20 de setembro de 2024

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Sem categoria admin 29 de março de 2015 (0) (102)

Uma história de solidariedade

Rubens Fontana Filho começou a correr há 22 anos. Hoje, aos 60 anos de idade, ele acumula 39 maratonas oficiais no currículo, em vários locais pelo mundo. A preferência na hora da escolha de encarar os 42 km sempre foi tentar não repetir provas, principalmente no exterior, com o intuito de conhecer junto com a esposa, Marineth Fontana, locais diferentes. Na sua lista de maratonas estão Curitiba, Florianópolis, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Buenos Aires, Roma, Santiago, Praga, Genebra, Amsterdã, Nice-Cannes e Nova York, entre outras.
Casado há 34 anos e pai de três filhos já adultos, este paulista de Cafelândia adotou Curitiba para morar e foi exatamente ali que a corrida entrou na sua vida. Em um primeiro momento, sua história não parece fugir ao que ouvimos da maioria dos corredores. Ou seja, alguém que encontrou nessa modalidade simples e fácil de praticar um motivo para ganhar qualidade de vida, se livrar de algum vício, emagrecer ou simplesmente relaxar. Mas o que levou efetivamente Rubens a arriscar os primeiros passos na corrida foi algo um pouco diferente, que serviu como uma perfeita válvula de escape para aliviar os problemas que surgiram de uma só vez, como uma avalanche.
Sua vida mudou radicalmente quando ele, pai de dois filhos pequenos, aguardava a chegada de mais um membro da família. Em dezembro de 1993, em um almoço de sábado, sua esposa começou a ter convulsão aos 8 meses de gravidez. Levada ao médico, o fato foi diagnosticado como normal, uma vez que a gravidez era de alto risco. "Levei-a ao médico desmaiada, tendo convulsões. Ele achou normal aquilo por ser gravidez de risco e mandou voltarmos 15 dias depois", lembra Rubens. Mas as coisas complicaram um pouco quando, no dia seguinte, Marineth teve outra convulsão. A partir de então, o casal teve que conviver com uma dura realidade e um diagnóstico convicto: "Vamos salvar a criança", disse o médico.

TUMOR E CIRURGIAS. Com exames detalhados, foi constatado um tumor na cabeça de Marineth, diagnosticado como minigioma e que tinha o tamanho de uma laranja. A criança, uma menina, nasceu sem qualquer problema. E foi só depois do parto que a mãe pode passar pela primeira das quatro cirurgias, na tentativa de remover o tumor. A operação foi feita em partes para que os médicos pudessem controlar hemorragias, o que poderia piorar ainda mais o estado de saúde da paciente.
Após vinte dias no hospital e mais um mês em casa, ela passou pela segunda cirurgia. Foi para a UTI com a cabeça semiaberta e retornou no dia seguinte para a terceira intervenção. Somente após 60 dias, veio a quarta e última operação. "Quando o médico terminou, ficou apenas um pedacinho do tumor e ele disse que poderia controlar com medicamentos", conta Rubens, que na época já estava com a vida completamente dedicada aos cuidados com a esposa.
Mesmo voltando para casa com o problema aparentemente controlado na época, Marineth, que passou por 37 internações na UTU, ainda teve que enfrentar uma longa recuperação, que durou longos e angustiantes anos. "Ela ficou epilética, tinha convulsões a cada dois dias e uma dor de cabeça insuportável. Não havia medicamento que controlasse. A dor era algo como três vezes superior a uma enxaqueca, demorava 24 horas para passar e sempre era seguida de uma convulsão. Chegou uma hora que eu preferia que ela tivesse a convulsão. Assim ela ficava desmaiada e não sentia nada na hora", lembra Rubens, que, para completar, ainda passava na época por terríveis problemas financeiros por ter emprestado o nome a terceiros, que acabaram não honrando a dívida e o levaram a ter que enfrentar questões com oficiais de justiça, agiotas e tudo mais.
Não bastasse a angústia de ver a esposa sofrer e nada podendo fazer, Rubens ainda teve que assumir de vez toda a casa, passando a cozinhar, passar e lavar roupa, fazer todos os tipos de afazeres domésticos e ainda cuidar dos três filhos pequenos, sendo um recém-nascido, e ainda da esposa. "Eu dava comida para ela, cuidava para que ela não batesse a cabeça, levava e buscava os filhos na escola. Enfim, fazia tudo o que era necessário em casa, além de continuar meu trabalho."

VÁLVULA DE ESCAPE. Com todos esses problemas, Rubens foi chegando a um esgotamento físico, mental e psicológico. E o anestésico que encontrou para aliviar um pouco os problemas foi começa a correr. O contato que tinha com esporte antes disso era apenas uma paixão pelo futebol. "Comecei a correr porque não aguentava mais vê-la sofrendo com convulsões todos os dias", conta ele, que passou a frequentar diariamente o Parque Barigui para uma corrida solitária. Apesar da nova válvula de escape, a preocupação não diminuía. "Era muito triste porque eu saía para correr e sabia que quando voltasse no mínimo eu iria encontrá-la tendo convulsões ou caída no chão."
A solução para isso foi comprar uma esteira para poder ficar ao lado da esposa. Para que ela pudesse se distrair enquanto ele corria, providenciou um potinho de beija-flor para que ela pudesse se distrair olhando para os pássaros que se aproximavam da janela para beber água. "Pendurei na parede para que ela pudesse ficar olhando para os beija-flores enquanto eu fazia esteira, que ficava junto de uma caixa d'água e fazia um calor insuportável, além de muito barulho. Era uma maneira de ela passar o tempo. Eu corria uma hora todos os dias, de Natal a Natal."
Foram cinco anos até que Marineth melhorasse de vez e não tivesse mais nenhum problema de saúde. Com o tempo, as dívidas foram saudadas e os negócios aos poucos foram entrando nos eixos. A corrida continuou fazendo parte da sua vida e surgiu então a vontade de encarar sua primeira maratona. Mesmo correndo na época apenas de 10 a 15 km, Rubens achou que poderia encarar seus primeiros 42 km em Curitiba, no ano 2000.

ESTREIA EM CURITIBA. "Quando eu corria no Parque Barigui, costumava dar quatro voltas, de 3.300 metros cada. Fiz as contas para saber quantas voltas precisava para completar uma maratona. Achava que aquilo era uma loucura, mas um dia resolvi enfrentar", diz Rubens, que estreou nos 42 km com o tempo de 4h33. Encarou novamente a prova no ano seguinte, terminando em 4h32. A partir de então, passou a querer correr em locais cada vez mais distantes, e sempre tendo sua esposa o esperando na linha de chegada.
A esteira já não faz mais parte da sua rotina diária de treino. "Hoje apenas corro na rua e, depois de ‘velho', comecei a fazer reforço muscular duas vezes na segunda e na quarta. Corro 20 km na terça e mais 20 km na quinta. No sábado faço de 38 a 42 km", conta Rubens, que acredita que já encarou até então o equivalente a 400 maratonas, só nos treinos de fim de semana.
Por tudo isso que passou, a corrida com certeza não poderia deixar de ter um significado especial para sua vida e é difícil não lembrar do que aconteceu quando bate aquele cansaço da maratona, no km 32, quando parece que as forças acabaram. "É aí que começo a pensar na esposa, nos filhos e hoje nos netos. Não há nada que me derrube. Em todas as provas que corri a Mari estava lá presente. Jamais vou fazer uma maratona sem a companhia dela porque o abraço que recebo ao final me diz que tudo isso valeu muito a pena."

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