Perfil admin 29 de março de 2015 (0) (248)

Qual o perfil do corredor de montanha?

O mercado de corridas em montanha no Brasil está em total expansão, mais até do que as provas de rua, seja no número de concluintes ou de organização de corridas/circuitos. Claro que um fator está diretamente ligado ao outro. Esse tipo de evento tem uma limitação física, pois o total de inscrições é baseado nas dificuldades de acesso e nas regras das áreas onde é realizada, passando muitas vezes por parques estaduais ou federais, estando sujeitos às determinações impostas por órgãos públicos.
Os altos preços de inscrições também chamam a atenção. Então, surge a dúvida: "Há realmente espaço para esse crescimento? De forma sustentável, beneficiando os dois lados: corredor/organizador?". "Quem é o participante das provas em montanha?". "O perfil mudou ao longo dos anos?" Fomos ouvir organizadores dos principais circuitos brasileiros para tentar responder a essas perguntas.
"Realmente, as corridas em montanha viraram moda, sendo o segmento que mais cresce na modalidade, tanto em participantes quanto em organizadores. Pessoas que nunca haviam participado de algo parecido estão fazendo suas estreias e muitas vezes nas longas distâncias", afirma Kleber Ricardo Pacheco, da Naventura Marketing Esporte e Turismo, responsável pelo Circuito Paranaense de Corridas em Montanha.
"É alarmante o número de participantes de provas como Cruce de Los Andes que nunca estiveram alinhados na largada de uma prova trail, de montanha, cross ou até mesmo de asfalto em distâncias tradicionais de 5 km ou 10 km, onde geralmente se inicia", completa Kleber, referindo-se à tradicional prova argentina, realizada no mês passado, com três dias de duração.
Um ponto que leva os atletas para as corridas de montanha é a ampla possibilidade de fazer turismo, já que maioria dos trajetos passa por lugares onde a pessoa jamais iria sozinha e também por não requerer grande preparo físico. "Esse contato com a natureza, que proporciona bem-estar, e o fato de poder caminhar em grande parte ou na totalidade do percurso está atraindo este público iniciante", diz Kleber. "Assim, novos organizadores e empresas das corridas de rua estão se aproveitando dessa onda crescente e entrando ao mercado outdoor, o que em alguns casos acaba gerando provas descaracterizadas. Está cada vez mais rotineiro os anúncios de corridas de montanha com percursos em trilhas com pouca diferença altimétrica ou até mesmo em longos estradões. Correto seriam então chamar essas provas de trail…"
De acordo com Kleber, até um ou dois anos atrás o corredor de montanha era aquele atleta das (quase) extintas corridas de aventura, que aproveitava a oportunidade para um treino de luxo ou simplesmente estar naquele meio. Em grande parte, também estavam os corredores de rua que já tinham certa bagagem de distâncias e procuravam algo mais prazeroso. Hoje, na linha de largada temos todo o tipo de público: desde os corredores antigos e experientes até os iniciantes e com pouca idade. "Alguns fatores levaram a esta mudança: o modismo; o aumento no número de pessoas em busca de qualidade de vida e consequentemente atraídos por atividades físicas em contato com a natureza; a conscientização dos jovens para a importância de exercícios; a divulgação da mídia em geral fazendo com que as pessoas tenham mais acessos a informações sobre as provas trail; e, principalmente, o turismo aliado à prática da corrida."
Nas provas organizadas pela Naventura em 2014, de cada 100 inscritos aleatórios e em eventos diferentes, em uma média, a maioria veio do Paraná mesmo (60), depois Santa Catarina (15), São Paulo (9), Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul (5 cada) e o restante de outros Estados. As faixas etárias com mais corredores são as dos 30/39 e dos 40/49 anos, sendo que os homens seguem sendo maioria no geral: 60%. "Provas como a da Ilha do Mel tem grande presença feminina, o que acaba equilibrando essa proporção", explica Kleber. No mesmo grupo, com base nos perfis sócio econômicos do IBGE, a média de participantes fica de 7% na classe A (acima de 20 salários mínimos de renda familiar), 23% na B (10 a 20 salários), 44% (4 a 10), 17% (2 a 4) e 9% (até 2 salários mínimos).

