Releitura Redação 14 de junho de 2021 (0) (346)

COMPROVADO: CORRER AUMENTA A INTELIGÊNCIA!

Tudo em cima – Marcio Dederich – Maio de 2010

 Os exercícios aeróbios são conhecidos por promoverem diversas alterações no corpo humano. A lista é extensa e impressiona. Entre outros, nela aparecem os benefícios cardiorrespiratórios, o aumento da densidade óssea e a redução no risco de doenças degenerativas. Como se não bastasse, de uns anos para cá, as pesquisas científicas passaram a revelar um novo e interessante aspecto: a melhora da função cognitiva. Em outras palavras, correr aumenta o cérebro e desenvolve a inteligência, comprovam os estudos.

Embora as suspeitas sejam até mesmo anteriores, as primeiras observações científicas concretas demonstrando que tarefas cognitivas poderiam ser sensíveis à capacidade aeróbia datam dos anos 80. Desde então os estudos têm sido intensificados, inclusive no Brasil.

Ainda longe de qualquer consenso, os pesquisadores acreditam que a influência do exercício na cognição é inconsistente quando apenas mudanças pequenas e temporárias ocorrem em parâmetros fisiológicos. Ou seja, o exercício pode ter pouco impacto na cognição quando for realizado de forma aguda, ao contrário do treinamento regular, este sim, capaz de produzir benefícios, mesmo que iniciados tardiamente.

Várias hipóteses tentam explicar os mecanismos pelos quais o exercício atua positivamente sobre as funções cognitivas. Uma delas considera que a atividade física aumenta o fluxo sanguíneo cerebral e, conseqüentemente, de oxigênio e outros substratos energéticos, proporcionando assim a melhora. Outra diz respeito aos efeitos do estresse oxidativo sobre o Sistema Nervoso Central, aumentando a atividade de enzimas antioxidantes e, dessa forma, ampliando a defesa contra danos provocados por espécies reativas de oxigênio.

Além das já citadas, outras hipóteses se referem às alterações neuroendócrinas e humorais promovidas pelo exercício, como os aumentos de adrenalina, noradrenalina, vasopressina e, principalmente, da beta-endorfina, considerada um modulador fisiológico da memória.

Seja como for, parece pouco provável que tais hipóteses sejam isoladamente responsáveis pela melhora cognitiva obtida com a prática do exercício aeróbio. Como num círculo virtuoso, é possível que a melhora do humor e do condicionamento físico se façam refletir na melhora da qualidade de vida, auxiliando na obtenção do benefício.

Conheça a seguir as últimas descobertas ligadas ao assunto.

 

OS BENEFÍCIOS DOS EXERCÍCIOS AERÓBIOS CHEGAM À CABEÇA

 … aumentam o cérebro

De acordo com pesquisadores alemães, a prática regular de atividade física pode provocar mudanças benéficas no cérebro tanto de pessoas saudáveis como naquelas com esquizofrenia. O estudo foi publicado na revista médica Archives of General Psychiatry.

 

O estudo, que analisou o cérebro de 24 indivíduos, mostrou que a realização de exercícios aeróbicos pode aumentar o volume do hipocampo – área do cérebro ligada à regulação da memória e das emoções -, com a formação de novos neurônios. Além disso, comprovou que o exercício pode ajudar a aumentar a plasticidade neural, inclusive nas pessoas que sofrem de transtorno mental.

No estudo, oito voluntários com esquizofrenia e oito saudáveis foram selecionados para se exercitar três vezes por semana durante 30 minutos na bicicleta ergométrica, enquanto outros oito pacientes com o transtorno mental apenas jogavam futebol de mesa – que melhora coordenação motora e concentração.

As análises mostraram que após os exercícios, o volume do hipocampo havia aumentado 12% nos pacientes com esquizofrenia e 16% nos voluntários saudáveis. Por outro lado, os pacientes que apenas jogaram futebol de mesa tiveram 1% de redução no volume do hipocampo. Além disso, os fisicamente ativos não só melhoraram seu condicionamento como tiveram melhores resultados em testes de memória de curto prazo.

… melhoram a inteligência

Exercícios aeróbicos estão associados a uma melhor cognição (capacidade do cérebro processar informações e cruzá-las, dando respostas a um estímulo) em jovens. É o que mostrou um estudo realizado pela Universidade de Gotemburgo (Suécia) com mais de 1 milhão de homens de 15 a 18 anos e publicado na ‘Proceedings of the National Academy of Sciences’.

