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TERGAT: “Fui para a maratona em busca de um novo desafio”

ENTREVISTA – por André Savazoni e Sérgio Rocha – Julho 2011

Em entrevista exclusiva à Contra-Relógio, Paul Tergat falou da carreira, da relação do Quênia com as corridas, da perda de Samuel Wanjiru e da possibilidade de novo recorde mundial nos 42 km.

Paul Tergat chegou com um sorriso no rosto. Entre uma atividade e outra na capital paulista, onde esteve a convite da Maratona de São Paulo, concedeu uma entrevista exclusiva à Contra-Relógio no dia 16 de junho, data em que completava 42 anos. Não fugiu de nenhuma pergunta. Falou sobre a relação da corrida com o Quênia, do título de “rei do cross country”, da estreia precoce dos corredores na maratona, da morte de Samuel Wanjiru de quem “era muito próximo”, da possibilidade de novo recorde mundial e revelou que optou por correr maratonas “em busca de um novo desafio”.

A corrida, ao lado da opção militar, é a principal possibilidade de ascensão social no Quênia. Indagado se era possível fazer um paralelo com o futebol no Brasil, Tergat lembra, brincando, “não temos bons jogadores de futebol , mas muitos corredores, que são ídolos no país e acabam virando referência para os jovens”

A relação de Tergat com o atletismo começou tarde, quando já era militar. “Não entrei por dinheiro, mas por paixão. Cresci em uma parte muito pobre do Quênia, árida, cheia de pedras e montanhas. Não sabia que tinha talento para corrida”, disse Tergat, que no ensino médio jogava vôlei e basquete. Seu sonho era ser engenheiro da Força Aérea. Já militar, porém, um técnico o viu correndo e descobriu algo que ninguém ainda tinha percebido, nem o próprio Tergat. “Eu nunca tinha tentado correr porque os bons corredores não são da região onde nasci, eram de outras etnias”, lembra. “Porém, fui para Nairóbi (capital do Quênia), os conheci e percebi que não eram diferentes. Eram iguais a mim. No início, porém, começavam os treinos e em dez minutos eles tinham sumido… tive de me esforçar muito para acompanhá-los”, revela.

Destaque no cross country

Tergat começou a se destacar nas provas de 10.000 m e, principalmente, no cross country, onde foi pentacampeão mundial de 1995 a 1999. Em 2000, perdeu a hegemonia, sendo bronze. “Então, fui para a maratona em busca de um novo desafio”, diz. “As pessoas não me encorajavam, diziam que eu não era tão rápido, mas iIsso me deu mais forças. Sempre tentei ser o melhor”, conta.

Com 32 anos, com uma base excelente, estreou nos 42 km com um 2º lugar na Maratona de Londres, em 2001. Mas foi novamente em Londres, um ano depois, que teve a certeza de seu potencial. Perdeu a prova por dez segundos para o marroquino naturalizado americano Khalid Khannouchi, que venceu com 2:05:38 e estabeleceu o novo recorde mundial. A partir desse dia, Tergat definiu um objetivo: baixar de 2h05, algo inimaginável na época, o que lhe deu mais força ainda. Então, em Berlim 2003, o queniano quebrava uma barreira mental e tornava-se o primeiro homem a correr os 42 km na casa dos 2h04, com o título e o recorde de 2:04:55.

Segundo Tergat, depois dos 2h03 em Boston, em abril último, uma nova barreira mental foi superada e ele acredita ser possível correr para 2h02, como afirmou o compatriota Moses Mosop recentemente. Porém, diz que sub 2h não é tarefa para esta geração e nem para a próxima. O campeão faz um alerta: os corredores estão indo muito jovem para a maratona, quando ainda não estão tão fortes fisicamente, o que facilita as lesões e reduz a carreira. Foi o que aconteceu com Samuel Wanjiru. Nesse momento, ao falar do compatriota, Tergat ficou com os olhos vermelhos, visivelmente emocionado.

“Eu era muito próximo de Wanjiru, um talento extraordinário. Tínhamos o mesmo agente. Ele não tinha pai, foi criado somente pela mãe, que no Quênia não tem tanta autoridade sobre os filhos”, diz Tergat, revelando um ponto importante na cultura do país. Citou ainda o problema com álcool de Wanjiru. “Que talento, agressivo, sempre na frente”, elogia, lembrando da vitória inesquecível em Pequim 2008, com condições totalmente adversas. “Foi o primeiro a ganhar o ouro olímpico para o meu país. Morreu com 24 anos de forma estúpida.”

São Silvestre e Marilson

Tergat volta a sorrir ao falar do Brasil, que considera a sua segunda casa. Cita a importância do pentacampeonato na São Silvestre. “Viajei muito, pelo mundo inteiro, e a prova é conhecida em todos os lugares, na Ásia, na África…”, afirma. Hoje, o queniano sabe bem quem é Marilson Gomes dos Santos, mas contou que, em 2006, não procurou informações sobre o brasileiro. Tergat era o atual campeão da Maratona Nova York e buscava o bi; tinha prestado atenção nos outros adversários, tendo a certeza que em algum momento o brasileiro ficaria para trás… Mas, no final, deu Marilson campeão e Tergat em terceiro.

Hoje não está mais correndo. Diz sentir saudade do cross country. Brinca que engordou e abre um sorriso batendo na barriga. Volta a fechar o semblante ao mostrar a perna direita, machucada em um grave acidente no ano passado. Seu carro ficou prensado entre dois caminhões. “Quase morri. Estava distante do hospital, foi uma longa viagem até ser socorrido”, conta. Antes de encerrar a entrevista, volta a elogiar o Brasil e adianta que estará aqui na Copa do Mundo de 2014 e na Olimpíada de 2016.

 

NÚMEROS DA CARREIRA

Principais conquistas

Prata nos 10.000m nas Olimpíadas de 1996 (Atlanta) e 2000 (Sydney)

Prata nos 10.000m nos Campeonatos Mundiais de 1997 e 1999

Bronze nos 10.000m no Campeonato Mundial de 1995

Pentacampeão mundial de cross country, de 1995 a 1999

Bicampeão mundial da meia maratona em 1999 e 2000

Pentacampeão da São Silvestre (1995, 1996, 1998, 1999 e 2000)

Campeão das  maratonas  de Berlim 2003, Nova York 2005 e Lago Biwa (Japão) 2009

 

Marcas em maratonas

Londres 2001 – 2:05:15 (2º)

Chicago 2001 – 2:08:56 (2º)

Londres 2002 – 2:05:48 (2º)

Londres 2003- 2:07:59 (4º)

Berlim 2003 – 2:04:55 (recorde mundial até 2007)

Olimpíada de Atenas 2004 – 2:14:45 (10º)

Londres 2005 – 2:11:38 (8º)

Nova York 2005 – 2:09:30 (1º)

Nova York 2006 – 2:10:10 (3º)

Lago Biwa 2009 (Japão) – 2:10:22 (1º)

 

Recordes pessoais

10.000m – 26:27.85 (Bruxelas 1997)

10 km – 27:51 (Milão 1999)

15 km – 42:04 (Milão 1998)

Meia maratona – 59:17 (Milão 1998)

Maratona – 2:04:55 (Berlim 2003, recorde mundial)

 

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