CRESCIMENTO FEMININO – Um dos precursores desse mercado brasileiro (a Volta à Ilha, em Florianópolis, está completando 20 anos em 2015, por exemplo, e terá cobertura especial com a participação do editor Tomar Lourenço), Carlos Duarte, diretor da EcoFloripa Eventos Esportivos, destaca o aumento na participação feminina nas últimas duas décadas nas provas. "Eram em torno de 15% e hoje chegam até a 35% em algumas corridas, incluindo também as de montanha. Por exemplo, no Desafrio Urubici de 2014 tivemos a participação de 35% de mulheres. Lembrando que ocorrem três provas simultaneamente: 52 km solo, em dupla e a de 8 km. No solo dos 52 km, a presença feminina diminuiu e tivemos 18%", compara Carlos Duarte. "Quanto à idade, as faixas etárias com maior participação são de 35 a 39 anos e de 40 a 44 anos. Isso ocorre nos dois sexos", diz. "Além disso, hoje também já temos os corredores de elite que estão se especializando em corrida de montanha, coisa que não havia 15 ou 20 anos atrás."
Outro precursor desse mercado de corridas de montanha é Euclides Neto, o Kiko, do Mountain Do. "Em 1995 corri em Lucerna, na Suíça, e vi uma prova em Davos. Fiquei louco e não tive dúvidas de que este era o meu sonho, de levar as corridas de montanha para o Brasil. Tinha 25 anos e queria bater meu recorde, de 2h57 na maratona. Mas como o mercado não tinha demanda para ganhar dinheiro com performance, o meu lado empreendedor me levou para esse caminho (das provas off-road). Porém, era difícil segurar a emoção. A razão acabou sendo mais forte naquele momento e, somente em 2003, nasceu o primeiro Mountain Do, o da Lagoa da Conceição, em Florianópolis", lembra Kiko. "No ano seguinte, o Fábio Galvão lançou também as Corridas de Montanhas e aqui estamos hoje em uma modalidade que ainda vai crescer muito no Brasil", prevê.
De acordo com Kiko, com base nas provas que organiza no Brasil e exterior (em Ushuaia, na Argentina, e no Deserto do Atacama, no Chile) o inscrito nas provas em montanha hoje é aquele cansado da área urbana e das buzinas. "A tendência é clara: a partir de um ano no asfalto, esse novo corredor já quer novas aventuras; assim os próximos desafios serão em bosques, trilhas e montanhas. Geralmente, dentro do perfil, são pessoas mais calmas e serenas, que gostam de curtir (o visual, a natureza, as amizades) mais do que correr, aproveitar com amigos e desfrutar dos prazeres da corrida", completa Kiko.

CORREDORES DIFERENTES – Outro circuito que vem sendo ampliado no Brasil é o da série K21, trazido da Argentina, que neste ano terá etapas em Sergipe, Santa Catarina e Minas Gerais, além de São Paulo. César Santos, corredor de montanha e organizador do K21 Aracaju e do K21 Extrema, faz um contraponto e destaca que atualmente quem vai para as provas off-road não tem um perfil único, mas sim englobando várias "tribos".
"O primeiro tipo sempre gostou do contato com a natureza. Aventureiros, andarilhos, trekkers em geral e todo praticante que tradicionalmente foge de quatro paredes ou lugares urbanos", afirma César. "O segundo é aquele que só tinha como opção as corridas no asfalto, nas ruas das cidades e que hoje tem vontade de sair das distâncias e metas pré-estabelecidas pelos meios urbanos: medidas exatas, tempos a baixar e alta competitividade pelas melhores colocações como um objetivo principal", ressalta. O terceiro tipo já é um corredor que nasceu dos treinos junto a parques, fazendas, praias e quer ver muito de longe as provas dentro do perímetro das grandes cidades. "Esse sempre prefere usar os finais de semana para treinos em cidades menores, zonas rurais e, se possível, em percursos com variação de ambiente e piso."