O condicionamento dos avaliados foi aferido por testes ergométricos. Aqueles que apresentavam melhores condições também se saíram melhor em testes de QI (quociente de inteligência), especialmente nas áreas de compreensão verbal e pensamento lógico. Para excluírem variáveis que pudessem influenciar nos resultados, os pesquisadores levaram em conta o nível educacional dos pais e avaliaram as relações entre irmãos (se gêmeos ou não).

Segundo os neurologistas, o mérito do estudo é a informação de que os exercícios aeróbicos podem colocar a pessoa em outro patamar. Ao adquirir um nível mais alto de cognição na juventude, essa reserva poderá adiar a manifestação das perdas cognitivas na terceira idade.

… aumentam o número de neurônios

Pesquisas em andamento do Grupo de Neurofisiologia do Exercício da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) mostram que exercícios aeróbicos elevam os fatores neurotróficos, ocasionando um aumento no número de neurônios e o contato entre essas células, facilitando assim a transmissão de informações.

Para os pesquisadores, somente os exercícios aeróbicos tiveram relação com melhores resultados em testes cognitivos porque provocam maior oxigenação do cérebro, causada por um melhor condicionamento cardiopulmonar. Atividades de força, como musculação, por exemplo, não demonstraram o mesmo efeito.

 

DOS LABORATÓRIOS PARA AS RUAS

No desenvolvimento desta matéria, foram ouvidos quatro estudiosos brasileiros do assunto:

– Marco Tulio de Mello. Coordenador do Centro de Estudos em Psicobiologia e Exercício – CEPE e Coordenador do Programa de Pós Graduação em Psicobiologia do Departamento de Psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP

– Alexandre Leopold  Busse. Geriatra do Serviço de Geriatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – USP, Doutorado pela FMUSP, geriatra do Serviço de Gerontologia do Hospital Sírio Libanês. Defendeu Tese de Doutorado sobre o assunto (trabalho publicado na Revista Eisntein)

– Ricardo Mario Arida. Graduado em Educação Física pela USP, mestrado em Neurociências e doutorado em Medicina (Neurologia) pela UNIFESP e pós-doutorado pela Universidade de Oxford, Inglaterra. Atualmente é professor adjunto da Universidade Federal de São Paulo.

– Daniel Habermann. Médico pela Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP, especialista em Medicina Esportiva pela UNIFESP, membro das Sociedades Paulista e Brasileira de Medicina do Esporte, atua nas áreas de clínica e fisiologia do exercício, presidente do conselho fiscal da Associação de Corredores de Botucatu – ACOB.

Fizemos a eles as mesmas perguntas e selecionamos algumas respostas para publicação. Confira a seguir o que pensam nossos pesquisadores a respeito.

  1. CR) Alterações de status são relativamente comuns nas corridas. Em outras palavras, o “mocinho” de hoje pode virar “bandido” amanhã. Já foi assim com a hidratação forçada e com o alongamento antes de correr. No caso do efeito cognitivo, seja por revisão de metodologia, por aplicação de novos protocolos e/ou instrumentos, ou por testes com outros grupos, acredita que os benefícios já descobertos possam vir a ser negados num futuro próximo ou são suficientemente sólidos para se firmarem e até mesmo se fortalecerem ao longo do tempo?

Marco Tulio: Acredito que sejam suficientemente sólidos. O efeito da prática do exercício físico para os aspectos cognitivos já está bem claro. O que não poderá ocorrer são comparações com protocolos diferentes. Exemplo: comentar que o exercício em excesso é algo benéfico para a memória. Isso também é claro que não é possível.

Ricardo Arida: Existem muitos trabalhos que mostram o efeito do exercício físico na melhora da cognição. Bem fundamentados, correlacionam os aspectos cognitivos como a melhora da memória e aprendizagem com as alterações anatômicas (morforlógicas) e bioquímicas observadas em animais e humanos. Quando isso acontece o achado ganha mais credibilidade. Acredito que estas informações serão mais fortalecidas no futuro.

  1. CR) Os benefícios cognitivos de um estilo de vida ativo parecem estar relacionados ao nível de atividade física praticado ao longo de toda a vida. Há até quem fale no estabelecimento de uma “reserva cognitiva”. Nesse sentido, acredita que mesmo os praticantes não regulares possam tirar algum proveito de programas de exercícios físicos?

Marco Tulio: Não tenho dúvida que sim. Mas também não duvido que os benefícios são infinitamente menores. O que vai contribuir bastante neste caso é a somatória do estilo de vida que o indivíduo tem.

