Performance e Saúde admin 23 de junho de 2015 (0) (93)

Frequência cardíaca em 5 lições

O uso da frequência cardíaca (FC) como marcador de intensidade de treino ou como ferramenta de monitoramento de adaptação ao treinamento está longe de ser um consenso entre treinadores e atletas. De um lado ficam aqueles que utilizam a FC para tudo e, do outro, os que chegam a debochar dos primeiros. No meio disso, aqueles que ganharam o frequencímetro de Natal ou de aniversário e não sabem o que fazer com a ferramenta, fora a curiosidade de olhar os gráficos gerados.
O fato é que o monitoramento agudo e crônico da FC pode sim oferecer informações valiosas, ao mesmo tempo em que possuir um dispositivo capaz de mensurar os batimentos durante o treino deixou de ser uma exclusividade. O uso da FC, no entanto, requer alguns cuidados, bem como um entendimento básico dos mecanismos principais que podem influenciar sua resposta, a fim de que as informações obtidas possam ser corretamente interpretadas. Pensando nisso, organizamos cinco tópicos que todo corredor ou treinador que utiliza a FC como ferramenta precisa ter conhecimento.

1 – Adaptação básica ao treinamento
Um dos efeitos mais notáveis do treinamento físico é a diminuição da frequência cardíaca para uma dada carga sub-máxima. A menor FC está ligada a uma série de fatores, como aumento da capacidade de transporte de oxigênio e aumento da capacidade de bombeamento do coração.
Como mostra o exemplo da figura 1, após um período de treino – o efeito já pode ser percebido após um ciclo de 4-6 semanas em corredores iniciantes – a FC para uma determinada velocidade de corrida passa a ser cerca de 10-20 batimentos por minuto mais baixa. Além disso, também se observa uma diminuição da frequência cardíaca máxima de exercício, que pode chegar na casa dos 5-10 batimentos por minuto a menos ao final de um teste de esforço.
É importante também perceber, como fica evidente na figura, que um corredor que esteja sempre correndo na mesma FC, ao longo do tempo irá aumentar sua velocidade, ou seja, apesar da estabilidade da FC, a carga absoluta (velocidade) aumenta. É exatamente o contrário daquele corredor que se mantém trotando na mesma velocidade absoluta, mesmo que esteja melhor condicionado.

2 – Recuperação pós-série
Uma maneira secundária de avaliar os efeitos do treinamento é medir a recuperação da FC, a partir de um ponto inicial em comum, por exemplo, 170 batimentos por minuto (bpm). Conforme o condicionamento aumenta, mais rápida deve ser esta recuperação, como indica o segundo gráfico. É importante perceber que, ao contrário do exemplo anterior, para se avaliar a recuperação da FC será preciso realizar séries em intensidades diferentes, de forma que a FC ao fim da corrida seja a mesma. Este controle é importantíssimo, pois a magnitude de recuperação da FC depende entre outras coisas do ponto de início.
Em termos práticos, é possível "construir" em cima do exemplo anterior: basta continuar a série de corrida em uma intensidade levemente mais alta (mas ainda sub-máxima, pois como vimos pode não ser mais possível atingir o mesmo pico de FC), a fim de que se atinja a mesma frequência cardíaca final. A partir daí mede-se o quanto a FC cai ao longo do primeiro minuto após o fim da corrida (linha horizontal pontilhada, no gráfico).
Este tipo de teste pode ser utilizado tanto para monitorar mudanças de condiocionamento ao longo de ciclos de treinos, quanto para monitorar o ajuste fino de carga no dia-a-dia do corredor, como, por exemplo, finalizando o aquecimento sempre em 150 bpm e verificando a queda da FC, para determinar se o organismo está num dia "bom" ou "ruim".

3 – Efeitos do calor
Treinos em ambientes quentes afetam a resposta normal da FC ao exercício. Em qualquer tipo de treino mais longo, com velocidade constante, é natural que a frequência cardíaca aumente levemente com o tempo, porém esta reação é muito mais evidente com o estresse térmico, como mostra a terceira figura.
Com o calor, o sistema circulatório possui cargas adicionais. Em primeiro lugar, é preciso deslocar mais sangue para próximo da pele, a fim de resfriar o corpo, gerando uma competição pelo aporte sanguíneo. Além disso, com o aumento da circulação existe uma perda (pequena) de parte do volume sanguíneo. Somados, estes efeitos fazem com que a FC aumente gradativamente e drasticamente após certa altura, durante um treino que em dias normais apresentaria pouca ou quase nenhuma variação da FC.
Este efeito pode elevar a frequência cardíaca em mais de 20 bpm, então não pode ser ignorado por aqueles que utilizam a FC como ferramenta de monitoramento de intensidade durante seus treinos. O estresse térmico, no entanto, também tende a diminuir em relação às alterações da FC, conforme o corredor se adapta às condições climáticas (linha pontilhada, no gráfico).

4 – Durante o treino
Alguns corredores e treinadores dividem as diferentes intensidades de corrida por "zonas" de FC. Partindo da FC de repouso numa ponta e da FC máxima na outra, criam-se as faixas de intensidade, por exemplo leve-moderado-intenso-extremo, ou algo semelhante. Esta faixas costumam estar associadas a um "ponto de quebra" fisiológico, como estar acima ou abaixo do limiar anaeróbico.
Uma das principais limitações ao uso da FC para prescrição de intensidade diz respeito aos treinos intervalados, pois a FC pode levar alguns minutos até estabilizar, sendo a resposta mais lenta em iniciantes. Assim, séries curtas, com cerca de até 2 ou 3 minutos, dificilmente podem ser guiadas pelas FC.
Além disso, também é preciso considerar que uma sessão de treinos com base na FC possivelmente terá uma intensidade absoluta decrescente ao longo da sessão, ao contrário de uma sessão ditada pela velocidade de corrida, por exemplo. Isso porque como a FC naturalmente tende a aumentar com o tempo, a única alternativa para manter o treino dentro da zona correta é diminuir a intensidade.

5 – Monitoramento de carga e adaptação
Talvez um dos usos mais promissores da FC no treinamento seja o monitoramento de cargas. Uma das possibilidades para tal já foi mencionada, como a mensuração da FC durante e após (recuperação) o aquecimento. Já existem hoje diversos testes valendo-se destes parâmetros para prever se o atleta está em um dia próprio para cargas altas ou não.
Além disso, outros testes como medir a FC logo ao acordar (ou melhor ainda, ter os dados da FC referentes aos minutos que antecedem o despertar) têm se mostrado bons indicadores de adaptações positivas e/ou negativas (overtraining, por exemplo) em médio e longo prazo.

Em suma, o uso de variáveis decorrentes da FC oferecem dados concretos sobre o estado do organismo, que são mais difíceis de ignorar do que as constantes reclamações de um corredor. Em conjunto, a utilização de dados objetivos e o retorno subjetivo do corredor diminuem as chances de decisões incorretas serem tomadas no planejamento do treino.

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