BUSCA PELO INUSITADO – De acordo com César Santos, a melhor definição para o corredor de montanha é "aquele que se dispõe a enfrentar desafios nada limitados e que podem mudar mesmo que o percurso seja divulgado e conhecido, pois há sempre o perigo de seus planejamentos prévios serem modificados por força da natureza (chuva, neve, rios, pisos variáveis etc)".
"Essa nova ‘onda' de contato do homem com o meio ambiente trouxe um leque maior de possibilidades para quem corre montanha, pois um percurso nunca será nem parecido com o outro em eventos distintos (até mesmo em uma mesma prova, dependendo das variações climáticas), diferentemente do que ocorre em provas urbanas e de medições oficiais onde um 10 km busca seguir um formato de performance parecida com outro evento que teve uma marca de tempo ótima. Nas corridas de montanha a busca é pelo inusitado."
Luiz Gustavo Amaral, da empresa E2X Esporte e Entretenimento, organiza o K21 Maresias (São Sebastião) e o K21 Serra do Japi (Cabreúva), em 2015, e considera que ainda há muito espaço para crescer. "Em três etapas que fizemos em 2014 pudemos notar um aumento significativo de novos corredores. Por exemplo, na K21 Maresias (em São Sebastião, litoral norte paulista) tivemos 300 inscritos mais experientes na montanha. Já a K21 Serra do Japi, o número dobrou, chegando a 700. Desse grupo, a grande maioria era formada por corredores em busca de novos desafios, que cansaram um pouco da mesmice das corridas de rua", compara.
Segundo o organizador, ainda teremos novidades, mas uma seleção natural nos próximos anos deve acontecer. "Agora, como qualquer outro mercado, no início há um boom, mas existe muito a ser explorado no que se trata de corrida de montanha. Diversos lugares ainda não receberam grandes provas, com boa estrutura. Minha visão para o curto/médio prazo é que o segmento cresça, porém, só serão consolidadas as provas que oferecerem muito aos corredores, pois eles estão cada vez mais exigentes", afirma Luiz Gustavo. "Preparar uma prova de montanha é muito mais trabalhoso do que uma de rua. Há necessidade de você oferecer o máximo em segurança. As corridas que surgirem para ‘surfar' nessa nova onda das montanhas, sem oferecer toda a estrutura necessária, vão sumir em pouco tempo", prevê.
Se esse crescimento das corridas ditas de montanha vai continuar, não é possível se afirmar com certeza, mas pelo menos neste ano parece não haver dúvidas sobre o seu sucesso, conforme se vê no quadro das provas previstas. Inscrições caras e custos relativamente baixos de realização viabilizam eventos lucrativos, mesmo com poucos participantes, ao contrário das que acontecem nas cidades, penalizadas por taxas das prefeituras, federações etc.

Muito a crescer ainda
Ricardo Beraldi, diretor comercial do Trail Running Club Brasil e organizador do 1º Endurance Challenge Ultra Trail, que será realizado em Agulhas Negras, patrocinado pela The North Face, de 21 a 24 de maio, em Visconde de Mauá, distrito de Resende-RJ, comenta que "homens entre 29 e 40 anos são a faixa predominante nas provas de montanha no Brasil, mas estamos esperando a nova geração, de 16 a 20 anos começar a se apresentar, pois acreditamos ser esse o futuro do esporte no país. Em outros lugares, como na Europa, é cultural o envolvimento das pessoas com a montanha desde criança e vejo que a nossa vez está cada vez mais próxima. Contudo, por esse tipo de modalidade ser relativamente nova por aqui, ainda estamos criando e percebendo o público."
Segundo Ricardo, em comparação com 2014, pelo que o cenário aponta, haverá um crescimento de 100% no número de provas. E corridas de todos os tipos, sendo as mais comuns as de estradas de chão, pois são fáceis de serem organizadas e o público também pode ser menos especializado. "Mas também tem as competições que chamamos de ´montanhas de verdade´, nas quais o nível técnico exigido é mais alto e as distâncias maiores, há muitas trilhas e muito desnível (com subidas e descidas acumuladas)."
"Para a The North Face, os eventos de alto nível técnico são os mais interessantes, pois dão mais credibilidade. É o tipo de prova que fica com fama e que desafia os limites dos atletas. Por isso, gera mais repercussão. Como o esporte ainda está crescendo no Brasil, os atletas de fora não enxergaram o potencial do nosso país, mas estamos mudando isso e mostrando que nossas montanhas são ótimas para o trail running e que temos um terreno diferente, que considero mais técnico e pesado", afirma o diretor da TRC Brasil.

 

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