Daniel Habermann: O “aprendizado cognitivo” ocorre durante a vida. O exercício regular, a carga genética favorável e o momento biológico são importantes no possível desenvolvimento de uma “reserva cognitiva”. Deve-se lembrar, porém, que toda suspensão da regularidade de exercícios associa-se a uma perda gradual dos benefícios. Portanto, tais benefícios perduram enquanto perdurarem as adaptações promovidas com o treinamento.

  1. CR) A ação do exercício físico sobre a função cognitiva pode ser feita direta ou indiretamente. Entre os mecanismos diretos que aumentam a velocidade do processamento cognitivo estão a melhora na circulação cerebral e a alteração na síntese e degradação de neurotransmissores. Por outro lado, a diminuição da pressão arterial e o decréscimo tanto dos níveis de LDL como de triglicérides parecem agir indiretamente, melhorando essas funções e também a capacidade funcional geral, refletindo-se no aumento da qualidade de vida. Classificando-os por grau de importância, que percentual  daria a cada um desses dois fatores?

Marco Tulio: Se pensarmos em alguém que não tenha problemas de saúde, o primeiro aspecto é o mais importante. Mas se estivermos falando sobre o indivíduo com excesso de peso  e outros aspectos prejudiciais, eu diria que a segunda opção é mais importante neste momento de vida da pessoa.

Ricardo Arida: A diminuição da pressão arterial, do LDL, triglicérides, capacidade funcional etc melhora a saúde e consequentemente propicia ao individuo ter condições de absorver melhor o estímulo, seja ele qual for, cognitivo ou outro. De qualquer forma, a pessoa com uma boa saúde física tem condições de ter também uma melhor saúde mental.

  1. CR) Nas corridas existem velocistas (correm provas curtas e muito rápidas) e fundistas (provas longas e mais cadenciadas). Em relação ao exercício de longa duração, as pesquisas demonstram que alguns efeitos podem ser prejudiciais para as performances de velocidade de resposta e memória. Apesar disso, vários estudos têm associado condicionamento cardiorrespiratório com cognição. Considerando as duas categorias de corredores, na sua opinião qual delas se beneficia mais em relação ao ganho cognitivo? E por que?

Alexandre Busse: A maioria dos estudos contemplou os exercícios aeróbios em adultos e idosos. Como pouco foi estudado em atletas, ainda não é possível responder a esta questão. No entanto, sabe-se que os exercícios extenuantes podem trazer malefícios a alguns tecidos, inclusive o cerebral. Na minha tese de doutorado verificamos que um programa de musculação supervisionado foi capaz de melhorar o desempenho cognitivo em idosos com comprometimento de memória. Atualmente estamos estudando o papel do Tai Chi Chuan, mas mais estudos são necessários para confirmar os benefícios de exercícios de força e flexibilidade.

Daniel Habermann: Apesar de indivíduos que realizam treinamentos de velocidade e curta duração também se beneficiarem de melhora nas condições cardiorrespiratórias, é nos fundistas que as adaptações nestes sistemas ocorrem com maior intensidade. Com a ressalva de que comumente os atletas de resistência e “endurance” com grandes volumes e intensidades aeróbias, sem a devida recuperação / reparação orgânica, podem apresentar processos bioquímicos degenerativos (aumento de radicais livres e inflamações frequentes), que promovem efeitos de “envelhecimento precoce” de tecidos, inclusive vascular.

  1. CR) Conforme dito no estudo publicado, os protocolos desenvolvidos para investigar os efeitos do exercício intenso nas funções cognitivas foram caracterizados pela demanda anaeróbia máxima, podendo causar estado de fadiga e, assim, um conseqüente declínio cognitivo. Nesses casos, analisando de forma reversa, poder-se-ia afirmar que quanto mais bem condicionado estiver o atleta menor será seu ganho cognitivo?

Marco Tulio: Não se sabe ainda! Mas acredito que não. Estamos falando de evocação da memória imediatamente após o exercício extenuante, na prática um dado clinico sem muito valor. Os estudos, até como os de nosso grupo, avaliam tais aspectos no sentido de enfatizar diferenças que elucidem o mecanismo da influencia do exercício físico na memória.

Alexandre Busse: Não necessariamente. Desde que não exceda demais os limites, pois desta forma pioraria tanto o condicionamento físico quanto mental.

Ricardo Arida: Não. Alguns estudos mostram uma melhora nos testes de atenção etc, após o esforço intenso, outros não. É bom deixar claro que não podemos dizer que existe uma relação direta entre “mais condicionado, melhor a memória ou cognição”.

Daniel Habermann: De maneira alguma. O condicionamento é formado por um conjunto de aptidões, e não somente pela alta capacidade de suportar a produção de energia de forma anaeróbia, mesmo sendo esta um indicativo de alto grau de esforço.

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