treinos de natação e bicicleta, acatando a sugestão do meu treinador Daniel Teodoro, da Assessoria Teo Esportes. Comecei a nadar e andar de bicicleta, substituindo alguns treinos regenerativos de corrida, com intuito de mudar o estímulo do treinamento e de diminuir desgaste. Dessa forma, reduzi o meu volume semanal de corrida, sem perder condição aeróbica", conta Cláudia. "A nova fórmula deu certo. Em 2014, consegui o perseguido sub 40 nos 10 km, o meu melhor tempo na Meia-Maratona do Rio (1:26:54) e o recorde pessoal na Maratona de Chicago (2:58:00)."
Resumindo e procurando responder à pergunta do título, com base nas opiniões aqui apresentadas, incluir bike e natação nos treinos semanais da corrida pode ser, sim, benéfico, mas para ter certeza se funcionará (e irá gostar), você precisará experimentar!
Perfeitos para uma recuperação ativa
A maioria dos corredores irá procurar aquela bicicleta abandonada na garagem, após uma lesão de estresse ou em um período de reabilitação. E depois vai perceber o efeito benéfico da magrela: a corrida melhorou!
Mesmo sem estar lesionado, a bicicleta e a natação são exercícios perfeitos para uma recuperação ativa. Você faz seu longo no domingo e na segunda sente as pernas pesadas, aquela vontade de ficar sentado, sem pensar em treinar… Aí é que entra a bike ou a natação, atividades que aumentam o fluxo sanguíneo, sem impacto, e aceleram a eliminação do lactato.
Se você só corre, estará recrutando apenas a musculatura para a função correr. Com isso ela fica mais forte inicialmente, mas chega um momento em que esse ganho se estabiliza. Não sentirá mais o mesmo avanço na performance.
Quando passa a nadar e a pedalar, começa a recrutar a musculatura secundária. Com esse novo estímulo, a musculatura em geral ficará mais eficiente, forte e você mais rápido! As articulações irão agradecer. Corredores, em especial os de longas distâncias, expõem a musculatura a uma grande sobrecarga, devido à quantidade de impacto dos quilômetros de rodagem. Por isso, é difícil para alguns manter esses treinos sem lesão.
Como incluir mais um ou dois esportes?
– Alterne os dias (por exemplo, corrida no domingo, bicicleta ou natação na segunda);
– Se tiver mais tempo, poderá fazer a outra modalidade em período diferente (bike de manhã e corrida à noite);
– Use como aquecimento. Se vai correr na esteira, faça o aquecimento na bicicleta da academia. Talvez você sinta as pernas "duras" nos primeiros minutos, mas com certeza elas vão agradecer pelo não impacto.
A inclusão de mais uma modalidade é uma ótima opção para corredores de todas as distâncias, principalmente aos iniciantes. Assim, todos evitarão usar a bicicleta apenas depois que aparecer uma lesão.
Por André Gustavo Pizzinato, treinador, corredor de longas distâncias e triatleta, morador em Jundiaí, SP.